quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Recados para os autarcas ribatejanos que não são levados a sério

 A última edição de O MIRANTE tem matéria que desafia os autarcas e os empresários ribatejanos a fazerem pela vida em vez do habitual rol de queixinhas.

Li a última edição de O MIRANTE em Braga onde fui almoçar a casa de um amigo de há muitos anos. Foi lá que tomei boa nota de uma das manchetes da primeira página retirada de uma entrevista com António Ramalho, que tem pano para mangas e, como é referido, mete o dedo na ferida. Santarém é uma cidade onde dá gosto viver: estamos à beira do rio Tejo, a meia centena de quilómetros do mar, a meia hora de Lisboa, entre a Lezíria, o Bairro e a Charneca. Vivemos num território onde as oportunidades de negócio crescem todos os dias, embora muito lentamente para o que precisamos e merecemos. Curiosamente, a edição onde publicamos as questões pertinentes levantadas por António Ramalho é a mesma onde o novo presidente da CCDR Alentejo, Ceia da Silva, avisa os autarcas ribatejanos para a necessidade de se unirem em vez de andarem a chorar lágrimas de crocodilo por verem o nosso território ficar de fora dos grandes investimentos do Governo para a próxima década; Ceia da Silva sabe do que fala porque conhece bem os autarcas e o território. Os seus recados não podem cair em saco roto. Os autarcas sérios e esclarecidos têm que meter a boca no trombone e envergonhar os colegas preguiçosos e incapazes. Não é sério entregar uma associação de municípios a um tipo que é presidente da Câmara da Chamusca, depois de dizerem à boca cheia que ele é incapaz, incompetente e analfabeto político. Não é sério nem ajuda nada a que a região se emancipe e tenha uma voz credível e reivindicativa junto do Governo. As desculpas esfarrapadas que dividem os autarcas que sabem da poda dos autarcas medíocres são conhecidas nos bastidores dos órgãos de decisão. Hoje ninguém faz vida política, ou pode fazer política, com um saco enfiado na cabeça para passar despercebido.

Na mesma edição onde António Ramalho e Ceia da Silva põem o dedo na ferida o presidente da Nersant assume que os empresários têm que entrar na gestão dos Politécnicos para influenciarem a sua gestão, numa crítica pouco habitual aos dirigentes das escolas que, muitas vezes, navegam em águas paradas e são reféns de boicotes internos como é o caso conhecido do Politécnico de Santarém.

Veremos se as críticas de Domingos Chambel, que se estendem ao trabalho do Instituto de Emprego e Formação Profissional e ao Governo, não são só fogo-de-artifício. Todos sabemos que os empresários estão ainda mais mal organizados em associação que os autarcas e que o tempo que vivemos é cada vez mais o tempo de falências e de desgraça para a grande maioria das pequenas e médias empresas que representam 90% da economia portuguesa. O Governo tem dinheiro para os grandes empresários nas políticas de apoio à pandemia mas para os pequenos fecha-lhes a porta, e agora também o postigo, o que é de bradar aos céus.

Uma última nota, embora possa ser o assunto mais importante da edição: algumas autarquias não conseguem empresas interessadas nos concursos públicos para obras imprescindíveis para o êxito dos seus mandatos e fundamentais para gastarem as verbas dos fundos comunitários. O mundo mudou muito nos últimos anos, nomeadamente ao nível do emprego e do mercado de trabalho, mas muitos dos nossos políticos continuam a viver no tempo, e no templo, das cigarras. JAE.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Desculpa a pergunta: o que achas do André Ventura?

André Ventura veio para ficar. Com ele as entrevistas nas televisões foram verdadeiras quecas tântricas, trepadas com alguns fetiches à mistura.

Muita gente está espantada e furiosa com o trabalho dos jornalistas das televisões que dirigiram as entrevistas aos candidatos à Presidência da República. Com o trabalho de casa mal feito, os jornalistas de todas as televisões procuraram nas entrevistas o sensacionalismo habitual quando o circo está montado, como é o caso, e permitiram que André Ventura desse espectáculo, com a colaboração dos seus adversários que nada podiam fazer que não deixarem-se embalar pelos jornalistas.

A pergunta que dá título a este artigo foi-me feita várias vezes nos últimos dias por gente esclarecida que percebe a fantochada que as televisões organizaram. Eles só esperavam uma resposta, que é aquela que também dou a mim mesmo: este Ventura vai ter uma votação espectacular porque ele quer duas ou três coisas que todos queremos; e isso basta-lhe para cavalgar um discurso de bobo, que tem feito a delícia daqueles que estão contra a democracia como a vivemos, embora pelo caminho tenhamos encontrado o caso Marquês, os escândalos do BES e do BANIF, dos Vistos Gold, os casos dos construtores civis do regime, dos ex-governantes e funcionários do Estado que misturam interesses pessoais com os interesses do país; confesso que não é pouca coisa, mas com André Ventura ao leme alguém acredita que Portugal será melhor no futuro?

Com o advento do líder do CHEGA os partidos políticos do regime, como é o caso do PS e do PSD, vão pagar caro a falta de trabalho enquanto foram, e ainda são, responsáveis pela falha na modernização administrativa do país e pelo fim dos privilégios dos políticos e dos seus secretários. Ventura cavalga a toda a sela um descontentamento verdadeiro; mas o que nos promete é um retrocesso civilizacional. Para percebermos como é que os jornalistas ineptos das televisões e os adversários políticos têm caído no seu jogo, permitindo que ele não discuta nada sério e em concreto, temos que aprofundar dois ou três assuntos em que ele tem razão. As leis da justiça para os assassinos são uma vergonha. O mundo mudou e está mais violento. Um tipo que mata a sua mulher, companheira ou amante, a tiro de caçadeira, merece na grande maioria dos casos até 20 anos de cadeia, fora os descontos que vêm a seguir com o bom comportamento, enquanto tiram uma licenciatura na prisão, fazem formação profissional e lêem os livros da sua vida. André Ventura tem razão: estamos a brincar com a vida das pessoas desprotegidas e, com uma lei tão branda, impelimos os assassinos a não terem qualquer problema em darem ao gatilho.

André Ventura é a cereja em cima do bolo na campanha eleitoral para as presidenciais do próximo dia 24 de Janeiro. Muitos de nós percebemos que ele é um bobo, mas temos que lhe reconhecer a coragem de trazer para a discussão pública a redução de deputados na Assembleia da República e uma mão mais pesada para aqueles que matam uma pessoa como quem mata uma barata. Foi preciso um Ventura para avisar a malta do PS, PSD, PCP e Bloco que andam a brincar aos polícias e ladrões, esquecendo a reforma do Estado, a democratização dos lugares de chefias das instituições do país, escolhendo os melhores e não os caciques do costume.

Por último: não consigo esquecer a facilidade com que os adversários de Ventura lhe chamaram em directo vigarista e fascista. Com o empurrão dos jornalistas moderadores que, certamente, estavam à espera de bater audiências ao cavalgarem as discussões ofensivas. Confesso que senti em todos eles o brilho nos olhos de quem dá a primeira queca; a alegria de ultrapassarem uma barreira, de cometerem a primeira perversidade das suas vidas; foi mais uma queca tântrica que violenta, mas não deixou de ser uma coisa parecida com a satisfação de uma trepada, com alguns fetiches à mistura. O que me espanta, sinceramente, por que o que é habitual nesta gente da política é tratarem-se todos por senhores doutores, professores e engenheiros; como aliás acontece ainda hoje com José Sócrates que, embora a Ordem dos Engenheiros tenha informado que usa o título indevidamente, todos o tratam pelo título que ele acha que tem. JAE.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O Ribatejo e o jornalista ingénuo e sentimental

A marca Ribatejo perde força a cada ano que passa. O Alentejo é cada vez mais uma marca mundial. Contradições dos burocratas que mandam mais do que deviam.

Comecei o ano novo como acabei o ano velho: a ler, a escrever, a projectar, a mobilizar, a repetir, aos 65 anos, a frase mais conhecido de Picasso: “Demora-se muito tempo para ficarmos jovens”, ou aquela outra ainda mais (des)conhecida: “Concordo com D. Quixote: o meu repouso é a batalha”.

Com esta conversa quero trazer aqui o nome do escritor turco Orhan Pamuk, que tem vários livros traduzidos em português, entre eles “O romancista ingénuo e sentimental” que, embora não seja o melhor dos seus livros, é aconselhado para aqueles que fazem da escrita e da criatividade um modo de vida. Ignorá-lo numa altura em que os livros podem ser a melhor prenda de ano novo seria injusto para o escritor que também é leitura obrigatória na vida do autor desta coluna.

II

O Ribatejo, designação do território onde vivemos, que tem vindo a ser abandonada pela maioria dos organismos do Estado, em favor do Vale do Tejo, Lezíria do Tejo e Médio Tejo, é a maior derrota dos nossos políticos e estrategas locais e regionais. Dou um exemplo que não pode ser ignorado por quem diz que tem dois dedos de testa: o Alentejo, muito mais longe de Lisboa, muito mais desertificado que o Ribatejo, muito mais pobre por causa da agricultura intensiva, o Alentejo, dizia, é uma marca nacional e internacional que ninguém foi ou será capaz de derrubar. O Ribatejo também era, ou parecia ser, mas a verdade é que caiu estrondosamente depois de algumas almas iluminadas acharem que a região não tinha força para se unir à volta do seu estatuto. E ganharam a aposta porque, de verdade, o Ribatejo tem rostos distintos que nunca se entenderam, ou pouco se entendem, não por causa da proximidade com Lisboa mas por causa da proximidade com Coimbra, a norte, e com Leiria, a oeste. Nem o facto de sermos a região do país com o maior potencial para a produção de bens agrícolas, com os solos mais férteis, o de maior qualidade e variedade de recursos naturais, foi suficiente para combatermos a divisão e a perda de identidade que se tem vindo a agravar com as divisões entre quem manda e governa e quem verdadeiramente tem poder.

Dou como exemplo o caso dos vinhos; a indústria do vinho engarrafado do Alentejo é em boa parte alimentada pelas uvas que se produzem nos campos do Ribatejo. É assim há muitas décadas; o Alentejo nunca teve produção de uvas suficiente para alimentar o seu mercado. E o que é que fizeram os iluminados da região para combaterem a concorrência da marca Alentejo?; criaram a marca Vinhos do Tejo que quase fez desaparecer dos mercados o prestígio e a verdadeira importância da cultura da vinha nas terras ribatejanas.

III

Por ainda vivermos o espírito de Natal deixo aqui sinais da minha paixão pelos doces tradicionais do Ribatejo que este ano voltaram a atraiçoar-me (nem imagino quantas pessoas poderão estar desencantadas como eu): não encontrei nos lugares por onde andei as azevias da minha infância com recheio de abóbora ou de tomate; só encontrei azevias com o enjoativo e maçudo doce de grão. Fica aqui o apelo do jornalista ingénuo e sentimental, título inspirado no livro de Orhan Pamuk, aos profissionais de pastelaria do Ribatejo: não se deixem ir em modas: ajudemo-nos com espírito de missão a combater a pandemia das azevias de grão de bico, e, sem brincarmos com as palavras, aproveitemos a embalagem para combatermos os burocratas regionalistas que se parecem com o doce de grão das azevias. JAE.