quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A Ponte da Chamusca é o maior exemplo do Portugal dos pequeninos

 O Instituto de Estradas mandou construir separadores na Ponte da Chamusca para salvaguardar a estrutura de ferro que foi inaugurada em 1909. Daí para cá a vida das pessoas que precisam daquele tabuleiro de ferro tornou-se um inferno. Os políticos locais comem e calam e assim contribuem para o país desigual em que vivemos.

A travessia da Ponte da Chamusca, baptizada com o nome de João Joaquim Isidro dos Reis, continua a ser um problema quase diário para centenas de pessoas que atravessam o Tejo nas mais variadas situações, certamente que uma boa parte delas por compromissos laborais. Na passada semana o telefone da redacção de O MIRANTE voltou a tocar; do outro lado voltamos a ouvir vozes inconformadas a pedirem que escrevêssemos sobre o assunto porque a travessia da ponte não pode ser um problema que estrague a vida às pessoas que compraram casa do lado errado do rio, ou que, por qualquer outra razão, dependem daquele caminho-de-ferro. A notícia acabou por não ser publicada, nem sequer na edição online, porque nem sempre os jornalistas estão atrás de um computador e o assunto é grave demais para escrevermos sobre ele do jeito em que se vai batendo no ceguinho, o que não é o caso, como todos sabemos.

Por causa da falta desse texto na edição online chegou-me também pelo telefone uma história desse dia que é exemplar e que merece ser contada. Um funcionário da Rodoviária do Tejo (RT), que mora na Golegã, saiu de casa 30 minutos antes de entrar ao serviço, na Chamusca, onde deveria conduzir o autocarro da manhã com destino a Lisboa. A distância entre a Golegã e a Chamusca são cinco quilómetros; se a ponte da Chamusca estiver interrompida por causa dos mesmos problemas de sempre pode demorar duas horas. Ao perceber que era isso que lhe ia acontecer na manhã desse dia o personagem desta história deu meiavolta com o carro, voltou a casa, pegou na moto e fez-se novamente ao caminho de forma a chegar a tempo e horas de cumprir os seus horários de trabalho e não deixar pendurados os passageiros da Rodoviária do Tejo.

Conto esta história para valorizar o acto de vestir a camisola deste funcionário da RT que bem podia escrever ao seu administrador a pedir-lhe que fizesse queixa ao Camões por ele não conseguir chegar a horas ao seu trabalho. Certamente que há outros exemplos a merecerem elogios; e haverá situações bem mais dramáticas de pessoas que faltam ao trabalho, e a outros compromissos importantes, por causa dos impedimentos no trânsito na ponte de ferro inaugurada em 1909, a quem foi dado o nome de João Joaquim Isidro dos Reis, que fez da sua construção uma das principais batalhas da sua vida.

Os autarcas da Chamusca acham que os problemas da Ponte da Chamusca se vão resolver por obra e graça do Espírito Santo. Imagino o presidente da câmara, Paulo Queimado, a ligar ao Padre Borga, prior da freguesia, para lhe meter uma cunha

Nenhum sacana que governa a autarquia tem coragem para marchar até Lisboa e meter pelos olhos dentro dos responsáveis do Instituto de Estradas que não se mexe na vida das pessoas como se vivêssemos numa anarquia. Não havendo alternativa aos separadores o IE tem que ter os semáforos a funcionar; se estão avariados os tribunais podem repor a legalidade; os cidadãos não são verbos de encher; os políticos de proximidade não podem ser bonecos ao serviço dos partidos em vez de ao serviço dos interesses dos seus munícipes. Está na hora do reeleito presidente da câmara, e seus vereadores, se amarrarem aos ferros da ponte, já que politicamente são invisíveis e ninguém lhes liga. JAE

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Cavaco Silva: falar e escrever para o boneco

Aníbal Cavaco Silva é o exemplo do país de manhosos em que vivemos. Cavaco diz que vivemos num país com uma “democracia amordaçada”, mas não fala dos “Pandora Papers”, das Fundações, dos políticos que usaram a banca para traficar influências e muito menos fala do seu falhanço como primeiro-ministro durante 10 anos. Curiosamente, um dos maiores actos de censura foi durante um dos seus governos e calhou a José Saramago. E ninguém esquecerá jamais a recusa da pensão a Salgueiro Maia, o herói do 25 de Abril.

A opinião de Cavaco Silva sobre o estado do país foi notícia a nível nacional. O artigo de opinião do ex-primeiro ministro e ex-Presidente da República, que marcou uma época em Portugal, ocupou uma página do jornal Expresso da passada semana e está cheia de opiniões mesquinhas que são o espelho da sua personalidade como político.

Cavaco Silva queixa-se de vivermos num país com uma “democracia amordaçada” onde o “controlo do aparelho de estado e a subserviência da comunicação social” contribuem para o “silenciamento e o empobrecimento” do país. Mas foi num Governo de Cavaco Silva que José Saramago conheceu a censura que o impediu de concorrer a um prémio literário. 

Quem viveu para contar o tempo em que Cavaco Silva dirigiu três governos durante uma década, e falhou redondamente a reforma administrativa do país, não pode ficar calado com tamanha pornografia opinativa. Miguel Cadilhe,  que dirigiu o ministério das finanças durante cinco anos, acusou publicamente o seu líder de ser o pai do “monstro”, ou seja, do défice, um dos epítetos pelos quais ficou conhecida a dimensão da ruptura das contas públicas portuguesas. Segundo Miguel Cadilhe, foi durante o Governo de Cavaco Silva que a Administração Pública portuguesa se transformou na terceira mais cara da Europa. Curiosamente, foi também o Expresso a publicar as declarações de Cadilhe que só podem ficar na História para quem acompanha a vida política das marionetas portuguesas. O facto de Cavaco Silva ainda hoje fazer opinião, ainda que ao nível de um Comendador, e de Miguel Cadilhe se ter eclipsado da vida pública e política, só abona a favor deste último, já que Cavaco Silva governou Portugal durante uma década (1985 a 1995) e só deixou alcatrão, algum dele pouco utilizado, que custa os olhos da cara ao Estado português, que tem que pagar às concessionárias a falta de receitas do tráfego automóvel. Faltam os estudos para sabermos quantos milhares de milhões é que ainda custam estes investimentos que apagaram do mapa as políticas de aposta nos caminhos-de-ferro e na navegabilidade dos rios como acontece na maior parte dos países bem governados.

Mais grave ainda; pouco antes da falência do BES Cavaco Silva fez declarações que são uma vergonha para um país onde a justiça ainda não cumpriu o seu papel para com os lesados dos bancos que foram enganados por funcionários ao serviço de uma “máfia”. Cavaco Silva podia e devia usar as páginas dos jornais para criticar os capitalistas associados às notícias dos “Pandora Papers”, ou de outros processos que fazem de Portugal um país de terceiro mundo, onde a responsabilidade política no governo de instituições bancárias, como a Caixa Geral de Depósitos, foi durante anos a fio um instrumento do tráfico de influências políticas, o lugar onde o Estado português se deixou manobrar em nome de uma rede de privilegiados sem honra ou sentimentos de dever público.

É verdade que a imprensa portuguesa está moribunda e aprisionada; falta-lhe o investimento publicitário e, pior que tudo, leitores. Cada dia que morre um velho é menos um jornal que se vende. E, como sabemos, todos os dias morrem velhos. Cavaco Silva sabe que a Google, o Facebook, a Amazon e a Apple tomaram conta do mercado que ninguém regula nem tem ferramentas para regular. Por último: Cavaco Silva não fica na História só por ter deixado censurar uma obra literária do nosso Nobel da Literatura; fica acima de tudo por ter negado uma pensão ao capitão de Abril, Salgueiro Maia, quando pouco tempo depois não negou o mesmo pedido a dois antigos inspectores da extinta PIDE. 20 anos depois, Cavaco Silva redimiu-se com uma homenagem ao homem que partiu de Santarem com as suas tropas para libertar Portugal de um regime fascista mas foi pior a emenda que o soneto: Salgueiro Maia já tinha morrido. JAE.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Tomar é a cidade mais bonita da nossa região

Tomar é a cidade mais bela e bem frequentada da nossa região. Passei lá uma boa parte do dia de domingo a trabalhar e a viver as emoções da noite eleitoral.


No dia das últimas eleições autárquicas escolhi Tomar para acompanhar os resultados das eleições autárquicas. Fui a meio da tarde para ir aos figos e para visitar, ainda com a luz do dia a fazer o pino, a cidade e os seus recantos.

Tomar é a cidade onde todos gostávamos de viver ou de ter uma casa. Não é só a cidade que tem um encanto templário: à volta de Tomar há uma albufeira que faz toda a diferença com mil lugares de veraneio, de lazer e de excelência para passar o dia, o fim-de-semana ou até o resto da vida.

Tomar é a única cidade da região onde os restaurantes de qualidade se espalham pelas ruas da cidade, com as suas esplanadas, e os turistas, que não são os mesmos do Santuário de Fátima, se sentam com os olhos brilhantes de quem vê em cada estrela um milagre.

Já almocei e jantei na grande maioria dos restaurantes mas no domingo entrei pela primeira vez no espaço da sede da Nabantina onde o serviço foi demorado mas atencioso. Embora na cidade houvesse muitos restaurantes abertos, apesar de ser domingo, vi entrar e sair muitos clientes que não tiveram lugar apesar do espaço ter quatro salas, algumas delas bem espaçosas.

Sou de uma terra com metade das casas a cair, de costas voltadas para o Tejo, quase sem restaurantes, onde vivem cada vez menos almas e o que sobra são igrejas embora estejam quase sempre de portas fechadas como acontece com a mais bonita de todos situada no miradoiro de Igreja de Nossa Senhora do Pranto. Tomar tem mais vida na Rua da Corredoura, a um domingo ao fim da tarde, que a Chamusca durante toda a semana em todas as ruas.

Nos últimos anos tenho vivido mais em Lisboa e em Santarém do que na Chamusca ou em Tomar ou em Alhandra, onde também gosto de sentir a vida a passar. No domingo percebi melhor a importância de morarmos numa cidade com identidade, que não a grande Lisboa, onde nos perdemos; nem a Chamusca ou Santarém, onde todos olham para os nossos sapatos e vêem as solas rotas quando não se dá o caso de as verem forradas a ouro.

Há muito tempo que não ajudava a coordenar um trabalho em noite de eleições; há muito tempo que não saía à rua em trabalho, com o fato de repórter, e escrevia em cima do joelho e directamente no telemóvel, que é hoje a grande ferramenta de um jornalista. Não esqueci, entretanto, como se trabalha na rua, mas percebi melhor que agora é muito mais fácil mostrar trabalho do que antigamente. Tudo acontece muito mais rapidamente e à frente do nosso nariz. No domingo consegui trabalhar até às três da manhã em toda a área de abrangência de O MIRANTE, a partir de Tomar e de Abrantes, sabendo que éramos duas dezenas de profissionais a fazerem o melhor que sabem, que é o jornalismo de proximidade.

Este texto tem alguns dias no computador, quase tantos como os que já lá vão depois das eleições. A esta distância vale a pena acrescentar à crónica que soube de muitas candidaturas, de todos os partidos, que não saíram à rua para fazerem campanha eleitoral. Há pessoas em que os partidos confiam que acham que ganham eleições sem baterem às portas, sem saírem da sua rua ou da sua cidade ou aldeia. Percebe-se pelos resultados que houve candidatos que acharam que ganhavam eleições pelos seus lindos olhos; Daí as muitas surpresas destas eleições. Daqui a quatro anos veremos quem tem obra para mostrar e quem já começou a construir alternativas na oposição. JAE.