quinta-feira, 26 de maio de 2022

The Economist e Financial Times andam a gritar pelo socialismo

Ousemos pensar, ler, criticar e escrever, num tempo em que não há treino possível para prepararmos os nossos filhos para o futuro.


No último fim-de-semana fui fazer uma caminhada que julgava de oito quilómetros. No final soube que tinha andado mais do dobro. Andei metade do tempo a subir e a descer arribas e, no final, regressei ao ponto de partida pelo vasto areal de uma praia em hora de maré baixa. Pelo caminho fiz algumas fotos e abri o sítio de O MIRANTE para saber as últimas notícias. Enquanto aprendia a dar nome a plantas que me habituei a ver na paisagem percebi o que vale andar e viver informado. Embora desligado do mundo, aproveitei o tempo em que me isolei do grupo para actualizar a agenda, apagando mais de metade dos assuntos, alguns cumpridos outros adiados para a eternidade.


Há quem defenda que o planeta Terra está numa fase adiantada da sexta extinção em massa. Durante o século XX foram extintos cerca de 600 animais vertebrados terrestres e de 1970 até hoje as populações de espécies de vertebrados diminuíram em média 68%. O maior evento de extinção ocorreu há cerca de 250 milhões de anos e dizimou 96% da vida marinha e 70% da terrestre. O último terá sido o da extinção dos dinossauros e ter-se-á devido a uma actividade vulcânica sem precedentes que dizimou mais de 80% das espécies.

Enquanto escrevo sobre dados históricos que estão nos motores de busca da internet, revejo de uma pasta do meu telemóvel os apontamentos que ainda sobrevivem do que fui ouvir da boca de alguns pensadores da actualidade, entre os quais se encontrava a cientista Maria do Carmo Fonseca, a professora Maria Inácia Rezola e o agora ministro da Economia António Costa e Silva. O pretexto foi o lançamento de um livro de Eduardo Paz Ferreira.

“Não há treino possível para prepararmos os nossos filhos para o futuro. O que temos pela frente é muito difícil de imaginar. O que vai mudar as nossas vidas é a tecnologia, não é a ciência. Quanto mais o tempo passa mais aumenta o cinismo. O The Economist e o Financial Times, só para citar dois jornais de grande opinião, lidos em todo o mundo, andam a gritar pelo socialismo. É importante resgatar o discurso de outros tempos; Hoje, quem diz que tem colaboradores está a dizer que tem despedimentos pela frente a curto prazo. Há uma terraplanagem social em curso na maior parte dos países do mundo. A segurança da vida deve ser a grande preocupação da classe política. A saúde para todos é uma falácia. A Europa é uma grande organização, mas fica claro para todos que as políticas não resolvem os nossos problemas e muito menos as políticas económicas. 70% das pessoas em todo o mundo dizem que querem um mundo diferente daquele em que vivemos e defendem que as pessoas deveriam estar no centro das grandes decisões. Ousemos pensar, ler, criticar e escrever”.


O editor da secção de tecnologia do “El País” dá-me de borla um resumo do que escreveu e pesquisou sobre as actividades dos hackeres  nestes últimos tempos e penso no que aconteceu a O MIRANTE: há cinco meses que não temos acesso aos nossos arquivos e trabalhamos em cima de um sítio provisório. Mesmo assim os números de leitores crescem todos os dias. É claro e evidente que os leitores querem notícias frescas e bem escritas; aparentemente o que foi notícia já não faz farinha.


Uma caminhada de 16 quilómetros, a preencher uma longa manhã de domingo, pode fazer mais pela saúde mental que umas férias grandes, desde que o corpo ainda responda às exigências do espírito. Não há matarruano que seja capaz de nos tirar do sério. JAE.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

A vida a cortar mato, Stefan Sweig, Manuel Emídio e Jean Jacques Annaud

Numa altura em que parece já ter começado a Terceira Guerra Mundial, e os dirigentes políticos continuam a comportar-se como artistas de circo, ler Stefan Sweig é obrigatório para nos confortarmos e aceitarmos a dura realidade.

A revista do jornal "Expresso" publicou recentemente uma entrevista de mão cheia com Jean Jacques Annaud, realizador de filmes como “Sete Anos no Tibete”,” O Amante”, “O Nome da Rosa e “O Urso”, entre outros. Levei a revista em viagem até Atenas. Numa manhã de preguiça fiquei a pôr a leitura em dia. Quando saí do hotel ia cheio de ideias e a rir-me sozinho como os tontos. Tresli duas frases fortes da entrevista, ou seja, li aquilo que me interessava em duas respostas do cineasta entrevistado à distância pela jornalista Cristina Margato.

Quando saí à rua ia literalmente com vontade de trabalhar. Como não podia trabalhar na minha actual profissão, fui para uma outra bem mais antiga: andei a ver preços e condições de exportação de jóias com design bisantino. Saí de uma entrevista sobre a vida de um artista e intelectual refinado para um mundo de artistas do negócio. O meu inglês é fraquinho mas no mundo dos negócios falam-se todas as línguas. Acho que só quis passar tempo. Já tenho idade para dormir mais vezes à beira da praia. Mas esta energia que recebo de uma peça editorial é para mim o segredo da vida.

Lembro-me de ter cinco anos e o meu avô Manuel Emídio me levar em cima do burro para o meio da charneca onde passava o dia a cortar mato recebendo à paveia (ia com ele ao escritório da casa Amaral Netto receber o dinheiro da semana e admirava-me como confiavam nele, e no número de paveias que ele apresentava escritos num papel pardo). O que me marcava mais era eu ir montado no burro e ele a coxear ao lado do animal.  Se não fosse eu, o burro só servia para levar o seirão com a comida, a gadanha, o machado e o serrote (quase sempre também o ferro de apanhar raposas que o meu avô armava bem longe do local de trabalho e que, ao final do dia, no regresso a casa, podia ser a cereja em cima do bolo). A verdade é que do alto dos meus cinco ou seis anos sentia-me culpado por ir montado e o meu avô a pé. Lembro-me de pensar, ou então inventei ao longo dos anos de tanto reconstruir algumas memórias, que o burro tinha uma pelagem clara o que lhe dava, para mim, o estatuto de cavalo.


Em Atenas viajei perto da praia num Porche 911. Há 20 anos queria comprar um carro destes. Nunca comprei nem vou comprar. Mas guardei dessa ilusão um conhecimento que me serve para a vida. Conheci e soube de dezenas de pessoas que têm um Porche na garagem e não saem para a estrada com ele. Não conheço melhor exemplo das heranças do regime em que a maioria dos homens da minha idade nasceu: morrem de vergonha e desgosto de terem chegado a uma idade em que já perderam a vontade e a energia para gozar o prazer de viajar e vadiar. As razões são mais que muitas e, na maioria dos casos, é o trabalho que continua a mil à hora, sem tempo sequer para gozarem os favores do dinheiro que ganharam.

 

O Bernardo enviou-me mensagem a avisar que há novo documentário sobre Henry Miller na Netflix. Já vi, respondi-lhe, embora ultimamente tenha trocado o lixo da Netflix pelos filmes e documentários da Filmin. Para quem cresceu a ler “Sexus” “Plexus” e “Nexus”, entre muitos outros títulos, como o “Colosso de Marroussi”, que é a viagem pela Grécia que eu nunca vou conseguir fazer, qualquer documentário sobre Henry Miller só pode ser bom, embora para a juventude de hoje alguns livros já estejam datados.

Nunca soube quantos títulos é que o Bernardo leu do escritor americano que, na altura, teve os seus livros proibidos nos EUA. Que consegui meter-lhe o vício no corpo, disso não tenho dúvidas. 

O recado é pretexto para deixar aqui a alegria que é ler e reler Stefan Zweig, o homem e o intectual que melhor nos conta o que foi a Europa e o mundo antes e depois das duas guerras mundiais. A terceira já começou e ninguém parece interessado em saber o que é viver em guerra e o que é que vai acontecer às nossas vidas e às dos nossos filhos. Depois de reler a sua autobiografia estou a acabar a biografia da autoria de Dominique Bonna que se lê como um romance. JAE.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

O aumento do preço do ouro e a regionalização

Numa altura em que se fala na realização de um novo referendo para a regionalização confirma-se que o processo de descentralização de muitos serviços para as autarquias está a ser um falhanço.

O processo sobre o Cartel da banca em que estão envolvidos onze das maiores entidades bancárias a operar em Portugal pode prescrever. O julgamento está suspenso depois do tribunal da Concorrência, em Santarém, ter dado os factos como provados. As coimas ascendem a mais de 220 milhões de euros.

Na passada semana reuniram-se cerca de três dezenas de especialistas em Floresta e ordenamento do território. A conversa foi proveitosa, mas as soluções que têm de ser implementadas no terreno demoram muitos anos, mesmo que comecem já amanhã. O Governo anuncia que vai começar uma política de arrendamento forçado a quem não cuida das suas propriedades, mas da ameaça até à concretização muita floresta ainda vai arder; pior que isso; a fileira florestal diminui a um ritmo nunca visto e os preços da matéria-prima aumentaram mais de cinquenta por cento nos últimos anos. Entretanto os terrenos ao abandono, resultado dos últimos grandes fogos, aguardam políticas concretas do Governo.

O preço do ouro em barra subiu para os 56 euros o grama; sempre que a economia treme o ouro é o grande refúgio dos investidores. Como o mundo não pára, e os países que fabricam armas de guerra não são empresários inocentes, começa a ser normal encontrar nos jornais e nas televisões notícias do género: “Bitcoin é melhor investimento do que o ouro”. A maioria de nós não sabe o que é uma Bitcoin mas o mundo novo está aí para nos virar de cabeça para baixo e ensinar a andar com a testa no chão.

José Sócrates pode refazer a sua vida no Brasil se Lula da Silva ganhar as eleições; Quem sabe acaba por lá também a sua licenciatura em engenharia; todos os bancários que durante anos andaram a enganar os clientes do BES, por ordem de Ricardo Salgado, certamente que dormem tranquilos e têm sonhos azuis. A TAP não vai ser vendida sem o Governo largar mais uns biliões de euros, e Portugal vai continuar a ter os combustíveis mais caros da Europa, os impostos mais pesados, a Justiça mais lenta do mundo se não contarmos com a Venezuela, o Brasil e os países de partido único.


Numa altura em que se fala, quase com toda a certeza, na realização de um novo referendo para a regionalização, confirma-se que o processo de descentralização de muitos serviços para as autarquias está a ser um falhanço. Uma Nação onde os governantes do país não se entendem, regra geral, com os governantes das câmaras municipais, vai ser regionalizado para que efeito e com que intenções? Vamos todos finalmente cuidar das margens do Tejo e do assoreamento do rio, contratar Guarda-Rios e fiscalização para o uso abusivo de químicos e o excesso de consumo da água na agricultura e o combate ao Siluro? Será que quem não é capaz de governar um rio em conjunto é capaz de governar, em equipa, os interesses de uma região? Olhando à volta, vendo como se governa em muitas autarquias, tenho dúvidas, e não ponho as mãos no fogo conhecendo, como conheço, alguns dos autarcas mais preguiçosos das novas gerações. JAE.

quinta-feira, 5 de maio de 2022

A Ucrânia aqui tão perto e o Tejo visto das Portas do Sol

António Costa boicotou o desvio do caminho de ferro das barreiras de Santarém; Guterres foi recebido em Moscovo como um dirigente do futebol; e a polaca Esmeralda vive no Algarve há 20 anos e nunca visitou Lisboa.

Conheci Esmeralda no Algarve na piscina do hotel. É polaca e vive há 20 anos em Portugal. Fala muito mal o português e nunca visitou Lisboa; nem tem muita curiosidade. Trabalhou nos barcos de cruzeiro, onde o marido ainda trabalha, sem férias e dias de descanso, até que ficou em casa a cuidar das filhas. Todos os dias fala duas vezes com a mãe, que vive na Polónia. Quis saber como é que o seu povo aceita a “invasão” de ucranianos que fogem da guerra. A resposta não se fez esperar; “agora a minha mãe não tem médico de família e as televisões mostram em rodapé o nome da Ucrânia em caixa alta e o da Polónia nem se vê”. A conversa começou assim e só não acabou neste registo porque mudei o bico ao prego e perguntei como estava Varsóvia, em que hotel devo ficar depois da guerra acabar, onde ficam as livrarias mais interessantes, etc. No dia em que escrevo esta crónica temos encontro marcado ao fim da tarde na praia, no bar do João, onde ela promete aparecer com meia dúzia de amigas que também vivem no Algarve há muitos anos. E eu que sou um pinguim a falar inglês.


António Guterres é um homem sério e cheio de boas intenções. Por isso chegou a Secretário-Geral das Nações Unidas e já foi reconduzido no cargo. Putin invadiu a Ucrânia e está a fazer daquele território de 40 milhões de pessoas uma verdadeira ruína. António Guterres foi a casa dele pedir paz e o fim da chacina da população. Foi recebido como o presidente de uma associação de clubes de futebol. Aquela mesa onde foram filmados é a cara de todos os dirigentes mundiais que pensem desafiar Putin. António Guterres é boa pessoa e um homem sério, mas a política precisa de líderes fortes, que não se limitem a trabalhar para a fotografia. Foi o caso. Ou muito me engano ou estamos nas mãos do Diabo.


Por muito que nos custe reconhecer não há cidadania activa na maior parte do território português. Há excepções em Lisboa e no Porto. É pouco para um país cheio de recursos naturais com uma população que desde há muitos anos começou a migrar para o litoral.

O segundo Governo de António Costa acabou com o sonho de Santarém poder vir a ter na próxima década uma ligação ao rio Tejo, como já deveria ter há pelo menos meio século. É incrível a desfaçatez dos políticos que falam, falam do rio como o símbolo maior da região e depois não constroem um cais para prender um barco, não se candidatam a fundos comunitários para terem de borla uma piscina no meio do rio, não têm uma escada rolante ou um simples elevador que facilite o acesso a pé da cidade até ao rio. Todo o viajante que passa pelas principais cidades de Itália e França, só para citar as minhas preferidas, sabe do que falo. Se os autarcas de Santarém não morrem de amores por António Costa não pode ser por ele ter inviabilizado o desvio da linha de caminho-de-ferro. Estava escrito nas estrelas que ia ser assim logo que o PS perdeu a câmara. Não percebo é por que temos que depender de António Costa e dos seus ministros para fazermos o que nos compete e é nossa obrigação. JAE.