quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O presidente da Câmara do Porto não é tonto

Rui Moreira era contra um aeroporto na Ota como é hoje contra um aeroporto em Santarém. Os homens do Norte chamam a Lisboa a “Cidade Estado” mas quando lhes convém querem que tudo funcione melhor e o mais centralizado possível.

 

Uma viagem num avião da TAP do Porto para o Rio de Janeiro em executiva, com escala em Lisboa, ida e volta, fica cerca de 500 euros mais barata do que directamente Lisboa/Rio de Janeiro. Há outros exemplos que demonstram o quanto Portugal ainda é um país estranho a defender empresas privadas com capital público.  Se quisermos viajar para o Brasil a bom preço, comparando com a concorrência que já são as companhias aéreas brasileiras, temos que embarcar no Porto e fazer escala em Lisboa, na ida e na volta. Sei que me estou a repetir mas preciso disso para dar sentido a uma crónica que não parece fazer qualquer sentido em tempo de guerra na Europa e com a inflação em subida galopante. Vivi esta realidade ao tentar comprar uma viagem intercontinental no dia em que se soube que a senhora Alexandra Reis, actual secretária de Estado do Tesouro, recebeu meio milhão de euros de indemnização da TAP por ter resolvido mudar de vida.

Um cidadão comum nunca vai perceber as razões de uma viagem na TAP ser mais barata com escala nas duas principais cidades do país, que distam 300 quilómetros uma da outra, do que directamente para um determinado destino; assim como também nunca perceberemos como é possível um administrador da TAP receber meio milhão de euros só porque resolveu pôr-se a jeito para ir trabalhar para outra empresa pública e, mais tarde, saltar para a equipa do actual primeiro-ministro António Costa.

Rui Moreira, do cimo dos seus quase dois metros de altura, disse recentemente em Lisboa, ao lado de Carlos Moedas, que lhe dá pela cintura, que só aceita um novo aeroporto internacional em Lisboa se for construído no Montijo. Carlos Moedas disse que não dava opinião mas foi acenando com a cabeça enquanto Rui Moreira falava do alto da sua superioridade física e intelectual. Minutos depois o ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos, possesso com tudo aquilo que já tinha ouvido de João Cravinho, que não lhe agradou e fez perder a calma e algum discernimento, fez em cacos o projecto apresentado para o Montijo apontando um número de 150 mil lisboetas que iam ver a sua qualidade de vida agravada com o aumento da poluição sonora, numa altura em que os aviões já sobrevoam a cidade de Lisboa a baixa altitude contra todas as leis internacionais

 Rui Moreira, que falou pouco mas nunca gaguejou, é hoje contra a possibilidade de o novo aeroporto ser construído em Santarém como era em 2006 quando o aeroporto esteve para ser construído na Ota. Os grandes líderes do Norte chamam a Lisboa a “Cidade Estado”, agora ainda com mais força política e visibilidade pública desde que a estação de televisão regional Porto Canal começou a ganhar audiência. O que me espanta não é continuar a ver Rui Moreira contra um aeroporto internacional em Santarém, como foi em tempos contra a construção do mesmo na Ota. O que acho que ele podia já ter assumido é que o melhor lugar para a construção da nova estrutura aeroportuária para Lisboa é em Faro ou, quem sabe, em Badajoz.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Desfalque na Agromais vai ficar na história do associativismo em Portugal

Quando se soube que a Agromais tinha sido lesada num desfalque milionário falou-se em 10 milhões de euros. Os responsáveis vieram dizer que eram só dois milhões mas, entretanto, já se sabe que podem ser 4,5 milhões; e a procissão ainda vai no adro. Como é que uma cooperativa fica nas mãos de um impostor durante 12 anos, sem ser descoberto, é o que falta contar deste desfalque que vai ficar na história do associativismo em Portugal.


A ser verdade que a Agromais sofreu um desfalque de 4,5 milhões de euros nos últimos 12 anos, e que os números agora anunciados foram apurados antes de uma auditoria externa, a direcção da cooperativa só pode ter andado nas nuvens ou a ver navios. Há qualquer coisa que tem que mudar na gestão das cooperativas destes tempos. E não falo só da Agromais; falo de outras cooperativas que, como a Agromais, têm direcções que se eternizam porque depois de ganharem o poder criam uma teia de interesses que é difícil combater, e fazer frente, quando a gestão começa a ser desajustada da realidade. A blindagem que existe em várias cooperativas e associações do país faz desistir e desmotivar qualquer cidadão que queira exercer o seu direito de cidadania, nomeadamente quando é preciso mobilizar os associados na hora das eleições; a máquina eleitoral nas cooperativas e associações que defendem grandes interesses sabe como se proteger e derrubar o "inimigo".

Desde que foi conhecido o desfalque na Agromais que O MIRANTE ouviu de responsáveis associativos ligados ao sector agrícola conversas que demonstram o incómodo de uma liderança que se estendeu no tempo e que, aparentemente, era contestada mas, como quase sempre, só no silêncio dos gabinetes. É difícil entender como é que um empresário e dirigente associativo como Luís Vasconcellos e Souza se deixa enganar por um funcionário durante uma dúzia de anos. Quem conhece o presidente da Agromais sabe que é uma pessoa séria, com fortuna pessoal, uma pessoa de temperamento difícil mas incapaz de se deixar embrulhar por um espertalhão, quanto mais por um ladrão. Aparentemente parece que no melhor pano cai a nódoa. Não há outra conclusão a tirar depois do que se vem sabendo desta novela negra, que já vai em 4,5 milhões, e que bem pode chegar aos 10 milhões quando começar o trabalho dos auditores externos.  Eram estes os números que circulavam quando rebentou o escândalo, mas o que foi anunciado foram dois milhões; já vai em quase cinco. Veremos o que nos reserva o futuro.

É difícil, não encontro outro termo, aceitar que Luís Vasconcellos e Souza, assim como Jorge Neves, o seu braço-direito, tenham sido ludibriados durante uma dúzia de anos quando são pessoas formadas e experimentadas na vida, habituadas a acharem a agulha no palheiro, a nunca facilitarem em investimentos, a nunca estragarem dinheiro em obras de Santa Engrácia, a gozarem da fama e do proveito de serem forretas, não só no apoio aos parceiros locais como na hora de estabelecerem os preços dos cereais e os custos dos secadores. 

Embora o orçamento da Agromais não seja uma ridicularia, uma organização que não descobre um desfalque desta envergadura, que dura uma dúzia de anos, liderado por ladrão a solo, no meio de tanto funcionário, tantas prestações de contas anuais, só pode ser fruto de uma má organização. Não estou a pôr em dúvida a seriedade dos principais responsáveis da Agromais;  só estou a perguntar como é que é possível não haver já uma revolução na cooperativa, que foi roubada por alguém que só agora é que começa a ser conhecido, cujo estilo de vida todos ignoravam, assim como a sua vida familiar; e até o local onde morava, embora todos julgassem saber que era em Abrantes. 

Que a Agromais foi vítima de um verdadeiro artista parece que não restam dúvidas. 4,5 milhões de euros desviados em 12 anos não são cêntimos mesmo para uma organização como a Agromais. E se os números subirem para o dobro também não é por isso que a Agromais vai à falência. O mal está feito. Agora é só esperar que cada um assuma as suas responsabilidade e que a culpa não morra solteira. É mais que certo que este desfalque na Agromais vai ficar na história do associativismo em Portugal. JAE.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Uma semana de leituras e alguns desvelos

Uma semana de grandes leituras que proporciona escrever aqui sobre pessoas que admiro como é o caso de Miguel Esteves Cardoso, Lídia Jorge, Leila Slimani, Anna Lembke e Francisco Pinto Balsemão.

Há semanas em que os jornais e as revistas dão tanto trabalho que ler parece um ofício a tempo inteiro. Só quem trabalha nesta profissão percebe a necessidade de ler regularmente os principais jornais e revistas de referência.  A revista Visão da passada semana demorou duas noites a ler. Miguel Esteves Cardoso regressou em força com um novo livro e uma entrevista de ler e chorar por mais. Respigo uma resposta a uma pergunta de João Pedro George sobre a censura do poder no jornalismo, em ditadura, ou em democracia como foi o caso em 1988 na RTP. “A pessoa que censura está sempre tramada. Mesmo a curto prazo, quem censura é sempre o mau da fita, tem assim um fulgor durante dois ou três minutos. É hilariante imaginarmos aqueles desgraçados todos na comissão (da RTP) a dizer: “É melhor não tirar o episódio. Eh pá! Deixa estar, porque assim falam muito, lembra-te do que aconteceu com o Saramago.” Mas depois dizem: “Não, vamos censurar, que se lixe, pá.” Ninguém falava daquelas entrevistas e, de repente, alguém diz que aquilo é suficientemente importante para ser apagado: “Eh pá! Isto pode ser perigoso.” “Eu sou perigoso!?” É a coisa melhor que se pode chamar a alguém. Eu, perigoso? A partir desse momento uma pessoa sai à rua com outro ar. Eu sou perigoso. É melhor afastarem-se”. 

Na mesma edição da Visão vale a pena ler e recortar uma entrevista com a psiquiatra e investigadora Anna Lembke, assinada por Clara Soares, que lembra um dos problemas maiores dos nossos tempos: “ Quanto mais rica é uma nação, mais infelizes são as pessoas. A adição é o lado negro do capitalismo, que assenta na ideia do consumo sem limites”.  “Renunciar ao excesso de apelos que nos tornam vulneráveis à dependência, e convidar a dor para as nossas vidas, pode devolver-nos o contentamento e deixar-nos mais resilientes (:) aceitar  a incerteza e caminhar com os nossos medos é a via para ter pensamentos e emoções sustentadas e produzir algo novo”. 

No feed da Google a revista Máxima ofereceu-me a leitura de uma entrevista e uma sessão de fotos artísticas com a escritora Leila Slimani, uma das maiores desta nova geração de escritores sem mordaça. A conversa mostra que os grandes escritores não falam só de literatura, não falam mesmo nada nalguns casos, e noutros falam o mínimo que podem, mas gritam a favor dos direitos das minorias, contra o poder dos grandes grupos económicos que parece que não conhecem limites.

Numa estante de uma livraria li, de pé, durante quase meia hora, uma entrevista com Lídia Jorge que acabou de publicar “Misericórdia“, o seu décimo segundo romance, onde assume a voz da sua mãe à beira da morte. Sou leitor de Lídia Jorge desde “O Dia dos Prodígios”, editado em 1980. Lídia Jorge é membro do Conselho de Estado e pouca gente sabe disso; assume que aceitou para exercer a liberdade em voz alta, e para falar de política e dizer que “o poder distribui milhões para ajudar as pessoas mais pobres, mas depois fazem umas contas e quem recebe mais são os que têm mais, e os que têm menos recebem menos”. “O que quer dizer que por princípio dizem que estão a combater a pobreza, mas é falacioso: o que se combate são os pobres que vão ficando ainda mais pobres em relação aos outros”.

Resumo o efeito surpresa das leituras dos últimos dias e escrevo, por último, sobre a autobiografia de Francisco Pinto Balsemão que já vai na terceira edição. Na altura em que o livro ganhava corpo ouviu-o confessar, na varanda do cinema S. Jorge, enquanto fumávamos um cigarro, que estava com algumas dificuldades para recuperar algumas memórias, importantes para o livro, da sua longa carreira como político, jornalista e editor, devido à dispersão de alguns documentos e à incapacidade para organizar tudo como gostava para não faltar à verdade. O livro está aí, a vender-se como seria de esperar, e é um testemunho coerente com a sua importância como cidadão, mas também como uma das figuras mais importantes da sociedade portuguesa do últimos 60 anos. Curiosamente, embora seja um novato nestas andanças, alguns daqueles assuntos mais ligados ao jornalismo também me dizem respeito, e quase posso dizer que participei neles. JAE.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

As notícias não são boas

A CAP diz que a ministra da Agricultura é uma personagem literária, as cidades continuam em boa parte entregues aos técnicos, o aeroporto de Lisboa tem tudo a favor para ficar no Montijo e aumentar para o dobro a dimensão do crime que pesa sobre os lisboetas. Crónica de uma semana em que as notícias não são boas.

Nas últimas semanas insisti com um velho conhecido para trocarmos meia hora de conversa numa das cidades onde trabalho. Como não tenho motivações para andar por aí, como dantes, procuro na tertúlia saber o estado da cidade província. Está tudo na mesma como a lesma e a doença agrava-se. Falta uma política de estacionamento para o centro da cidade a partir das 19 horas que é quando os moradores precisam de estacionar o carro. Com a actual balbúrdia as casas do centro histórico não se vendem e vão continuar em ruínas; por sua vez o comércio também não se aguenta porque os habitantes são cada vez menos, até um dia acabarem e só ficarem os espaços de trabalho. A conclusão é que os políticos continuam a mandar pouco e a entregar o poder aos técnicos; as associações já trabalham pouco uma vez que também não têm público nas suas iniciativas, as casas estão a cair mas as rendas são inacessíveis,  tudo, tudo uma pescadinha de rabo na boca que nos deixa estupefactos e com vontade de olhar para o lado e dizer, como o empresário rico, dono de uma grande empresa de Torres Novas, que há 30 anos já dizia para quem o queria ouvir, que o melhor da região é a auto-estrada para Lisboa.


A verdade é que Lisboa também já viveu melhores dias. O actual presidente da câmara, Carlos Moedas, parece um pardal da rua esfomeado, com um discurso de humorista. A sua posição envergonhada sobre o futuro aeroporto é o último sinal da sua menoridade enquanto defensor dos interesses dos cidadãos de Lisboa. Por enquanto, o homem tem as costas mais largas que o Aeroporto Humberto Delgado, mas a verdade é que não se espera nada de novo da sua governação, melhor ou pelo menos igual ao que Medina deixou de herança.


Novidade novidade só as críticas da CAP à ministra da Agricultura que o seu presidente, Eduardo Oliveira e Sousa, diz ser uma mulher de outro mundo, de tal modo que quando se fala com ela, na resposta “parece que estamos a sonhar” (entrevista desta última segunda-feira ao Jornal de Negócios). É assim que a define sua excelência o Bispo dos agricultores, que em vez de falar para o Cardeal António Costa faz da ministra Maria do Céu Antunes uma personagem literária. A braços com uma vergonhosa imagem do sector, que trata a mão-de-obra estrangeira no Alentejo como se vivêssemos no tempo da escravatura, a CAP não tem propostas concretas nem peito para ir à luta. Infelizmente é só mais uma das organizações que perdeu a capacidade de lutar pela intervenção do Estado em questões urgentes para que Portugal se modernize, e deixemos de ser o país dos autarcas que compram pavilhões fantasmas e pagam à cabeça. O que se passa com as políticas da habitação, saúde, ensino e utilização dos fundos comunitários deveria ser motivo para grupos de cidadãos levarem o Governo à barra do tribunal. Mas isso seria pedir aos portugueses que se unissem e não delegassem os seus direitos nos organismos de classe que vivem do sistema, e com a mesma facilidade que os ratos entram numa casa abandonada, também se entrincheiraram na toca e fazem pela vida comendo as migalhas, só as migalhas, embora acabadas de sair do forno. JAE.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Um aeroporto em Santarém seria um acto de coragem política

Portugal continua a ser um país de muitas realidades e injustiças. Um aeroporto em Santarém seria uma sapatada na crise e no despovoamento da região centro que é aquela que mais perde população.

O Norte de Portugal sempre foi o parente pobre do país. E continua a ser. O 25 de Abril não chegou a muitas aldeias e nunca chegará porque as aldeias ficaram em ruínas, os velhos morreram e os jovens fugiram para outras paragens. Foi do Norte que emigraram grande parte dos portugueses que povoaram o Brasil e emigraram para os quatro cantos do mundo.

Era do Norte que dantes chegavam ao Ribatejo e ao Alentejo os trabalhadores sazonais que agora vêm do Paquistão e do Bangladesh.

Esta semana em passeio por Peso da Régua, onde o Douro e a paisagem são o retrato de um país rico, um patrício desabafou com alguma ironia para um jovem casal em férias de Inverno: Ah são do Ribatejo! Vocês têm dinheiro para visitar a nossa região mas nós, infelizmente, ainda não ganhamos o suficiente para visitar a vossa, e muito menos para irmos de visita a Lisboa.

Esta é a verdade nua e crua. O despovoamento do Norte deu lugar ao do Alentejo, agora acentua-se no Ribatejo, e por aí vamos sem rei nem roque entregando as quintas, as terras de cultivo, as barragens, os montes e as serras aos estrangeiros que começam a explorar o negócio do turismo.


Quando recentemente o primeiro-ministro António Costa veio à Azinhaga percorrer 500 metros de estrada para ver as 100 oliveiras para José Saramago, e associar-se ao dia do seu centenário, colei-me às costas do ministro da Cultura e do editor de José Saramago, que andaram quase sempre em amena cavaqueira. Quem achar que o editor aproveitou para vender o seu peixe ao ministro desengane-se. A conversa foi sempre a bater no ceguinho, no gajo que escreve na revista Sábado que é um escroque, no outro que vai lá a casa mas é um vendido; tudo conversa de má língua que até deu pena.

António Costa nunca foi abordado para um convite, um favorzinho, um venha lá à minha freguesia ou mande lá um dos seus ministros. Só um velho autarca reformado se posicionou a meio do percurso para ser visto, e resultou, tendo bichanado por duas vezes ao ouvido do primeiro-ministro um convite para um lançamento de um livro mas bem longe da Azinhaga.


Vim escrevendo as pequenas memórias destes últimos dias até chegar aqui, a um espaço em Lisboa onde decorreu um grande debate sobre o destino do futuro aeroporto de Lisboa. Pode ser que me engane, mas isto está tudo na mesma como a lesma. Mudanças em Portugal , que não sejam as do tempo conforme vão mudando as estações do ano, é coisa rara nos homens políticos e de ideias. Já era assim no tempo de debandada dos portugueses para as américas, e depois para os países da Europa rica, e assim vai continuar, a confiar nos políticos que, como o autarca de Caminha, acham que vivem numa redoma e ninguém os apanha nas suas habilidades e santa ignorância.  


Com um aeroporto em Santarém, que de comboio fica a 30 minutos da capital, Santarém e toda a região Centro de Portugal, ganhava a lotaria; por mais incrível que pareça, as aldeias que mais perdem população nos dias de hoje estão precisamente na região Centro, e as que mais crescem desde há muitos anos estão na Área Metropolitana de Lisboa. Se não tivermos um Governo que dê uma sapatada na crise, ou seja, na descentralização dos grandes projectos estruturantes para o país, vamos a toda a brisa para a cauda da Europa e de lá nunca mais nos levantaremos. JAE.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

21ª edição do Galardão Empresa do Ano foi mais uma afirmação do poder do tecido empresarial da região

Interagir com a comunidade da nossa região, com os leitores, com as empresas, as associações e as instituições em geral está no ADN de O MIRANTE desde a sua fundação.


Aproveitamos a 21ª edição dos prémios Galardão Empresa do Ano (esta edição tem informação suficiente sobre o assunto) para fazermos aquilo que sabemos fazer bem que é interagir com os empresários da região ribatejana e cumprirmos o nosso papel de jornalistas de proximidade num território que é, sem dúvida, o mais rico e importante do país. Sem economia não há vida social, económica e cultural. Os empresários são o motor de desenvolvimento de uma região. Por isso O MIRANTE voltou a distinguir as empresas do ano e vai organizar em breve mais iniciativas dirigidas ao sector que permitam conhecer melhor a região, os seus empresários e investidores.

Interagir com a comunidade da nossa região, com os leitores, empresas, associações e instituições em geral está no ADN de O MIRANTE desde a sua fundação. O Galardão Empresa do Ano tem idade suficiente para contarmos um pouco da sua história. A Nersant, na altura presidida por José Eduardo Carvalho apadrinhou a ideia, e Maria Salomé Rafael, que o substituiu na direcção, deu-lhe seguimento. E assim passaram 20 anos de trabalho conjunto. Entretanto a Nersant ficou pelo caminho como parceira da iniciativa. Deixamos este assunto para próximas edições.

Os parceiros da iniciativa Galardão Empresa do Ano continuam e certamente vão aumentar. A edição de aniversário de O MIRANTE, que constituiu a maior de sempre em número de páginas e de participção publicitária, é a prova da força de O MIRANTE e da sua importância na região. A postura editorial de O MIRANTE, que se assume como um jornal ao serviço da região, sem deixar de ser um jornal que faz o escrutínio dos vários poderes, não nos fragiliza, pelo contrário, ajuda-nos a fazer a diferença e a sustentar o nosso prestígio.

O MIRANTE tem um caderno de economia que quase nasceu com o jornal. Não fundámos um jornal sem ter a certeza que tínhamos empresários do nosso lado. Hoje somos o único jornal em Portugal que mantém um caderno de classificados que ainda se pode chamar assim. Os jornais nacionais que nos faziam concorrência, que em trabalho de telemarketing assediavam os nossos anunciantes dos classificados, ficaram pelo caminho, evaporaram-se, e nós continuamos, e vamos crescer se a guerra na Ucrânia não nos tramar, já que da pandemia parece que estamos quase safos.

Em tempo de guerra não se limpam espingardas. Por isso, enquanto a Rússia e a Ucrânia puserem em causa a paz mundial vamos continuar a trabalhar seguindo o velho ditado que nos ensina a ter cuidados redobrados e a não baixar os braços; muito menos deixar de investir no nosso trabalho, nas nossas relações de proximidade, no que somamos a nosso favor em 35 anos de trabalho e dedicação a um projecto editorial único em Portugal. Vamos continuar as parcerias que temos, nomeadamente, com a Impresa, dona do Expresso e da SIC, assim como continuaremos a desafiar os leitores a ajudar a escrever O MIRANTE no papel e online. JAE.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

As crises também servem para separar o trigo do joio

Enquanto houver democracia nada está perdido. As crises servem muitas vezes também para separar o trigo do joio. Uma crise não é uma guerra embora para muita gente esta ideia lhes seja conveniente.


Esta semana O MIRANTE ganhou um caso em tribunal de que daremos conta em breve. O caso envolve dívidas que o tribunal reconheceu e que os devedores acharam por bem contestar.

A vida de um jornal não se faz só de notícias e do trabalho editorial que sai dos teclados dos computadores dos jornalistas. A prova está aí para quem tiver os olhos abertos: a crise mundial está a afectar a comunicação social de todo o mundo, a fechar gráficas, a aumentar o preço do papel e dos produtos ligados à impressão de jornais de uma forma assustadora e fatal para muitos títulos. Em Portugal já fecharam, nos últimos cinco anos, mais de metade dos títulos de jornais locais, uma vez que os regionais como O MIRANTE já fecharam em crises mais recentes, e os que ainda sobrevivem podem contar-se pelos dedos de uma mão e ainda sobram dedos.


Enquanto houver democracia nada está perdido. As crises servem muitas vezes também para separar o trigo do joio. Uma crise não é uma guerra embora para muita gente esta ideia lhes seja conveniente. Esta semana comemoramos 35 anos e ao longo destas três décadas e meia vivemos muitas crises e nunca deixamos de crescer, de cimentar conhecimentos, de aprender a fazer diferente, a emendar a mão quando foi preciso. É verdade que já não imprimimos 40 mil exemplares como chegou. Mas nessa altura não havia Internet nem redes sociais. Por isso fizémos grandes campanhas de assinaturas de que ainda hoje tiramos proveito porque o jornal é conhecido e reconhecido muito para além da nossa região. Hoje, com menos de metade da tiragem dos anos dourados, chegamos ainda a mais leitores; a edição online faz com que sejamos lidos em qualquer parte do mundo e as nossas notícias sejam escrutinadas com a mesma atenção que nós escrutinamos os poderes locais e regionais. 


Esta semana, no dia após o aniversário do jornal, voltamos a prestigiar a vida empresarial da região ribatejana organizando o Galardão Empresa do Ano pela 21ª vez. Faço questão de agradecer publicamente aos patrocinadores do Galardão porque um jornal não é só uma redacção e muitos jornalistas com sangue na guelra. Por trás de uma organização empresarial, mesmo um jornal que se orgulha do serviço público que vai prestando, há uma empresa, uma administração que toma decisões, e um conjunto de parceiros que garante, com a publicidade que paga a independência que um jornal precisa para que a democracia não seja uma palavra vã e os jornalistas possam orgulhar-se de serem um dos garantes de todas as liberdades democráticas. JAE.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

O perigo de estar em forma e com vontade de trabalhar

Outra vez os nossos 35 anos de O MIRANTE, as leituras, e tudo o que aprendemos no que lemos e do exemplo que os outros nos deixaram como legado. Tal como dizia Fernando Pessoa “a literatura é a prova de que a vida não chega”.

Há muita gente que gosta de nós, diz a Joana que entrou no meu gabinete para me contar mais uma das suas importantes experiências enquanto fecha mais uma edição de O MIRANTE. De repente a história feliz dá lugar a uma outra infeliz, de alguém que, não sabendo com quem está a falar, diz que não precisa de informação, que as notícias dos jornais não lhe interessam e que os jornalistas são todos uns aldrabões.

Se até os eremitas de vez em quando gostam de descer à cidade, e os deuses zangam-se com os anjinhos que somos nós, como é que podemos querer que os jornalistas, que regra geral são os mensageiros indesejados, sejam bem aceites na comunidade?

Escrevo sobre trabalho mais uma vez, e em causa própria, na semana em que preparamos a cerimónia do Galardão Empresa do Ano e fechamos a edição de aniversário. 35 anos que passaram a correr, que deixaram muita história para quem nos leu e acompanhou ao longo dos anos, mas que a mim, em particular, até parece que foi ontem e ainda está tudo por fazer.

Experimento essa sensação de dever por cumprir a cada dia que regresso de uma longa viagem, seja física ou espiritual. Na cidade onde cheguei há cerca de um mês comprei um livro de Rosa Montero que conta uma história baseada na vida de Marie Curie, uma mulher sábia incomum que ganhou duas vezes o Prémio Nobel, da Física e da Química. Assim que comecei a ler o livro percebi que o texto me era familiar. Mas como li outros livros sobre Marie Curie da mesma autora pensei que era a minha memória que ainda estava em boa forma. No final, por um acaso, percebi que fui enganado pela capa do livro e que não era aquele título que eu andava à procura da autora de "A Louca da Casa" e "El peligro de estar cuerda", o livro que falta traduzir em português.

Foi já no final do livro, que reli no tempo de uma semana de piscinas, que percebi que aquele amor de Marie Curie pelo seu marido morto num acidente de automóvel, estava contado de uma forma que não conhecia e que é surpreendente para uma mulher com uma inteligência assombrosa, que deu a vida pela descoberta do rádio e do polónio, que deram origem à descoberta do raio-x, que haveria de começar a salvar vidas. Tanto ela como a sua filha, também cientista, acabaram por morrer prematuramente devido aos altos índices de radiação que sofreram enquanto estudavam e faziam experiências.

Mas foi o amor por Pierre Curie, seu marido e colega de ofício, que marcou a vida desta mulher extraordinária que ficou para a história pelos motivos que cito em cima. No dia em que acabei de ler o livro reli um texto sobre outra grande paixão que uniu Hannah Arendt, uma das mulheres que mais debateu os horrores do Nazismo com o filósofo Martin Heidegger, seu antigo professor e amante, mas um seguidor de Hitler e das ideias e pensamentos nazistas. Dezassete anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, depois de seis milhões de judeus assassinados, Hannah Arendt ouviu do seu antigo e apaixonado professor, a confissão de que era um homem politicamente inocente. George Steiner, o crítico literário mais influente dos nossos tempos, assinou esta frase que bem podia ser escrita no túmulo do autor de Ser e Tempo: “o maior de todos os Pensadores e o mais pequeno de todos os Homens".

Volto ao início; no dia em que festejarmos 35 anos de publicação ininterrupta, de sairmos com mais duas edições na mesma semana, e já a trabalharmos ao ritmo de um jornal diário, com actualizações no online que fazem de nós um jornal de referência, vamos voltar a mudar de gráfica, teremos de volta o sítio que nos piratearam no início de 2022, e a equipa reforçada tanto a nível editorial como comercial. No resto vamos seguindo o conselho do antigo e saudoso jornalista Alberto Dines: "procura fazer o melhor jornal que puderes; se achas que já fizeste está na hora de mudar". JAE.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

35 anos de O MIRANTE e a política de assinaturas

No dia seguinte ao 35º aniversário de O MIRANTE vamos iniciar uma campanha de angariação de assinantes para o jornal online que vai fazer toda a diferença. O facto de trabalharmos num sítio aberto não impede que não comecemos a privilegiar os assinantes.


O MIRANTE festeja 35 anos a 16 de Novembro e no dia 6 de Janeiro faz um ano que está a trabalhar em cima de um sítio provisório devido a um ataque informático que fez história, já que atingiu o Expresso e a SIC em cuja plataforma estamos alojados numa parceria com a Impresa que já dura há quase duas décadas.

Apesar das condições precárias em que temos trabalhado online ganhamos leitores e tivemos um aumento de páginas vistas na ordem dos 50% em relação ao ano anterior.

Este ano não cantamos os parabéns pelas razões evidentes mas vamos aproveitar o facto de sermos líderes na informação regional para assumirmos, ainda com mais determinação, o trabalho de produzirmos informação de proximidade, que prestigia e dá visibilidade nacional e internacional às iniciativas da região ribatejana, assim como aos seus protagonistas, entre os quais se contam em maior número os políticos, empresários e dirigentes associativos.

No dia seguinte ao aniversário vamos iniciar uma campanha de angariação de assinantes para o jornal online que vai fazer toda a diferença. O facto de trabalharmos num sítio aberto não impede que não comecemos a privilegiar os assinantes de forma a que sejam os primeiros a ler as nossas notícias, sempre alguns dias antes de serem publicadas na íntegra para todos os que escolhem o nosso sítio para se informarem sobre as notícias na região. Desde a sua fundação que a política de assinaturas de O MIRANTE foi sempre a de preços baixos. É assim que vamos continuar na nova era da Internet, proporcionando a leitura do jornal online a preços baixos de forma a mantermos a coerência da nossa política de assinaturas. E sempre que possível manteremos o sítio aberto a todos os leitores, estejam onde estiverem, no Ribatejo ou no fim do mundo, desde que tenham interesse pelas nossas notícias.


Escrevo esta crónica ainda a viajar com livros debaixo do braço numa altura em que os livros já pesam mais do que a roupa que trouxe na mala. Se estivesse a passar férias em Paris, Estocolmo ou Madrid a coisa resolvia-se mais facilmente porque a oferta é muito menor. Viajar para o outro lado do oceano, onde a literatura em língua portuguesa, incluindo a estrangeira traduzida, tem uma força incomensuravelmente maior que em Portugal, é um cabo dos trabalhos. E quanto mais velhos vamos ficando mais sentimos a urgência de ler os livros adiados, os autores que temos como referência, mas cuja obra só conhecemos em parte. Há cerca de um mês que em vez de fazer piscina ou fazer quilómetros à beira da praia na minha moto, passo os dias a ler nas livrarias e nas bibliotecas, algumas vezes na praia porque um homem não é de ferro. Ainda não parti e já penso em voltar. Abençoados livros que são o melhor pretexto para viajar sem o sentimento de culpa por deixar o trabalho mais pesado para os mais novos. JAE.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Os dias mais leves que os livros debaixo do braço

Fiquei tão desiludido com os políticos que herdaram o país de Salazar e Marcelo, que não me contentei em fazer parte da tribo. Desde cedo percebi que ou era igual a eles e pensava como eles, ou acabava a brigar por tudo e por nada, como aconteceu a muitos que ficaram pelo caminho por não aceitarem dobrar a espinha.


Nunca li Friedrich Engels, Karl Marx , Lenine e mesmo Churchill, e outros políticos famosos mais recentes só os conheço de filmes ou documentários. Tenho apreço pela política, mas não tenho apreço suficiente pelos políticos para trocar os meus autores poetas, romancistas e aventureiros preferidos, pela vida chata e às vezes medíocre dos políticos.

Cresci no tempo da ditadura salazarista a trabalhar atrás de um balcão de uma taberna e de uma cervejaria, e fui um rapaz de confiança de muitos cidadãos do contra, que se reuniam quase diariamente à volta de uma mesa a discutir a situação política do país. Com 13 anos já era obrigado a jurar que não ia contar nada do que ouvia; estes avisos serviram para apurar a curiosidade, e hoje posso dizer que embora não fosse um adolescente politizado, sempre fui bem informado; aprendi a guardar segredos; ainda rapaz percebi que merecia a confiança dos homens em assuntos que podiam pôr em risco a sua vida e a das suas famílias. E desde o primeiro dia em que fui avisado para tapar os ouvidos, até ao dia em que comecei a ser desafiado a dar opinião, passaram muitos poucos meses.  Talvez por isso, muitos anos mais tarde, quando senti que já tinha o diploma da universidade da vida, fiz-me jornalista. Fiquei tão desiludido com os políticos que herdaram o país de Salazar e Marcelo, que não me contentei em fazer parte da tribo. Desde cedo percebi que ou era igual a eles e pensava como eles, ou acabava a brigar por tudo e por nada, como aconteceu a muitos que ficaram pelo caminho por não aceitarem dobrar a espinha. Sempre fui um rapaz do associativismo e da política, e para continuar a ser útil à minha terra tinha que encetar um projecto pessoal numa outra actividade que servisse a comunidade, e onde não se pudesse ser trafulha, ter duas caras, faltar ao prometido, roubar o cidadão, enganá-lo na sua santa inocência, viver à custa do Estado, enfim, ser o palhaço que são muitos dos políticos que nos governam no Terreiro do Paço mas também em muitas autarquias.

Recentemente contamos neste jornal a história de uma senhora de Tomar que quase ficou maluca às mãos de um director de hotel. As televisões apanharam a história do jornal e convidaram a senhora a contar o seu drama em directo, naqueles programas em que até as pedras choram. Lu, foi assim que a identificamos, aceitou contar a sua história, mas recusou dar a cara porque o meio é pequeno e tinha medo de nunca mais arranjar emprego. Vai daí, todas as televisões esqueceram o assunto. Conclusão: se um cidadão injustiçado não aceita dar espectáculo, tanto faz que tenha sido violado como comido com alho e azeite. Este país das televisões não é diferente do país dos políticos gatunos e analfabetos, que não honram a revolução do 25 de Abril.


Estou a viajar com livros debaixo do braço mas o que fica na memória todos os dias são as lições da viagem. Nos últimos dias não tive luz suficiente no quarto para ler, durmo com as galinhas e de barriga cheia de vento; fui recebido numa pousada com areia nos olhos depois de fazer caminhos abertos pelas chuvas e pela força das ondas do mar. Sou leitor de O MIRANTE diariamente, mas só tenho Internet quando Deus quer.

Escrevo no telemóvel o diário da viagem e isso basta-me para me consolar do despojamento a que sou obrigado. Os últimos dias ficaram mais leves que os livros debaixo do braço. Ainda estou a meio do caminho mas já vejo que o caminho tem um fim. Esta é a parte mais marcante da viagem. Não é no meio que está a virtude; no começo e no final é que se avaliam todos os merecimentos. JAE.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Lula vai ganhar

 O Brasil está a ferro e fogo até domingo, dia de escolher entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro para presidente. Esta é a crónica de quem acompanhou a campanha eleitoral nestas últimas semanas, em lugares diferentes do Brasil, numa posição privilegiada que não a de jornalista a trabalhar mas de jornalista a viajar.


“Lula vai ganhar. Escreve uma crónica. Lula vai ganhar. O Brasil não pode perder esta oportunidade”. Eis a conversa que melhor espelha a minha estadia no nordeste do Brasil nos últimos dias de campanha para as presidenciais brasileiras que se decidem no próximo domingo. Mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar vão retornar às urnas eletrônicas para escolher entre os candidatos Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), quem deverá ser o presidente da República nos próximos quatro anos.


Em Peroba, Três Picos e Redonda, lugares da região cearense de Icapuí, que não fazem parte do mapa turístico da elite que viaja para o Brasil, passei os últimos dias a ver como Lula da Silva domina no meio do eleitorado nordestino. Em cinco dias que viajei por estes lugares não vi um único carro com a bandeira ou a foto de Bolsonaro. Aqui só dá Lula. A ansiedade que já tinha observado no povo paulista que encontrei há quase duas semanas em Paraty, no meio do povo caiçara, não é diferente daquela que vim encontrar a cinco dias das eleições no meio do povo cearense, na região que quase faz fronteira com o Rio Grande do Norte.


Hoje almocei em casa de uma das maiores figuras da literatura brasileira que trocou o Rio do Janeiro, e depois Fortaleza, por Icapuí, e aqui construiu a sua casa e um pequeno chalé para os amigos. Há dias que percorro a região à procura de peixe frito para o almoço que não seja cavala. A região litoral tem muita lagosta mas a verdade é que até o mar em tempo de campanha eleitoral parece um abrigo seguro para o peixe que não cai nas redes, aparentemente só até domingo quando se souber se Lula da Silva perde ou ganha contra Bolsonaro, o homem que, dizem, pode levar o Brasil para os tempos da idade média.


O ambiente que vim encontrar em Peroba não é diferente daquele que encontrei no Rio de Janeiro no início da passada semana depois do regresso de Parati. Dos dois lados da barricada só se diz: “como é que nós vamos suportar esta ansiedade até ao dia das eleições? O Brasil não pode perder esta oportunidade”, diz-se no Boteco da Xavier da Silveira, em Copacabana, mas também na livraria da Travessa, no Leblon.


Na Barraca do Pôr do Sol, da Juju, em Redonda, ou no restaurante do Senhor Nilson, em Três Picos, ou na Pousada Estrelinha, em Peroba, a coisa pia mais fino. O melhor exemplo nem é o autocolante de Lula nas mangas da camisa da maioria dos cearenses; é a camiseta de Che Guevara no tronco dos homens mais jovens que não fazem a coisa por menos: esta luta é a do guerrilheiro contra todo o capitalismo, pode-se concluir, embora a figura de Che nas camisetas pareça mais a imagem de Humphrey Bogart.


Ao longo destas últimas três semanas nunca ouvi uma discussão política entre cidadãos que passasse das marcas. O povo, aquele que tem a ganhar com o resultado destas eleições, vença quem vencer, está espelhado na conversa com Joãozinho, um pescador de Peroba, que vi partir para o meio do mar num fim de tarde, em cima de uma jangada com dois metros, e uma vela azul da cor da água do mar quente do ceará.


Vi carregar a jangada de redes e de mil apetrechos para a pesca, e não consegui perceber como é que uma criatura com 60 anos, o corpo dobrado, as mãos e os pés cheios das marcas do trabalho, se faz assim ao mar em cima de uma tábua, para ficar por lá 24 horas, sem tamanho para ser visto por Deus que vigia tudo por cima das nuvens. Aquela entrada no mar em cima da jangada velha, como um atleta de vela de alta competição, e o tempo que fiquei a vê-lo desaparecer no horizonte, é uma imagem que nunca mais vou esquecer, mesmo que Lula perca as eleições e o povo do nordeste brasileiro tenha que continuar a viver no país mais rico do mundo sujeito a uma pobreza que comove, revolta, e tem um culpado bem identificado que é a divisão de classes, e o atraso civilizacional que atravessa todo este território, que pode ser considerado um continente, que os portugueses descobriram e ajudaram a colonizar, mas do qual não são responsáveis há mais de duzentos anos. Laurentino Gomes, o historiador da moda no Brasil, que tem vendido milhões de livros a explicar a colonização, é bem claro quando escreve que foram os portugueses que não permitiram que o território brasileiro fosse hoje um conjunto de países, e sim uma grande nação com regiões diferentes, mas unidas em volta de uma bandeira. O mesmo espírito podemos encontrar nos romances históricos de Ana Miranda, a maior e a melhor romancista brasileira da actualidade, certamente a escritora brasileira que melhor retrata Portugal e os portugueses no Brasil antes da independência, em romances como “O Retrato do Rei” mas também em biografias como “Musa Praguejadora”, que conta a vida de Boca do Inferno, como ficou conhecido o poeta baiano Gregório de Matos, e que é também titulo de um livro que fez da escritora cearense, há mais de trinta anos, a mais destacada entre os seus pares.


No dia das eleições vou estar no olho do furacão como se diz por aqui. Certamente longe do tumulto que vai acontecer nas ruas do Rio de Janeiro ou de S. Paulo. Já sei até onde vou assistir a tudo, a exemplo de quando viajo para o Brasil e dou com manifestações carnavalescas; dentro de um hotel, à varanda, entre a piscina e a espreguiçadeira, lendo um livro e escrevendo à família.


JAE

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Estamos sempre a pisar o mesmo chão

Qualquer erva daninha pode ser ponto de partida para falarmos de grandes e variadas plantações, assim como uma viagem pode ser razão para falarmos da infância, de livros e de promessas de amor eterno.


Quando era menino o meu lugar de brincadeira era na chamada Rua da Formiga, que pegava com a Travessa do Porto do Carvão, na Chamusca, onde a minha avó Ilda morava.  Foi na sua casa que aprendi quase tudo até uma certa idade. Foi ela que me guiou bem cedo na vida e desenhou na terra os carreiros que eu devia seguir para chegar à estrada, e da estrada à porta da minha futura casa.

Com dois ou três amigos de infância, de vez em quando saíamos da Rua da Formiga para o Porto das Mulheres, e daí andava mais meio milhar de metros para dentro do campo, junto à maracha, para lá da barraca do Joaquim Rato, que era guarda do campo.

Todas as propriedades tinham mais ou menos os mesmos marcos de hoje, com a diferença de que eram todas divididas por sebes; a cada 30 metros que avançávamos no terreno parecia que deixávamos para trás três quilómetros de estrada. Estas caminhadas e esses medos, sentidos e vividos por terras do campo, eram menos perigosos que, por exemplo, tomar banho no rio, subir os choupos só para fazer músculo, andar de jangada nas alturas de cheia e, muitas vezes, roubar laranjas para comer porque os donos das propriedades não eram de modas.

 Hoje tenho de empréstimo uns metros quadrados de terra junto ao Tejo que incluem, se bem me lembro, o terreno onde o Joaquim Rato vivia. Já fiz aquele caminho milhares de vezes nos últimos vinte anos, e nunca paro de me perguntar do que é que eu tinha medo nessa altura. Sinto que é ali que vou acabar os meus dias (ou parte deles, porque eu tenho sangue de índio), desafiando os deuses a devolverem-me em dobro o prazer de entrar nas águas do rio, voltar a dormir no chão e continuar a explorar a maracha onde se escondem as cobras mas também os jovens amantes.


Estou a escrever, viajando com livros debaixo do braço, do outro lado do Atlântico, onde faz ainda mais sentido todas estas recordações e promessas de amor eterno aos lugares da infância. Mas há outros lugares no mundo tão parecidos com aqueles que recordamos, que é tão fácil mudar de lugar e aquietar o espírito como mudar de camisa quando a roupa fica com cheiro de suor. É isso que sinto neste momento. A nossa terra, assim como a nossa família, vai connosco para o fim do mundo, e só depende de nós fazer com que terra e família sejam sempre a parte mais importante na hora de desafiar os medos. Curiosamente vou a caminho de um lugar onde tudo é mar e floresta, e onde também há maracha, rios e cobras, e vive uma escritora que escreveu no livro que viaja debaixo do meu braço, que “a mentira almoça mas não janta”, “uma palavra que não pode ser dita não é completa”, “a vida de um cego não é a escuridão que as pessoas imaginam”, e que é “mais difícil ressuscitar um morto que tolo curar de sua tolice”. A autora chama-se Ana Miranda, o livro Amrik, e o encontro está prometido perto da sua chácara, debaixo de um bacumixá, onde o padre Simeão, do seu livro Semíramis, avisa que “o ressentimento é um veneno que você toma e fica esperando o outro morrer”. JAE.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Os nossos governantes são filhos e netos do 25 de Abril mas não parece

Juan Arias, Paulo Coelho, J.D Salinger, Santa Rita de Cássia e Maria Madalena, são as companhias do cronista em viagem que no lugar onde muitos vêem televisão gosta de ter uma estante com livros.


Estou a viajar com livros; que ninguém tenha pena de mim se entretanto ficar pelo caminho; sou dos que tem uma estante de livros onde muitos têm uma televisão ligada à desgraça do mundo em que vivemos, e que as televisões ampliam para poderem facturar e ganhar poder.

Nestes tempos de guerra e de pandemia, de política cada vez mais ao nível dos tempos inesquecíveis de Alves dos Reis e de Salazar, cada ser humano devia ter uma estante com livros no lugar onde tem uma televisão. Não tenho pena das pessoas que passam o dia pregadas a ver as desgraças na CMTV mas como jornalista tenho obrigação de falar do assunto para que os mais avisados não se deixem cair no logro e tomem conta da sua saúde mental.

Estou a viajar com livros; dois deles são de Juan Arias, um jornalista e escritor que admiro e por quem tenho amizade; um dos livros é de entrevistas a Paulo Coelho, onde o escritor mais lido em língua portuguesa e, dizem um dos mais lidos no mundo, assume que foi uma das suas muitas mulheres, Christina, que fez dele escritor ao incentivá-lo a viajar e a conhecer pessoas e territórios. Para quem gosta de calhandrar a vida dos famosos esta série de entrevistas que Juan Arias juntou num livro constituem uma biografia de Paulo Coelho onde ficamos a conhecer aquilo que normalmente não se conta se não for em resposta a perguntas de um jornalista.

Noutro livro de Juan Arias, “Rita, a Santa do Impossível”, ficamos a saber que uma das lendas em torno de Rita “surge quando da sua entrada para o Convento de Cássia. As monjas, para porem à prova a sua humildade e obediência, obrigaram-na a regar todo o dia uma planta seca. Rita, mesmo sabendo que era inútil, por obediência, continuava regando-a pontualmente. Daí nasceu a lenda do milagre: a planta acabou renascendo como fruto milagroso da sua obediência”. Há um terceiro livro sobre o qual já escrevi nesta coluna, que se deve a um trabalho de pesquisa do autor sobre “o segredo mais bem guardado da Igreja que são as relações entre Jesus e Maria Madalena, livro que defende a ideia gnóstica da mulher, que ficou a dever o seu nome à terra onde nasceu que era a de que “a salvação se conquista mais pelo caminho da iluminação que pelo das renúncias ou das acções externas de Deus.”

Ando a viajar com a cabeça cheia dos livros que tenho nas estantes de uma casa algures no Ribatejo. Trouxe um para a viagem e agora vou comprando outros, embora acredite que quando chegamos a uma certa idade estamos sempre a comprar e a ler o mesmo livro.

Sempre que viajo para fora faço algumas caminhadas para dentro. Numa dessas voltinhas às estantes encontrei J.D. Salinger, autor de um livro famoso que li há muitos anos sem deixar rasto durante a leitura, como é meu hábito. Vou finalmente atrás do prejuízo e reler aquilo que já li e não guardo memória. É disto que se vive quando ficamos cansados da nossa triste realidade; quando ficamos cheios de vento e julgávamos que era sabedoria; quando vivemos uma vida rendidos aos mistérios das coisas e um dia reparamos que não há mistério nenhum quando mergulhamos no rio ou no mar, quando comemos figos da árvore à beira da estrada, quando viajamos sozinhos e deixamos a pele pelo caminho para voltarmos ao lugar de partida e voltarmos a viver outra vez (de) todas as ilusões.

Acabo como comecei; vivemos num país onde a maioria dos governantes são filhos do 25 de Abril, mas governam o país como se fossem filhos e netos de Salazar; a educação, a cidadania, a justiça, o investimento no combate à corrupção na máquina do Estado são fruto de políticas pobres, ao jeitinho de quem governa uma televisão que para conquistar audiências tem que estar sempre ligada à desgraça e ao crime. JAE

Nota: Juan Arias vive no Brasil há mais de duas dezenas de anos depois de uma vida de jornalista em Espanha e também durante 14 anos em Itália onde acompanhou uma centena de viagens dos Papas Paulo VI e João Paulo II. O seu melhor livro é de crónicas onde conta que o melhor lugar do mundo para fazer turismo é o Norte de Portugal, onde os turistas que se perdem nas aldeias são convidados pelos residentes a entrarem nas suas casas e a provarem a comida caseira do almoço ou do jantar. A maior parte dos seus livros são publicados pela editora Objectiva.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Todos os bons samaritanos são ribatejanos

As más notícias que chegam de Fátima; as conversas com empresários numa semana em que editamos as 500 maiores empresas do distrito de Santarém; o trono onde se sentam os deputados que fogem ao combate político e os que comem à mesma mesa com eles.

Há um ditado popular que diz quanto mais nos agachamos mais se vê o cu. Lembrei-me do provérbio depois de ouvir recentemente alguns empresários da região a queixarem-se que vão à Fersant, no CNEMA, gastar o dinheiro que não têm numa feira onde não vendem, pagam para não vender e ainda perdem o seu tempo. Tudo porque a actual direcção da Nersant vive ainda do prestígio e do respeito dos antigos líderes e, valha a verdade, do tempo em que se trabalhava o dobro, embora para resolver os mesmos problemas de sempre, que é querer tirar ouro de uma mina onde só há carvão. 

As iniciativas que não são notícia não existem. Não se estranha por isso que o CNEMA vá perdendo público e expositores nas suas feiras anuais, como aconteceu recentemente com a Lusoflora, que ficou sem público mais uma vez, longe do grande certame que já foi noutros tempos. 

Não admira que o novo presidente da Região de Turismo do Ribatejo e Alentejo, Victor Fernandez Silva, citado numa notícia que fez manchete na última edição de O MIRANTE, parta a loiça e diga que o Ribatejo é o parente pobre de todas as regiões portuguesas ao nível da promoção turística. Sabemos isso desde o início, mas poucos têm a coragem de o denunciar. Até nestas questões, que se metem pelos olhos adentro, os nossos deputados são todos uns "mouras" mais preocupados com assuntos e interesses pessoais do que com a defesa da região. Quem engolir o sapo que se defenda, pois é isso mesmo que estamos a precisar: de gente ofendida que venha clamar pela inocência para o povo ver e perceber do que é que eles são inocentes.

As notícias que chegam do concelho de Ourém são de bradar aos céus. Em Fátima há uma negociata à volta da casa mortuária que devia encher de vergonha os autarcas da freguesia. É dificil acreditar que na freguesia onde reina uma das santas mais conhecidas em todo o mundo haja um político que nos quer fazer passar por parvos e consiga continuar como presidente da junta com a solidariedade de todos os seus camaradas. O que segura no poder o actual presidente da junta, Humberto Silva e a solidariedade à sua volta, só pode ser com a bênção do Diabo. Nossa Senhora de Fátima certamente que não está metida neste negócio que, embora viva daqueles que se calaram para sempre, ainda vai dar muito que falar.

Como vem aí o Outono, tempo para provar o vinho novo, deixo aqui um recado para os responsáveis pela promoção dos vinhos do Tejo que, na minha opinião, deviam continuar a denominar-se Ribatejo, que é a nossa marca e há-de continuar a ser se queremos ter futuro. O actual presidente da CVR Tejo faz menos pela promoção da marca dos nossos vinhos do que os alentejanos pela promoção do Ribatejo. Não é preciso nenhum juiz para julgar o trabalho ordinário do senhor Luís Castro; basta visitar as lojas onde se vendem os melhores vinhos portugueses e ficamos a saber tudo. Promoção de marca é coisa que esta gente acha que se consegue por ser militante do CDS ou do PS e não a trabalhar com os agentes locais, nacionais e internacionais.

Não acabo a crónica desta semana sem perguntar aos deputados do PS o que é que andam a fazer no trabalho; quando é que dão a cara e fazem um balanço dos recados que levam da região para o Terreiro do Paço; quando é que deixam de ser cabeçudos e se põem do lado do Ribatejo, dos que os elegeram e, acima de tudo, do lado do combate político em favor das pessoas e das instituições. Pergunto pelos deputados do PS mas já agora chamo também à liça os do PSD. Estão aí desse lado? JAE.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A “paixão política” na semana em que Francisco Moita Flores voltou ao escrutínio do tribunal

A “paixão política” de Alexandra Leitão, Moita Flores e Paulo Queimado na semana em que o ex-presidente da Câmara de Santarém voltou a ter o tribunal à perna, desta vez a seu favor, o que não vai impedir que o escrutínio dos seus dez anos de autarca em Santarém continue na justiça. 


A política sem paixão é uma chatice. Roubo a ideia, embora não a frase, a Alexandra Leitão (ministra do penúltimo Governo de António Costa), actual presidente da Comissão Parlamentar para a Transparência e última cabeça-de-lista pelo PS no distrito de Santarém. O facto de Alexandra Leitão ter sido excluída do actual Governo, numa decisão política que surpreendeu muita gente, criou orfandade no distrito já que Alexandra Leitão está a ocupar um lugar na Assembleia da República que, em princípio, estava  destinado a um político da região.

“A política técnica, em que se defende isto como se poderia defender aquilo, sem levantar a voz, nem dizer nada fora do sítio, isso não é para mim. A maior parte das pessoas até pode achar que fui excessiva, mas pelo menos vê paixão. Houve momentos em que me beneficiou, como na história dos colégios amarelos, outros em que me prejudicou”, diz ainda Alexandra Leitão numa entrevista ao Expresso da edição de 28 de Agosto.

Interessa-me a boleia que a ex-ministra me dá para falar aqui de paixão política que é aquilo que não vemos na maioria dos políticos locais, uma boa parte deles rendidos a uma pobreza franciscana que mete dó. Os partidos deviam obrigar os seus autarcas a justificar as suas aldrabices, assim como os deputados deviam dar contas públicas dos negócios pessoais que andam a fazer enquanto negociam as políticas do país com os directores gerais da administração do Estado.

Interessa-me, e dá-me algum gozo, ouvir alguns políticos comentarem a forma desabrida como às vezes O MIRANTE escreve sobre o trabalho do presidente da Câmara da Chamusca, Paulo Queimado. A maioria fala do assunto como se o jornal tivesse feito deste político socialista um Sancho Pança, embora menos gordinho e sem espada nem chapéu. De verdade Paulo Queimado gere um concelho que está quase miserável, onde os preços das casas baixaram para metade do que se pratica na Golegã, uma vila que fica a cinco quilómetros e apenas serve de exemplo. Paulo Queimado é visto no meio político como um pobre coitado, mas a verdade é que lhe deram a presidência de uma associação de municípios, com os resultados que se conhecem. É aqui que eu queria chegar; se houvesse paixão na política Paulo Queimado já tinha levado um puxão de orelhas dos responsáveis pelo Partido Socialista e ou se emendava ou tinha que andar pela Chamusca com as orelhas no chão. 

Esta semana nas várias conversas sobre o futuro aeroporto de Lisboa, e a possibilidade de vir para o concelho de Santarém, ouvi dois ou três comentários que me desagradaram. Todos relativamente aos escritos que de vez em quando trazem a lume a gestão autárquica de Paulo Queimado e, ultimamente, a do presidente da assembleia municipal, Joaquim José Garrido, que anda a facturar à grande e à francesa com a autarquia onde é a figura política com mais representatividade.

Falo do assunto na semana em que Francisco Moita Flores foi absolvido em tribunal da acusação de prevaricação e de participação económica em negócio. No acórdão lido no dia 14 de Setembro no Tribunal de Santarém pela presidente do colectivo de juízes, Francisco Moita Flores foi absolvido por não ter ficado provado durante o julgamento que teve intenção de beneficiar a empresa que realizou as obras e de prejudicar o município. 

A verdade é que a presidente do colectivo de juízes, Raquel Rolo, apontou a forma negligente como o município conduziu o processo de contestação da acção administrativa interposta por uma empresa para ser ressarcida das obras realizadas, reivindicando um valor de perto de dois milhões de euros, a qual a autarquia perdeu por ausência de contestação. 

A paixão política de Francisco Moita Flores, que durou cerca de dez anos em Santarém, está a ser escrutinada em tribunal e pelo que parece vai continuar a ser nos próximos anos. É um triste fim político de uma figura do comentário televisivo e da literatura, que demonstrou pouco jeitinho para defender aquilo que tanto criticou e ainda critica na praça pública com as suas palavras melosas mais o seu feitizinho odiento e vingativo. JAE.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Santarém podia estar para Lisboa como Braga para o Porto

O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, terá guardado o segredo do projecto do novo aeroporto para a região de Santarém durante os últimos anos para não espantar a caça. Se é verdade, o projecto não pode estar tão atrasado assim que não ultrapasse facilmente a solução do Montijo.

Li algures que a um Homem basta ler e reler durante a sua vida dez bons livros e a sua cultura geral pode não ficar a dever muito a quem lê cem ou mil. Se é verdade, quero crer que não, para mim descobrir livros é como descobrir viagens e concretizá-las. Um desses livros era de Sándor Márai, o autor de “As velas ardem até ao fim” e “De verdade”, o livro que me ocupou os últimos dias de leitura. Assim como a releitura de "Vidas Escritas", de Javier Marías, que morreu recentemente e era um escritor de culto.

Santarém podia estar para Lisboa como Braga está para o Porto. Não sei se a frase é minha se a roubei a alguém mais avisado do que eu. A verdade é que voltei a lembrar-me dela agora que se começou a discutir a hipótese de Santarém ter um aeroporto internacional. Acredito que é possível, mas noventa por cento das pessoas com quem falo regularmente dizem que já viram este filme. O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, terá guardado o segredo deste projecto durante os últimos anos para não espantar a caça. Se é verdade, o projecto não pode estar tão atrasado assim que não ultrapasse facilmente a solução do Montijo que é, certamente, aquela que reúne mais lobby capitalista e a que afundará ainda mais a Área Metropolitana de Lisboa na relação com o território de proximidade, que é a região do Ribatejo, onde há desertificação por mais incrível que pareça.

Quase meio século depois do 25 de Abril as grandes reformas da sociedade portuguesa, nascida com a Revolução dos Cravos, patinam nas instituições do Estado que não conseguem combater os lobbies instalados que sobrevivem do antigo regime. A verdade é que todos escrutinamos os ministros, mas esquecemos que quem manda são os tipos de família que ocupam os lugares de directores-gerais das grandes instituições que distribuem o dinheiro e influenciam as leis. Um Ministro manda zero contra um director-geral ou um presidente de um instituto que tenha as costas quentes e resolva influenciar as decisões de um membro do Governo. O primeiro-ministro é um verbo de encher em 90% das políticas para a gestão do país e para a reforma das mentalidades dos funcionários públicos que, na maioria dos casos, também são “inocentes” porque não têm condições de trabalho.

Por último: a corrupção no seio dos partidos políticos, de que José Sócrates é o grande protagonista, deveria obrigar os novos chefes de Governo a criar uma lei anti-máfia que nunca mais permitisse casos como os do BES, Submarinos, Monte Branco, entre outros. Quem tem credenciais, lutou contra o antigo regime e não vive do Sistema, devia fazer parte dessa comissão. Portugal é um país do tamanho de uma ervilha ao lado de outros onde a organização do Estado é mil vezes mais eficaz com ou sem pandemia e guerra na Ucrânia. JAE.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

"Onde" um livro que é uma viagem por Abrantes, Sardoal e Constância

"Onde” é o novo livro de José Luís Peixoto, um escritor que ama a sua terra e o seu país. Natural e residente em Galveias, concelho de Ponte de Sor, José Luís Peixoto tem uma proximidade com o território do Médio Tejo que o faz viajar por Abrantes, Sardoal e Constância como quem pisa terra dos seus antepassados. Há muita poesia nos textos que percorrem alguns dos lugares e dos monumentos mais conhecidos destes três concelhos ribatejanos.


O livro começa na Praça da República, no Sardoal ( o centro do mundo), e acaba na Torre do Relógio, em Constância, que se tornou “ao longo dos séculos como um coração” a palpitar no centro da vila. O segundo texto é sobre o Miradouro do Cristo Rei, na Matagosa, em Abrantes onde “crescemos sempre que deslocamos o queixo do peito” e onde “a distância é bonita porque nos desafia”. Na Praça Alexandre Herculano, em Constância, o escritor de Galveias desafia os leitores a sentirem-se únicos como os habitantes da vila que são responsáveis pelo desgaste das pedras da rua. Ainda em Constância nas Escadinhas do tem-te bem, “Imaginar e recordar são o subir e o descer da mesma escada”; No Jardim Horto de Camões um texto de homenagem ao poeta mas também a Manuela de Azevedo, “a vila e o poema unidos por uma mulher cujo nome merece ser dito junto aos nomes de Constância e de Camões”. “Inspira, enche o peito com ar do Sardoal, enche o peito com este instante. O que virá a seguir?” Escreve a perguntar o autor de “Morreste-me” falando do Antigo Largo do Ensaio da Música, no Sardoal. Voltando a Constância, para falar da Antiga Torre de Punhete, que já não existe, José Luís Peixoto dirige-se ao leitor, como é habitual ao longo do livro, e diz que afinal a torre existe: “está em ti”.

A mesma ideia acompanha o texto seguinte que fala da Igreja de Santa Clara, em Alcaravela, no Sardoal, que foi construída sobre outra igreja e cuja memória continua no lugar embora só possa ser visível para quem fala e pensa nas coisas que já não existem. No regresso a Constância o escritor visita a Réplica da Fonte Boa, uma fonte construída em cima de outra fonte, “para dar corpo à lembrança” da outra. Ao escrever sobre a Fonte Férrea do Sardoal, o escritor fala da “natureza profunda” onde “há um lugar puro, secreto, onde a água brota com a mesma força com que jorra desta bica”, o mesmo com o Chafariz das Três Bicas, ainda no Sardoal, onde a cor das lendas contorna as bicas do tempo”.

No Tramagal, o Museu da Metalúrgica Duarte Ferreira é pretexto para escrever sobre” patrões que dão nome à fábrica, filhos, netos e bisnetos de todas as pessoas que aqui deixaram a sua vida”. No Alto de Santo António, em Abrantes, "a cidade estende-se sobre o território, obedece às manias do relevo porque esse é o seu sustento”; No Largo Cabral Moncada, em Abrantes, o escritor conta sobre uma "superfície de relvas, própria para receber o céu que nos observa lá de cima, tão próximo"; Regressa ao Sardoal para visitar O Caminho de Memórias e lembrar que "o Sardoal estava aqui antes de todos nós, e enquanto não chegamos o Sardoal esperou por nós"; O Castelo de Abrantes é inspiração para o poeta testemunhar que "Aqui tomaram-se decisões que não chegaram a verbete de enciclopédia", no Jardim do Castelo escreve sobre a presença dos "bancos de jardim para namorar a primavera"; no Miradouro de Fontes, ainda em Abrantes "a distância é uma pergunta", e as mãos "são como uma paisagem"; Na Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, em Constância, o lugar serve para observar a vila e registar que "entre nós e o rio, como palavras em silencio, estão as casas"; Um dos textos mais poéticos do livro é sobre o Cais de Acostagem, em Rio de Moinhos, onde “podemos comparar o oceano com o futuro"; Em Constância, no Museu dos Rios e das Artes Marítimas, a mensagem de que "com o barco do museu navegaremos no que fomos". A Igreja Matriz do Sardoal e o seu esplendor lembra que "a fé é uma forma de arte", assim como na Igreja da Misericórdia, no Sardoal, os sardoalenses que passaram debaixo do seu portal “ouviram a pedra a falar-lhes de eternidade, a erosão da pedra a falar-lhe de misericórdia"; O Sobreiro de Montalvo é mais um dos textos inspirados, "porque o mundo é inseparável das árvores" e " todos os gestos podem ser comparados com árvores", assim como o Sobreiro da Dona Maria, no Sardoal, que por ser tão majestoso, levou o escritor a confessar que “estas palavras pertencem à árvore"; E o Eucalipto Grosso, ainda no Sardoal " é como um rio vertical, a árvore puxa a seiva até lá acima. O Sardoal é o seu alimento”. De volta a Abrantes o escritor visita a Oliveira do Mouchão, e escreve: "os séculos da árvore são como um enorme edifício à nossa frente"; Na Aldeia da Pereira, em Constância, o escritor pergunta "como se lê uma palavra a si própria"; No Jardim Soares Mendes, na Bemposta, Abrantes, volta-se a falar do mistério dos caminhos de terra e de água; "são assim os rios, levam consigo um pouco dos lugares por onde passam, adicionam esses lugares ao seu próprio corpo" ; Na Aldeia do Pego, Abrantes, José Luís Peixoto fala " no amor do povo, que é o mais ilimitado que existe", assim como em Valhascos, no Sardoal, visitar a aldeia talvez seja, afinal, visitar " muitas aldeias; " O passado rodeia-nos, alimenta-nos, justifica-nos", escreve o poeta sobre a Quinta de Santa Bárbara, em Constância; "As casas de Martinchel são um modelo do mundo", escreve de visita à aldeia do concelho de Abrantes; O "Roteiro do Vinho ao Pão é pretexto para falar do milagre das videiras, e para concluir que "não há verbos que consigam acompanhar a evolução do verde nas parras, ou a maneira como os bagos se vão insuflando de poupa"; O Parque das Merendas, no Sardoal, é um lugar onde o poeta escreve sobre "gente com os seus enredos" e afirma que "é na conveniência que mostramos quem somos"; No Borboletário Tropical em Constância o poeta escreve sobre "delicadeza", e conclui que " a vulnerabilidade das borboletas é a sua força”; A visita ao jardim António Botto, na Concavada, Abrantes, é inspiração para escrever que “às vezes a poesia é uma loucura tão lúcida que chega a dizer o que ainda ninguém sabe"; “O Universo inteiro está nas estantes” escreve José Luís Peixoto de visita à biblioteca Alexandre O `Neill, em Constância; e na Escola Adães Bermudes, em Montalvo, fica o registo de que "quando alguém parece que nunca foi criança, é porque se afastou da sua humanidade essencial".

Estamos na página 91 do livro “Onde”, de José Luís Peixoto, que acaba na página 131. Fica por conta dos leitores a leitura crítica das páginas restantes, que visitam outros tantos locais dos concelhos de Sardoal, Abrantes e Constância. A ideia era escrevermos até chegarmos à Torre do Relógio; ficam por citar e divulgar belas imagens deste livro, por citar outros lugares por onde o escritor de Galveias viajou e deixou escrito a melhor prosa e poesia que já foi publicada sobre cada lugar. Todos os textos têm, pelo menos, um verso a dar força à prosa do escritor autor de “Abraço” e “ Em Teu Ventre”.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

A Lídia Jorge, os livros a mais e os juízes corruptos

A Rede Europeia de Conselhos de Justiça fez um inquérito junto de cerca de 16 mil juízes de 27 países.  26% dos 494 magistrados portugueses inquiridos disseram acreditar que durante os últimos três anos houve juízes a aceitar subornos ou a envolverem-se em outras formas de corrupção.


A cultura é tudo o que resta depois de termos esquecido tudo que aprendemos. Relembro esta frase, atribuída a vários autores, porque recentemente reli Gabriel Garcia Marques e constatei a qualidade da escrita e da pontuação do texto. Sei que lhe devo muito do gosto pela escrita e pela literatura, mas à medida que os anos vão passando vamos descobrindo melhor o segredo dessas passagens de testemunho que roubamos aos escritores graças ao trabalho dos editores, distribuidores e livreiros. A economia de palavras neste romance, que conta uma história datada, mas que não deixa de ter ainda a sua beleza, lembra que o que parece fácil demora muitos anos a aprender; e para muitos nunca chega a ser uma lição porque ficam pelo caminho. Recordo duas entrevistas de trabalho que fiz esta semana com jovens licenciados em jornalismo que confirma o que sei há muitos anos: as licenciaturas começam e acabam sem que os alunos saiam da sala de aula; uma gatunice dos gestores das universidades e um mau trabalho ao país que é um dos mais pobres da Europa em literacia. A profissão de jornalista que devia estar em crescendo, é das mais desprestigiadas da actualidade muito por culpa dos gestores das universidades que dão licenciaturas sem ensinarem a prática do jornalismo.


Aproveito o tempo de férias para falar de livros e de autores. Regozijo-me com a tradução para chinês do romance "Os Memoráveis", de Lídia Jorge, uma escritora que conheço bem e com quem cheguei a ter relacionamento pessoal na altura em que fundei O MIRANTE. O “Dia dos Prodígios” foi um dos primeiros que comecei a ler nas viagens intercontinentais que servem para fugir ao trabalho. A notícia obriga-me a trazer aqui a memória de Maria Ondina Braga com quem também aprendi muito no tempo em que era um jovem jornalista e ela uma autora já com obra reconhecida. Maria Ondina Braga foi professora em Goa e Macau, e um dos seus livros mais conhecidos é exactamente “A China Fica ao Lado” (1968). Guardo das nossas conversas e de meia dúzia de cartas que trocámos a imagem de uma mulher que faz lembrar Lídia Jorge em muitas qualidades humanas: serena, culta, disponível para toda a gente que a procurava, reservada qb., trabalhadora incansável da palavra, incapaz do autoelogio, sempre à procura da perfeição na escrita.


A Rede Europeia de Conselhos de Justiça fez um inquérito junto de cerca de 16 mil juízes de 27 países. 26% dos 494 magistrados judiciais portugueses inquiridos disseram acreditar que durante os últimos três anos houve juízes a aceitar subornos ou a envolverem-se em outras formas de corrupção. Na classificação final, Portugal ficou apenas atrás de Itália (36%) e Croácia (30%), igualando a percentagem da Lituânia (26%). O presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) já pediu uma resposta urgente a esta situação junto do Conselho Superior da Magistratura com o argumento de que se ficarem calados, os cidadãos vão dizer que se os órgãos de gestão das magistraturas não actuam é porque o problema já não está na corrupção, mas nas pessoas que têm a obrigação de a combater e denunciar. 

Sou dos que já sentiu na pele a falta de preparação dos juízes para os assuntos que estavam em tribunal; é verdade que nem todos os juízes são corruptos, felizmente. Também há outros que sabem muito de crime e não percebem nada da lei da liberdade de imprensa mas não se importam de condenar com a mesma facilidade que vão almoçar ao OH! Vargas, em Santarém ou ao Solar dos Presuntos, em Lisboa. JAE.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Estamos entregues a gente má e analfabeta

Há pessoas com doenças cancerosas que não conseguem receitas para aviar os medicamentos que lhes fazem falta para terem uma vida digna e justa. As receitas electrónicas são desconhecidas na maior parte dos centros de saúde; os doentes são obrigados a permanecerem dias inteiros para conseguirem uma receita que podiam receber em casa no telemóvel.


A crônica desta semana é azeda mas eu não tenho culpa. Esta semana publicamos mais um texto sobre a falta de médicos, neste caso no concelho da Chamusca. A posição do presidente da câmara local sobre este problema é uma vergonha, própria de um sujeito que não sabe quem é que lhe fez as orelhas. Sou da terra e converso com muita gente que acha que ainda tem que se curvar perante a importância dos médicos, dos presidentes e dos generais que comandam os interesses instalados, seja nas autarquias, nos Centro de Saúde e por aí fora. Não temos. Vivemos uma época em que os poderes e os seus protagonistas têm que dar conta do serviço público que prestam. Infelizmente a Chamusca é um caso triste de subserviência de uma parte  da sua população a um executivo de políticos abalfabetos, bem na vida, mas que fazem a vida negra aos outros.


Há pessoas com doenças cancerosas que não conseguem receitas para aviar os medicamentos que lhes fazem falta para terem um fim de vida digno e justo. Há bem pouco tempo ouvi de viva voz uma vizinha a contar que por causa da falta dos medicamentos teve que ser assistida no hospital de Santarém onde esteve três dias internada para recuperar. A história é longa e não tem sentido contá-la aqui. O que quero denunciar são estes sacanas dos políticos e dos médicos que sabem que o problema desta gente se resolve com uma receita eletrónica mas não fazem nada para agilizarem os serviços de forma a minorar o sofrimento das pessoas e não as obrigarem a sofrer como cães.

Qualquer serviço de saúde bem organizado consegue dos médicos as receitas que são precisas para as pessoas incapacitadas, cancerosas ou com outras doenças crônicas, ou até que não têm como se deslocarem ao Centro de Saúde. A Câmara Municipal tem dezenas de funcionários que não fazem um corno durante um dia de trabalho. A autarquia, em situação limite como é agora o caso, podia ter um serviço de apoio à sua população, e o presidente da câmara tem que ter capacidade para falar com os responsáveis da saúde para implementarem um serviço de receitas que é comum até em países do terceiro mundo.


Sei que estou a bater no ceguinho; sei que para alguns daqueles que me lêem estou a ser injusto com os rapazolas da política que gerem a autarquia da Chamusca. Mas que se lixe. Tenho idade para dizer o que me vai na alma e estatuto para levar umas ripadas se com isso ajudar aqueles que não têm quem lhes acuda.


Nesta edição damos conta de uma situação que só prova que não podemos dar confiança aos políticos preguiçosos e irresponsáveis. Em julho passado registaram-se em Portugal 1716 mortes em excesso relativamente às últimas décadas e os especialistas alertam para os efeitos socioeconómicos sobretudo entre idosos. A mortalidade em 2022 está a ser comparada à de 1923, a seguir ao surto da gripe espanhola. Especialistas ouvidos pelo jornal Expresso não têm dúvidas que as mortes se devem a razões sócio económicas e falta de cuidados médicos. JAE.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

A chegada da Mercadona e o burburinho que causou em Santarém

A chegada da Mercadona a Santarém obrigou algumas das maiores superfícies comerciais, já instaladas na cidade, a realizar obras e grandes campanhas de desconto, que só favorecem o consumidor.

A chegada da Mercadona a Santarém criou uma pequena revolução no comércio local que merece reflexão. Como todos sabemos, algumas das grandes superfícies instalaram-se em Santarém de uma forma pornográfica, algumas delas quase ocupando a estrada nacional e anunciando a sua presença com publicidade às marcas de uma forma que é um atentado à paisagem, numa cidade que tem orgulho dos seus pergaminhos históricos. Não falo em nomes, pois, cada um que tire as suas conclusões. O que acho digno de notícia, esquecendo por agora os autarcas idiotas que permitiram tal desgoverno na construção desses edifícios, foram as obras que decorreram nos últimos tempos em algumas empresas concorrentes da Mercadona, assim como as campanhas de desconto que começaram, e ainda decorrem, nas maiores superfícies, como a quererem fixar os seus clientes numa estratégia comercial que só beneficia os consumidores.

A ideia de que negócio gera negócio fica provado com o investimento em obras e em descontos ao consumidor que a chegada da Mercadona veio provocar na concorrência. Não sei, nem perguntei, se as obras de renovação dos espaços pagaram licenças como pagam os pobres cidadãos comuns; não sei nem perguntei se o tempo de espera das licenças para as grandes empresas, que representam as grandes marcas foi o mesmo que costuma ser para os munícipes e os pequenos lojistas. Dou de barato essas questões por agora pois o que nos interessa destacar é a chegada a Almeirim e a Santarém de mais uma grande empresa que vem para acrescentar valor e chegou com uma postura de colaboração e proximidade que não é normal nos grandes grupos instalados.


Santarém perdeu nas últimas décadas muito do seu pequeno comércio. O centro histórico, que é a alma da cidade se não é tem que voltar a ser precisa do apoio financeiro que a autarquia tem que cobrar às grandes superfícies que se instalam à beira da estrada. Mais ainda: as grandes superfícies que pintam as suas paredes com as cores e os símbolos das suas marcas deviam pagar taxas de publicidade milionárias de acordo com a poluição visual que causam, já que os estragos na paisagem não têm preço nem podem ser só avaliados em euros. JAE.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Em defesa da política e dos políticos de Mação

A carta anónima que circula em Mação sujando o nome de Vasco Estrela e António Louro, dois autarcas de peso da região, é uma afronta que merece a solidariedade de quem vive e trabalha no território.

 

Em tempo de guerra não se limpam as espingardas. O ditado não se ajusta aos tempos de hoje porque estamos verdadeiramente em tempo de guerra mas as espingardas já são de outro tempo; agora as armas mais banais de destruição e morte são os mísseis. O que virá a seguir ninguém arrisca dizer, ou escrever, mas o comportamento dos líderes políticos europeus deixa muito a desejar para não temermos o pior. 

A forma como os países mais ricos da Europa estão dependentes da Rússia é uma situação que envergonha os nossos líderes políticos e faz tremer a nossa convicção europeísta, embora não abale os nossos propósitos de luta. A outro nível, mas igualmente um retrato desta Europa a várias velocidades, escrevo esta semana sobre o que se passa em Mação onde os autarcas estão a ser vítimas daquilo a que se deve chamar, com todas as letras, uma filha da putice; alguém enraivecido, chateado, eventualmente ressabiado com alguma questão pessoal com um dos dois autarcas mais conhecidos de Mação, resolveu espalhar um documento anónimo, que inclui as fotos dos políticos, molestando a honra e a dignidade de quem trabalha e desempenha um serviço público, embora remunerado, o que não lhe retira valor. Sabendo que o que está em causa é a o ordenamento do território, e Mação é, porventura, o território do país mais castigado pelos fogos, apetece dizer que vozes de burro não chegam ao céu; e antes mais um terrorista a escrever e a distribuir cartas anónimas do que um incendiário a tentar queimar a floresta que ainda resta no concelho de Mação e territórios vizinhos.

Faço da carta anónima amplamente copiada e divulgada assunto de crónica porque reconheço na grande maioria dos autarcas um trabalho hercúleo para cumprirem a sua missão e ainda terem vida pessoal e familiar. Nunca tive jeito para a política e não me vejo a exercer qualquer cargo simplesmente porque não tenho vocação e seria incapaz de cumprir as exigências que um cargo de dirigente político me obrigaria. Sei reconhecer nos dois autarcas de Mação competência e sentido de missão que enobrece a classe política, mas acima de tudo o trabalho que desenvolvem no concelho mais "negro" do país, onde ardeu nos últimos anos mais de 95% do território de floresta. Se tivermos em conta que o concelho tinha um plano inovador de combate a incêndios, que foi considerado exemplar na altura em que foi implementado, está tudo dito sobre as estratégias adoptadas em Portugal para o combate aos incêndios. Isso mesmo pode ser lido nesta edição, numa entrevista ao vice-presidente da câmara, que foi publicado em 25 de Junho de 2020 em O MIRANTE e que republicamos nesta edição na mesma página onde damos publicidade ao terrorista que resolveu incendiar os ânimos locais com a distribuição da carta anónima.

Se há autarcas que exercem o poder pelo poder, desprovido de qualquer objectivo concreto, sem a intenção de cumprirem um ideal político e prestarem um bom serviço à comunidade, esses não são certamente os dois experientes autarcas de Mação que têm trabalho feito e provas dadas. Não sou amigo de nenhum nem tenho com qualquer um deles uma relação próxima ou de proximidade; no entanto sei e vejo o suficiente para os defender desta amargura que estão a viver por serem líderes de uma comunidade que servem com a melhor da suas energias e competências. 

Acabo voltando à guerra que ainda nos vai deixar descalços; o facto de vermos a China e a India, os dois países mais populosos do mundo, a larga distância de todos os outros, a substituírem os países europeus como clientes do gás russo, era um bom pretexto para que os líderes europeus dessem a mão à palmatória e arrepiassem caminho nesta Europa governada à deriva. Infelizmente o que vemos é exactamente o contrário. Em Paris, como em Mação, podemos viver num território literalmente arrasado pelo fogo e quase sem valor comercial, ou num outro onde uma casa de habitação com 25 metros quadrados pode custar meio milhão de euros. JAE.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

O meu herói é o presidente da ANACOM

O trabalho que João Cadete de Matos tem dado aos donos das operadoras de comunicações é digno de registo e não tem paralelo noutras instituições do Estado que fazem o escrutínio das empresas que têm a obrigação de tratar os contribuintes com justiça e equidade. 

Um homem quando chega a velho fica mais sensível à coragem daqueles que enfrentam os interesses instalados de peito aberto sem medo de represálias. O que diferencia os homens uns dos outros pela positiva é exactamente a coragem de tomar decisões e de não dormirem na forma em nome dos interesses daqueles que não têm como defender-se da sociedade capitalista que domina o sistema, dos políticos preguiçosos, analfabetos, muitas vezes trouxas e corruptos.

O trabalho que João Cadete de Matos tem dado aos donos das operadoras de comunicações é digno de registo e não tem paralelo, que eu saiba, noutras instituições do Estado que fazem o escrutínio das empresas que têm a obrigação de tratar os contribuintes com justiça e equidade. Como consumidor de telecomunicações sei bem os abusos de que sou vítima cada vez que tenho de fazer uma assinatura de um serviço ou preciso de alterar as condições do meu contrato. Cada vez que preciso de apoio sei bem as dificuldades que tenho de ultrapassar até as operadoras cumprirem a sua obrigação.

As pressões políticas e empresariais que João Cadete de Matos sofre desde que resolveu enfrentar os interesses instalados das empresas de comunicações está bem patente nos estudos agora divulgados que mostram um país com várias realidades ao nível da prestação de serviços. Desde que a guerra começou que os presidentes das empresas líderes de mercado deram entrevistas atrás de entrevistas, clamaram pela demissão de Cadete de Matos, argumentaram até à exaustão que Portugal era um país da cauda da Europa e que com este tipo de escrutínio do Regulador o país ia ficar pelo caminho ao nível das comunicações dos novos tempos.

Com o apoio do Governo, nomeadamente do primeiro-ministro António Costa, João Cadete de Matos tem-se mantido firme e sereno ao leme da ANACOM e, com o passar do tempo, tudo indica que vai conseguir os seus objectivos: fazer com que os clientes das operadoras, que somos todos nós, não voltemos a ser vítimas de abuso comercial, do controle de mercado, dos preços combinados entre operadoras. Mais importante que tudo, João Cadete de Matos está a contribuir para que os portugueses do Sardoal ou de Abrantes, de Coruche ou da Sertã, não sejam de segunda em comparação com aqueles que vivem em Lisboa ou na Linha de Sintra.

Até há bem pouco tempo os reguladores da banca governavam o Sistema recebendo e acreditando naquilo que os banqueiros lhes transmitiam. Foi por isso que José Sócrates nacionalizou o BPN, com as consequências que todos conhecemos, e mais tarde o BES se tornou aquilo que todos conhecemos: o maior escândalo financeiro do século que envolveu a nata política e financeira do país.

Portugal precisa de mais administradores da coisa pública com a fibra de um Cadete de Matos. Para mim é um herói. Num país em que os deputados da Nação têm vários empregos, são donos em nome das mulheres e dos filhos de empresas que fazem negócios com o Estado e com as autarquias, João Cadete de Matos é um nome que todos devemos conhecer e respeitar. JAE.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

O êxito popular da festa do Colete Encarnado

Vila Franca de Xira organiza a festa maior do Colete Encarnado que este ano teve uma das maiores participações populares de sempre.


A cidade de Vila Franca de Xira viveu nos últimos dias a festa do Colete Encarnado com uma participação popular que ultrapassou todas as previsões. A cidade foi roubada aos carros e as ruas encheram-se de gente criando uma verdadeira multidão que, em algumas ruas, chegou a parecer exagerada para a dimensão do espaço. Quem viveu a festa mais de perto, e todos os dias, diz que nunca tinha visto tanta gente nas ruas.

O Colete Encarnado é certamente a maior festa do país com os toiros na rua. Com ou sem anti-taurinos o Colete Encarnado será sempre uma festa do povo e para o povo independentemente de quem estiver no Governo, na oposição ao Governo ou no exercício de uma militância política ou cidadã contra as touradas que, verdade seja dita e escrita, já conheceu melhores dias. Nenhum político, por mais influente que seja a nível nacional, vai conseguir acabar com a festa dos toiros se os líderes autárquicos continuarem a organizar as festas populares recorrendo à festa brava e às suas melhores tradições. É assim de uma forma incomum em Vila Franca de Xira mas também em Azambuja, Benavente e Chamusca, só para citar os casos mais emblemáticos e participados pela população.

Mas a realidade da festa dos toiros na rua não é a mesma da festa dos toiros nas praças. Esta semana a cavaleira Ana Rita, natural de Vila Franca de Xira e criada em Aveiras de Cima, de 33 anos de idade, deu uma entrevista à revista Flash onde aponta o dedo aos empresários e diz que em Portugal há colegas de profissão que pagam para tourear e ainda escolhem os toiros. A cavaleira arrasa os empresários e reconhece que se não fossem as corridas em Espanha já tinha desistido da sua profissão.

Recentemente, num espectáculo na Benedita, a directora de corrida fechou os olhos a um grupo de forcados que pegou um toiro com cerca de 14 forcados dentro da praça quando a regra são apenas oito. Em algumas praças do país, como na Chamusca, segundo consta, porque a câmara municipal não divulga as suas despesas com a festa, a câmara paga a corrida e as despesas da corrida de forma integral e o empresário limita-se a organizar como se vivêssemos no reino da Dinamarca.

Em Santarém, onde existe a maior praça do país, o taurodromo só é utilizado duas vezes por ano. O Provedor da Misericórdia, Hermínio Martinho, já disse publicamente que aquele espaço tem de ser rentabilizado e que vai anunciar medidas a curto prazo. Esperemos que não fique pelas palavras e que a praça de Santarém seja um espaço multiusos e não apenas um espaço para tourear; a cidade bem merece. Finalmente: já este ano, em Abril, o cavaleiro Luís Rouxinol abandonou a praça de Serpa horas antes da corrida por não concordar com a forma como o empresário da praça fez a gestão do sorteio das toiros que cada artista ia tourear.  

Volto ao Colete Encarnado: Vila Franca de Xira é um exemplo para todas as cidades taurinas: não só pelo público que consegue mobilizar como pela forma como respeita os toureiros, como mantém viva a festa e as suas tradições, como consegue organizar a cada ano, e sempre com êxito, a festa do Colete Encarnado, que é orgulho das gentes de Vila Franca de Xira e talvez a única festa do concelho que faz esquecer os bairrismos balofos e promovidos por líderes locais que trabalham mais na promoção pessoal que nos interesses das suas terras e das suas gentes. JAE.

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Um recado para a ERC e os seus 4 reguladores de serviço

ERC arquiva queixa de António Valadas da Silva, dá razão a O MIRANTE, mas os quatro reguladores citados neste artigo não deixaram de dar um “caldinho” aos jornalistas como se vivêssemos no tempo do “respeitinho é muito bonito” e “toma lá que já almoçaste”.


O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social emitiu um parecer com 15 páginas em cima de uma queixa do antigo director do IEFP, António Valadas da Silva, que deita por terra qualquer pretensão do dirigente do Estado em condenar O MIRANTE pelo abuso de liberdade de imprensa. Mesmo assim, os quatros membros da ERC pedem aos jornalistas de O MIRANTE que sejam cautelosos no uso de alguns termos. 

O desplante de Sebastião Póvoas, Francisco Azevedo e Silva, João Pedro Figueiredo e Fátima Resende, os quatro membros do conselho regulador da ERC que assinam o documento, são, no mínimo, caricatos já que ao longo das 15 páginas do parecer fica provado aquilo que um juiz do Tribunal de Santarém decidiu em favor de O MIRANTE. Os membros da ERC até podiam citar as declarações da advogada do IEFP durante o julgamento, que denegriram a imagem de uma instituição do Estado, e de uma empresa que confiou na sua direcção e nos seus funcionários; os membros da ERC podiam até analisar o comportamento de um dirigente de um organismo do Estado que fez terrorismo contra a administração de O MIRANTE, valendo-se das prerrogativas de quem trabalha para o Estado e sabe que tem “a faca e o queijo na mão”. A verdade é que o jurista da ERC só se preocupou em tentar descortinar uma falha dos jornalistas de O MIRANTE, escrutinando da qualidade e da oportunidade do nosso trabalho editorial; e não ficaram dúvidas, acompanhadas pela opinião de ilustres constitucionalistas que o jurista da ERC citou ao longo do texto como Jónatas Machado, Gomes Canotilho, Vital Moreira, Costa Andrade entre outros, de que os jornalistas de O MIRANTE cumpriram a sua missão.



Está no texto, claramente, que O MIRANTE foi vítima das funcionárias do IEFP dirigido pelo bonacheirão do António Valadas da Silva, que durante nove anos se recusou a pagar o que devia, o que obrigou a empresa editora de O MIRANTE a recorrer ao tribunal e a chamar como testemunhas dois anteriores presidentes do IEFP. Para os quatro reguladores, os jornalistas têm razão, mas deveriam ser mais moderados nas palavras que escreveram para evitarem o “sensacionalismo”.

Ficam aqui algumas perguntas para os quatro membros da ERC que assinaram este relatório que deve ter custado uma pipa de massa à instituição: e se elaborassem uma lista de termos a que os jornalistas podem recorrer quando um tipo que domina o maior instituto público do país resolve fazer terrorismo de Estado? E se enviassem uma lista de procedimentos a todos os jornalistas que têm obrigação de escrutinar o poder político com termos que condenem claramente os dirigentes que tratem a generalidade dos cidadãos como ovelhas estúpidas? E se fossem dar uma voltinha aos arquivos da PIDE que censuraram durante meio século da mesma forma que agora nos querem censurar os termos usados nos nossos artigos embora sejam no limite da liberdade de Imprensa? Foi para nos meterem medo Senhores Reguladores? Não há jornalistas por mais injustiçados que sejam que não mereçam um caldinho, é isso? JAE 


Nota: os leitores podem encontrar o texto da decisão no sítio de O MIRANTE onde este artigo também vai ser publicado na quinta-feira, dia em que o jornal vai para a banca e para os assinantes.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Um elogio ao poeta João Rui de Sousa

Morreu João Rui de Sousa, um dos poetas mais importantes da poesia portuguesa das últimas gerações, um ensaísta de excepção e um amigo que publicou em O MIRANTE um dos seus melhores livros de poesia, “Obstinação do Corpo”.

Estava em cima de um telhado quando o telefone tocou a anunciar a morte de um amigo, poeta daqueles que nunca usam o termo da boca para fora se não for a falar dos outros. João Rui de Sousa morreu no passado sábado enquanto eu fazia aquilo que ele mais apreciava, que era sujar as mãos de terra e depois lavá-las na água corrente do rio. Era isso que tinha acabado de fazer horas antes de subir ao telhado para fazer as limpezas de Verão nas árvores do vizinho que caem para cima de um dos meus telhados e as folhas entopem os algerozes. 

Quando liguei de volta, uma vez que não é fácil atender um telemóvel ao primeiro toque em cimo de um telhado, tinha uma voz conhecida lá do outro lado a avisar-me que o corpo morto de João Rui de Sousa ia dar entrada no outro dia numa igreja de Lisboa, onde seria velado até ao dia seguinte. Liguei a um dos seus filhos e ele confirmou com uma voz triste e pesarosa.

Desci o telhado e fui escrever uma notícia. O Fábio foi ao arquivo do jornal e encontrou uma foto que não resisti a publicar; João Rui veio ao meu encontro várias vezes a Santarém mas naquele dia estávamos com o Luís de Miranda Rocha e o Pedro da Silveira, o escritor que me deu a oportunidade de conhecer o homem com o pior génio do mundo; no entanto era amigo do João Rui de Sousa, que era a melhor pessoa do mundo e, regra geral, não mostrava o seu mau gênio embora também o tivesse.

Não me lembrava da foto, e no entanto lembro-me de ouvir João Rui de Sousa à beira Tejo, quase por baixo da Ponte D. Luís, a mergulhar as mãos na água corrente dizendo que a poesia muitas vezes está mais nos pequenos gestos do que nos inspirados versos dos poetas.  Não juro que a frase tenha sido exatamente assim: o que sei é que ele me fez um elogio que na altura me encheu a alma. João Rui de Sousa era um poeta premiado, admirado, justamente reconhecido pelos seus pares como um dos maiores e melhores poetas portugueses. O facto de sermos amigos jogava sempre a meu favor. Era eu que aprendia sempre no convívio com ele. João Rui de Sousa era de poucos sorrisos mas era um poeta e um homem que não pedia licença para ser verdadeiro, bom conversador mas de poucas palavras; sempre ia directo ao assunto como só ele sabia, pouco de elogios e muito de abanar a cabeça como quem diz “é isso mesmo”.

Nasci quando ele tinha 27 anos e fundou uma revista literária que lhe havia de dar fama e proveito. Quando nos conhecemos a diferença de idades era menos visível. Editamos em O MIRANTE, em 1996, um dos seus melhores livros e talvez o mais inspirado chamado Obstinação do Corpo. É um livro que entretanto teve continuidade, mas por culpa minha já não foi O MIRANTE que editou. Foi graças a ele que o Pedro da Silveira organizou, também para a colecção de poesia Alma Nova de O MIRANTE, uma antologia do Valadares Gamboa e do Guilherme de Azevedo. Luís de Miranda Rocha era também um amigo dos velhos tempos do “Diário de Lisboa”, onde trabalhou até o jornal fechar. Carrancundo, homem pesado no verdadeiro sentido da palavra, mas um jornalista cultural dos velhos tempos. Nesta foto podia estar também o António Ramos Rosa ou o José do Carmo Francisco que, na altura, também participaram na Alma Nova ou foram testemunhas da partilha e da amizade que a colecção gerou entre muitos de nós. Quanto mais velhos ficamos mais dificuldade temos em fazer amigos; perdê-los, como foi o caso de João Rui de Sousa, é que o custa mais. JAE.

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Uma homenagem ao fotojornalista Henrique de Carvalho Dias

Texto de homenagem à arte do fotojornalista Henrique de Carvalho Dias no dia em que inaugurou em Santarém uma exposição de fotos do seu livro sobre os 35 anos de alternativa do cavaleiro Luís Rouxinol.


Identifico-me muito com a pessoa que é o Henrique de Carvalho Dias assim como com o fotojornalista que conheci há muitas décadas quando ele era fotojornalista e eu era apenas um jovem forcado. A memória dele sobre mim é bem mais recente mas, mesmo assim, há aqui muita gente que não era nascida quando nos voltamos a cruzar, ele ainda como fotojornalista e eu já como jornalista. Estamos a falar, num primeiro caso, de há meio século, e no segundo de há 35 anos, mais um menos um.

Houve uma altura em que O MIRANTE ainda crescia a olhos vistos, coisa que agora ainda acontece mas mais devagarinho e discretamente, em que publicávamos regularmente fotos da festa da autoria do Henrique, daquelas que só se conseguem quando se dispara muito e se está no sítio certo à hora certa. Essa colaboração acabou, nem me lembro porquê, mas a amizade manteve-se até hoje e a colaboração entretanto também voltou e a política editorial de O MIRANTE relativamente às corridas de toiros deve-se inteiramente à colaboração do Henrique de Carvalho Dias.

Ao longo deste meio século mudei mais do que o Henrique no amor pela festa brava. Embora ainda tenha o bichinho dos toiros, já não estou apaixonado, aliás, nem sequer vivo um amor quanto mais uma paixão. Mesmo assim sinto-me muito mais emocionado quando me sento numa praça de toiros do que nas bancadas do estádio de Alvalade a ver jogar o meu Sporting. O meu problema com o futebol é civilizacional e cultural. Com a festa brava é cultural e civilizacional. Para mim a festa ainda é uma manifestação cultural, e lúdica também, que as fotos do Henrique de Carvalho Dias dão, aliás, um bom testemunho. Mas o Henrique representa hoje como fotojornalista um pouco daquilo que é o meu desencanto com a festa e com os seus protagonistas. Nos últimos anos o Henrique sofreu na pele situações de discriminação e de falta de respeito; inclusive, se bem me lembro, aqui mesmo nesta praça em Santarém. Felizmente que está aqui e que outras pessoas mais dignas e respeitadas também o reconhecem e respeitam como ele merece.

Nada que me surpreenda quanto ao passado recente. A vida de um fotojornalista não é diferente da vida de um toureiro ou de um escritor, de um cientista ou de um artista plástico. Chega uma altura em que ou somos donos do nosso nariz, do nosso negócio, ou há mil pessoas à nossa volta a quererem ocupar o nosso lugar nem que para isso tenham que passar por cima das nossas bochechas. É a lei da vida. Se se dá o caso de falarmos em armas apontadas ao peito, ou matas ou morres; se se dá o caso de as armas serem máquinas fotográficas, ou canetas que escrevem notícias ou artigos de opinião, ou és muito bom e muito resistente e sobrevives ou se deixas de ter onde publicar de nada te vale seres o melhor de todos.

Há muitos anos que aprendi isso. Os melhores jornalistas ou fotojornalistas são os melhores também porque trabalham nos melhores órgãos de comunicação social. Ontem à noite, a RTP 2 transmitiu um documentário sobre Paulo Cunha e Silva, que conseguiu levar para a Fundação de Serralves uns objectos que pertenceram ao histologista Abel Salazar. Diz ele, nesse documentário, que quem conseguir levar um objecto para um museu o transforma em obra de arte. Nada mais verdadeiro há 20 anos quando se realizou essa exposição e também nos dias de hoje em que se realiza esta mostra da autoria do Henrique de Carvalho Dias.

Curiosamente a festa dos touros está a perder cada vez mais esse estatuto de manifestação cultural porque são cada vez menos os Henriques de Carvalho Dias a defenderem as touradas como uma arte e não apenas como um espectáculo lúdico.

Acho que a festa deve ao fotojornalista Henrique de Carvalho Dias essa homenagem. Um dia que alguém consiga trabalhar em favor de um museu da tauromaquia, que bem podia ser em Santarém, e neste espaço que, como todos sabemos, está sub-aproveitado, muito sub-aproveitado, para falarmos verdade e sem receio e misericórdia. E a homenagem ao Henrique deve-se não só por ser um dos mestres da arte da fotografia taurina mas pelo amor à festa, à paixão que ainda mantém pelos toiros e a admiração pelos toureiros, pelos forcados e pela generalidade das pessoas ligadas às tradições da festa.

Óscar Lopes, um dos críticos mais conhecidos no meio literário dos últimos 100 anos, escreveu um dia que um escritor só se deve considerar escritor depois de 20 anos a escrever ininterruptamente. Acho que se ele falasse de fotojornalistas não diria nada de diferente. O Henrique é um mestre da fotografia e já leva uns bons pares de vinte anos a mostrar o que vale.

Por último; alguém escreveu um dia, não me lembro quem, que a fotografia, a arte da fotografia, precisava de encontrar um Picasso pelo caminho. Gosto de pensar no assunto mas se me perguntassem agora se estou de acordo diria que não. Pelo menos em parte. As fotografias de Henrique de Carvalho Dias são únicas como são as de Eduardo Gageiro, de quem também sou amigo e admirador.

Agora sim, por último: se as touradas não fossem um parente pobre das nossas cada vez mais pobres tradições; se Portugal não fosse um país de invejosos, Henrique de Carvalho Dias já teria direito a uma exposição numa das galerias portuguesas de prestígio, a publicação dos seus livrinhos de forma artesanal já teriam dado lugar a um livro de capa dura e papel couché. Infelizmente para ele e para a festa dos toiros não se adivinham melhores dias. Nada melhor, por agora, que o termos entre nós a trabalhar como só ele sabe, com a paixão que só ele domina e sabe conduzir.

Há um valor humano e uma qualidade estética nas fotografias de Henrique de Carvalho Dias que nenhum jornalista, por mais experimentado e culto que seja, consegue explicar por palavras.

Para mim o Henrique de Carvalho Dias é um ícone dos fotógrafos taurinos.

Longa vida ao Henrique e, já agora, desejos de melhor sorte com os amigos, onde me incluo, onde nos incluímos, para que a sua Obra nunca seja esquecida e possa ser valorizada como merece.

Citando uma frase do trabalho do multifacetado artista, político e fundamentalmente agitador cultural que foi Paulo Cunha e Silva, "o futuro começa agora ou não começará nunca".


NOTA

Um elemento da organização e gestão da "Celestino Graça", cinco minutos depois da leitura do texto, aproveitando um momento a sós, ameaçou o autor com palavras impróprias para reproduzir aqui com o argumento de que o texto é provocador e ofensivo; com os dentes serrados e a cuspir impropérios só faltou usar comigo um ferro daqueles que os toureiros usam nas suas lides. Fica o registo para memória futura.