quinta-feira, 28 de maio de 2020

Os lares ilegais no país de Sócrates, Jerónimo e Cavaco

Os lares ilegais na região podem chegar ao número das quatro centenas. Não por acaso alguns países da Europa tratam os políticos portugueses com desprezo.


Os lares ilegais no distrito de Santarém poderão chegar às quatro centenas segundo informação que O MIRANTE obteve junto de fontes da protecção civil. A notícia da passada semana, que apontava para 130, peca por defeito e minimiza um problema que é muito mais grave do que se pensava. O facto deste negócio, que mexe com a saúde pública e os direitos dos mais desprotegidos, passar ao lado do crivo das entidades que cobram impostos e zelam pela segurança de utentes e trabalhadores, diz bem do atraso civilizacional do nosso país. Não é impunemente que os dirigentes dos países mais desenvolvidos da Europa nos tratam com algum desprezo. Estas notícias são assassinas para a nossa classe política que se pavoneia todos os dias nas televisões.
Jerónimo de Sousa disse em Baleizão, no dia em que se assinalou os 66 anos do assassinato de Catarina Eufémia, que o vírus estava a ser pretexto para os patrões explorarem ainda mais os trabalhadores. Só encontro paralelo nestas declarações com aquelas que, antes do 25 de Abril de 1974, anunciavam que os comunistas comiam crianças ao pequeno-almoço.

Estamos de volta ao trabalho, à praia, aos restaurantes e às livrarias. Os números de mortes e infectados com o coronavírus em Portugal esteve muito longe daquilo que aconteceu e ainda acontece noutras paragens.  Foram pouco mais de dois meses de confinamento mas o suficiente para que nada volte a ser como dantes. Gerir empresas ou trabalhar por aí será muito mais desafiante mas também muito mais perigoso. Tudo o que aconteceu nestes últimos meses já se vinha sentindo mesmo sem coronavírus. Agora temos que aprender a viver em cima das incertezas e não podemos protestar. Claro que haverá sempre os que vivem do sistema, e cavalgam a sorte de terem empregos dourados, ou uma situação financeira acima dos simples mortais. Outros enriquecerão ainda mais com o advento da crise e as incertezas dos mercados. De verdade estaremos todos no mesmo barco porque ninguém sobrevive num mar tumultuoso mesmo que ocupe o melhor lugar do navio.

Por aqui reina o espírito decidido de quem sabe trabalhar e levar a água ao seu moinho. Para O MIRANTE a montanha pariu um rato quanto aos apoios do Estado em publicidade institucional. Vamos receber 10 mil euros limpos que dão para pagar o gasóleo de três meses de trabalho. Os milhões ficam para as empresas de comunicação social de Lisboa que são cerca de 85% das que se publicam no país e, em muitos casos, se limitam, a  nível sócio económico, a fazer informação de carregar pela boca. Não faltam excepções que confirmam a regra, o que prova que não podemos desistir de continuar a sonhar que podemos mudar o mundo nem que seja só na nossa rua.

Nestes últimos dias morreram duas grandes escritoras que conheci pessoalmente. Olga Savary (1933-2020) uma poeta brasileira que me abriu as portas da sua casa no Rio de Janeiro para contar o seu longo percurso de vida literária. Nas duas cassetes da entrevista estão também duas horas de gravação com Ferreira Gullar, outro dos maiores poetas de língua portuguesa, que também me recebeu na sua casa, no bairro do Leblon, para me contar a história da ditadura brasileira do tempo em que escreveu “Poema Sujo”.  Maria Velho da Costa (1938-2020) não era a minha escritora de eleição mas tem uma obra poderosa e um percurso de vida que faz a inveja de muitos escritores e intelectuais do seu tempo. JAE.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

A Justiça e o vinho de bom grau e boa cepa

A democracia em Portugal sofre cada vez mais das fraquezas que tanto afectam a Justiça como o Jornalismo.  


Há um dia em que a Justiça nos cai em cima e percebemos que, afinal, os tribunais também estão cheios de malandrecos e malandrecas que se servem da Justiça como o taberneiro se serve do vinho bom para lhe acrescentar água. Não é com jornais, rádios e televisões que se garante a democracia também é com liberdade de imprensa; mas sem Justiça a sério não há regime democrático que resista. Esse ditado popular que diz “mal por mal antes cadeia que hospital”, é talvez o mais mentiroso de todos os ditados populares que já conhecemos; prefiro ter uma doença a sério que passar dois dias de cadeia por ter metido a mão onde não devia ou por ter cometido outro qualquer crime merecedor de prisão. Como eu deveremos ser quase dez milhões de portugueses. Agora que a Justiça portuguesa mostrou mais uma vez o seu lado mais fraco, e isto é só a ponta do véu, o caminho fica mais estreito para todos aqueles que se servem da Justiça como o taberneiro se serve do vinho de boa cepa.
Portugal tem uma imprensa cada vez mais fraca e concentrada em grupos de grande poder económico. Os jornais e as televisões, defendem o interesse público mas estão colados a grupos de interesses e a pessoas que, na maioria dos casos, fazem parte do sistema corporativo, muitas vezes, corrupto. Não é raro lermos notícias sobre assuntos de corrupção que fazem manchete no jornal do grupo A, que entretanto passa completamente ao lado dos interesses dos jornalistas da redacção do jornal ou da televisão do grupo B. Está a acontecer neste momento, no ano da graça de 2020, para vergonha dos jornais e dos jornalistas portugueses. E o caso Marquês, em que é réu, entre muitos, o impagável José Sócrates, serve às mil maravilhas para camuflar essas fraquezas da nossa democracia que tanto afectam a Justiça como o Jornalismo.

Há uma dúzia de anos fomos roubados por uma pessoa que se apropriou de uma dezena de cheques que depositou na sua conta bancária. Apesar de estarem devidamente endossados, o meliante conseguiu enganar o caixa de uma agência bancária de Tomar e depositar os cheques na sua conta. Depois de ser descoberto, e de uma queixa em tribunal, conseguimos reaver o dinheiro em pouco tempo porque o banco em causa tentou, o mais rápido possível, sair do imbróglio em que um funcionário se deixou enredar. Quando pedimos ao nosso advogado que tentasse em tribunal uma queixa que castigasse o abuso de confiança, a resposta foi clara: pensem bem nisso; a Justiça não condena roubos/desvios de pouca monta e vocês vão gastar muito tempo e dinheiro. E assim acabou a história. A Justiça ainda é boa demais para quem vive dela e boa demais para quem se serve dela como o taberneiro se serve do vinho de boa cepa. JAE.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Rui Rio podia ser personagem de romance de João Ubaldo Ribeiro

O presidente do PSD, Rui Rio, não é muito diferente de André Ventura. Ambos carregam no verbo para compensarem a falta de ideias.

Rui Rio, presidente do PSD, afirmou que as empresas de comunicação social deviam ter do Estado o mesmo apoio que as empresas de calçado. Rui Rio alinha com André Ventura em muitas questões da vida política à portuguesa. A diferença entre eles é de comportamento. Rui Rio é mais ao jeito dos forcados, que João Ubaldo Ribeiro descreve de forma satírica no seu livro “A Casa dos Budas Ditosos”, e André Ventura é todo ele toureiro, sem capa e espada, como aqueles que frequentam as picarias mas não gostam de corridas de toiros.

O Governo diz que vai dar, em 2020, por causa da pandemia, 15 milhões de euros em publicidade institucional às empresas de comunicação social que fazem o mesmo trabalho de serviço público que a rádio e a televisão do Estado, que levam todos os anos cerca de 300 milhões de euros. Estes 15 milhões, que poderão chegar em tempo de pandemia a cerca de 500 empresas de comunicação social, entre imprensa e rádio, são uma esmola comparado com aquilo que o Estado gasta com o serviço público de televisão, rádio e agência pública de notícias. E, pior que isso, foi preciso uma pandemia para que o Estado finalmente cumpra aquilo que está publicado em Diário da República há muitos anos, que é a obrigatoriedade de publicar publicidade institucional nos jornais, entre eles os regionais e locais, que é aquilo que muito raramente acontece. Ou seja; o Estado está obrigado por lei a publicar publicidade institucional nos jornais e rádios, só que não o faz, e ninguém vai atrás do prejuízo porque dá muito trabalho e muitas inimizades. Quem conhece a minha opinião sobre as associações de muitos sectores, agricultura incluída, fica agora a conhecer também a minha opinião sobre as associações de imprensa: são quase todas prestadoras de serviço, que vivem dos negócios com o Estado, à custa dos que trabalham nos vários sectores da vida empresarial.
Rui Rio, responsável pelo maior partido da oposição, podia aproveitar o estado calamitoso em que vivemos e ganhar estatuto, lutar por um lugar na frente para um dia chegar a primeiro ministro. Ao contrário, fala do que não sabe, tem uma língua de trapos e a sua ousadia em matéria política só pode ser gozada, ao jeito de João Ubaldo Ribeiro, quando brinca com as touradas e os forcados em “A Casa dos Budas Ditosos”, ou quando cita Nelson Rodrigues para dizer que tinha razão ao afirmar que “se todo o mundo soubesse da vida sexual de todo o mundo ninguém se dava com ninguém”.

Não vem nos livros, nem é matéria dos noticiários das televisões, os dramas das populações que vivem no interior e estão entregues à bicharada. Os preços das casas em algumas vilas e aldeias da região caíram a pique e ninguém as quer comprar. Entretanto a Câmara de Lisboa está a preparar-se para comprar casas, prontas a habitar, para arrendar, e assim aumentar o seu património habitacional. As autarquias do interior, que perdem população e vêem definhar o comércio tradicional e são obrigadas a fechar escolas, não têm qualquer política social para implementar nos próximos anos, mesmo sabendo que a União Europeia apoia políticas de habitação contra o problema da interioridade. Não vou falar dos concelhos que conheço bem, onde as populações perdem qualidade de vida e vêem o seu património desvalorizado. Mas deixo aqui, mais uma vez, um aviso àqueles que gostam da sua terra e não exercem a crítica necessária para que os políticos de proximidade sejam obrigados a vestirem as luvas de boxe para lutarem pela sua gente e pelo futuro das suas cidades, vilas e aldeias. JAE

quinta-feira, 7 de maio de 2020

O Estado não paga, não paga, não paga

As cativações são o sistema mais perverso que o Estado português inventou para baixar a dívida pública. Foi com este tipo de esquemas que o ministro Centeno ficou conhecido como o Ronaldo das Finanças.

A malta do Estado, que governa o dinheiro do Estado, bem pode atravessar pandemias e épocas trágicas de fogos, cheias do Tejo, tempestades de granizo e outras catástrofes, que não muda nem que a vaca tussa. A situação que atravessamos, com a crise provocada pelo coronavírus, alterou a nossa vida individual e colectiva de maneira abrupta e, nalguns casos, extrema ao ponto de nunca mais voltar a ser como era. Ninguém sabe o que nos espera ainda. O Estado, e a malta que trabalha nos organismos do Estado, está na mesma como a lesma, nomeadamente nas relações com os contribuintes, com as empresas e os empresários. Do cimo do altar em que vivem todos os dias, na segurança dos deuses do poder e do dinheiro dos contribuintes, e dos impostos que pagamos automaticamente como pagamos com a vida os erros que cometemos, ignoram as dívidas e os compromissos daqueles que, no mercado livre e concorrencial, arriscam, apostam, investem e entregam-se ao trabalho como gente grande, e civilizada, que não acredita no milagre de Fátima mas respeita quem acredita.

Na passada semana demos visibilidade à divida milionária do Estado a uma empresa da área dos transportes públicos que trabalha na nossa região e que precisa do dinheiro que o Estado lhe deve para poder continuar a trabalhar e pagar vencimentos. Mas esta é apenas uma situação, entre milhares, em que o Estado, pela voz dos políticos diz uma coisa, e depois na acção dos burocratas faz outra completamente diferente. Há organismos do Estado que, por causa das célebres cativações dos governos de António Costa, não pagam o que devem; não pagam, não pagam, não pagam, e ainda respondem de forma descarada aos que vão atrás do dinheiro, argumentando que o país atravessa momentos difíceis e que, nesta altura, não é fácil resolver problemas.

António Costa, em nome do Governo socialista que lidera, tem passado uma imagem de serenidade e seriedade que não se ajusta a esta política de calotice, quase criminosa, que corrói e destrói a vida e a honra de muita gente que confiou no Estado. Provavelmente não foi ele que inventou este esquema das cativações, mas é com esta forma trapaceira de governar que o ministro Mário Centeno é conhecido como o Ronaldo das Finanças; e foi assim que o Governo conseguiu apresentar para 2020 um Orçamento de Estado considerado histórico, porque previa um excedente orçamental, coisa inédita em Portugal desde que vivemos em democracia. Coisa que um vírus, com o tamanho e a magnitude de uma perversidade como as cativações, vai transformar provavelmente no maior défice orçamental desde 1974. JAE.