quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Um elogio ao Pedro Ribeiro por causa do desperdício e dos telemóveis

Pedro Ribeiro publica regularmente informação que é o espelho do seu trabalho diário como autarca. Este ano fez figura a nível nacional implementando duas medidas que dizem bem da importância para um concelho quando o presidente da câmara sabe o que quer e o que faz.


Esta semana estive quase a dar este espaço ao presidente da Câmara de Sardoal por causa da clarividência e da frontalidade com que escreveu um texto numa página pessoal numa rede social. Não é normal, diria que é caso único na região, ler um autarca de peso a dizer mal do sistema e a apontar o dedo aos colegas sem se refugiar em palavras mansas.

Foi o texto de Miguel Borges que me levou a escrever o texto de última página que fecha o ano e que é um elogio ao Pedro Ribeiro, presidente da Câmara de Almeirim, que a 10 de Dezembro me convidou para fazer parte de um grupo também nas redes sociais. Só passaram duas semanas e tudo o que eu já sabia está espelhado nos textos e na importância da informação que o autarca de Almeirim partilha todos os dias para dar testemunho do seu trabalho.

Falo de dois casos que para mim são os mais importantes e que a nível nacional não têm paralelo. As escolas de Almeirim começaram a servir sopa feita de talos e cascas de legumes, numa clara demonstração de como se deve combater o desperdício e valorizar os alimentos no seu todo; noutro caso, não menos importante e desafiador, a implementação com sucesso da proibição do uso de telemóveis nas aulas. O maior elogio que posso fazer ao Pedro Ribeiro é publicar aqui um texto que guardo no meu computador, e que não fosse este caso acabaria no rol dos esquecidos, como muitos outros.

O jornalista e académico uruguaio Leonardo Haberkorn, desistiu de continuar a dar aulas no curso de "Comunicação" na Universidade ORT de Montevideu, através desta carta "Depois de muitos anos como professor universitário, hoje dei aula na faculdade pela última vez. Estou cansado de lutar contra telemóveis, WhatsApp e Facebook. Eles venceram-me. Desisto. Atiro a toalha ao chão. Cansei-me de falar de assuntos pelos quais sou apaixonado, para rapazes e raparigas que não conseguem tirar os olhos de um telemóvel que não pára de receber selfies.

É verdade que nem todos são assim, mas há cada vez mais a ficar assim. Até há três ou quatro anos, o apelo para deixar o telemóvel de lado por 90 minutos, nem que fosse só para não ser desrespeitoso, ainda teve algum efeito. Já não o está a ter. Pode ser que seja eu que me tenha desgastado demais neste combate, ou que esteja a fazer algo de errado. Mas uma coisa é certa: muitos desses miúdos não têm consciência do quão ofensivo é, e o quanto magoa o que eles fazem. Além disso, está cada vez mais difícil explicar como funciona o jornalismo, a pessoas que não o consomem, nem lhes faz diferença estar informado ou não.

Esta semana na aula saiu o tema Venezuela. Apenas uma estudante entre 20 conseguiu explicar o básico do conflito. O básico. O resto não fazia a mínima ideia. Perguntei se eles sabiam que Uruguai estava no meio dessa tempestade. Obviamente, ninguém sabia. Perguntei-lhes se eles sabiam quem é o "Luís Almagro". Silêncio. Entre as "cansadas" do fundo da sala, uma única miúda apenas balbuciou: "Não era o Chanceler?".  O que está a acontecer na Síria? Novamente silêncio. Qual partido é mais liberal, ou está mais à esquerda nos Estados Unidos? Democratas ou Republicanos? Silêncio. Sabem quem é o Vargas Llosa? "Sim! Sim!" Alguém leu algum dos seus livros? "Não, nenhum". Lamento que os jovens não consigam libertar-se do telemóvel, nem mesmo na aula. Conectar pessoas tão desinformadas com o jornalismo, é complicado.

É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existem vegetais.

Num exercício em que os alunos tinham de sair para encontrar uma notícia na rua, uma estudante voltou com a notícia de que ainda se vendem jornais e revistas na rua.

Chega uma altura em que ser jornalista joga contra si mesmo. Porque nós somos ensinados a colocarmo-nos no lugar do outro, a cultivar empatia como ferramenta básica de trabalho.

E então vemos que esses miúdos - que continuam a ter a inteligência, a simpatia e o calor de sempre - foram enganados, a culpa não é só deles. A incultura, o desinteresse e o alheamento, não lhes nasceu do nada.

Foram-lhes matando a curiosidade, e cada professor que deixou de lhes corrigir os erros ortográficos, lhes estava a ensinar que tudo vai dar mais ou menos ao mesmo.

Então, quando tu entendes que eles também são vítimas, quase sem perceber vais baixando a guarda. E aí o mau acaba sendo classificado como medíocre; o medíocre passa por bom; e o bom, nas poucas vezes que chega, celebra-se como se fosse brilhante. Não quero fazer parte desse círculo perverso. Nunca fui assim e nem serei. O que eu faço, gosto de fazer direito, ou o melhor possível, e não suporto o desinteresse a cada pergunta que faço, respondida invariavelmente com o silêncio. Silêncio! Silêncio! Silêncio!

Eles queriam que a aula acabasse.

Eu também". JAE.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Viver a vida como uma prenda de Natal

Não gosto do Natal mas gosto do espírito de Natal. Por isso fica aqui a minha história de Natal, embora um pouco triste, embora um pouco envergonhada.


Não gosto da quadra festiva que estamos a atravessar e não é para contrariar nem para me fazer difícil. Não gosto mesmo, sinto que é nesta altura que somos mais hipócritas, que valemos menos por esquecermos os velhos nos lares, por não sermos solidários com um vizinho com problemas de saúde, por não aceitarmos uma buzinadela de um carro sem dizermos uma asneira, por não darmos o lugar na fila a uma pessoa mais velha, entre tantas coisas em que somos maus cidadãos e achamos sempre que a culpa disto tudo estar como está não é nossa, mas dos outros. Por isso não dou nem recebo prendas, com as devidas excepções que ninguém pode negar à família e alguns amigos. Aliás, aprendi muito com a família que ajudei a formar a ser menos radical nestas coisas das tradições, mas não cedi em tudo. 


Tenho uma história de Natal para contar aos leitores desta coluna que na última semana fizeram do meu texto um dos mais lidos na Internet, sem que o mérito seja meu, uma vez que escrevi sobre a aberração dos homens escolhidos para indicarem o melhor local para o novo aeroporto de Lisboa, e, depois de fazerem o seu trabalho, bem pago por sinal, vieram para a comunicação social dizer disparates como se estivessem a falar em nome de um partido político ou de interesses privados.

O antigo director do jornal do Fundão, António Paulouro, contou-me um dia, já lá vão quase 40 anos, que o jornal tinha uma assinante que não sabia ler. As fotos do jornal chegavam para ela se informar sobre o que mais lhe interessava, que eram as fotos dos artigos e as dos mortos da sua freguesia. Era noutro tempo, em que uma pessoa era notícia pelo menos uma vez na vida, que era quando morria. Com o advento da Internet, e a extinção dos jornais locais, as funerárias adoptaram as redes sociais para pouparem dinheiro e para fugirem ao trabalho e a uma responsabilidade social que também lhe cabe.

Um dia destes fui consultar as páginas de algumas funerárias e dei pela morte de pessoas que me eram queridas e de quem tenho saudades. Não chorei porque não tenho lágrima fácil, mas fiquei triste com a morte do João Maria Laranjinha, que nos meus tempos de adolescente ensinou-me que até para temperar uma salada é preciso ter boa mão no azeite, no sal e no vinagre; e soube da morte do Luís Godinho, que era a personagem que melhor sabia contar as histórias da sua terra que envolviam as personagens mais carismáticas.

Não posso escrever sobre todos os que reconheci nas fotos das funerárias, e por quem tinha estima e admiração, porque o espaço não chega, mas vou até ao fim da página a lembrar com saudade a Maria de Lourdes Ribeiro, com quem conversei muito no lar da Misericórdia; Manuel Barriga, que era um homem quase exemplar; Elisa Simões, conhecida como a Elisa dos bolos; Maria Piedade Cardador, mulher do Duarte Malaquias, que me ensinou alguns truques sobre como sobreviver num meio pequeno e de muita gente tacanha; Maria Alice Almeida, que durante mais de quatro décadas foi funcionária na escola da Chamusca; Eugénio Vaz, o homem das bombas de gasolina e das podas; Acácio Araújo, um filósofo que nunca exerceu a profissão; Maria Luísa Pestana, a mãe do Tó e da Ana Maria, que embora não sejam meus amigos são do meu tempo; Joaquim Vacas de Jesus, que foi meu companheiro nas manifestações de rua a seguir ao 25 de Abril; Francisco de Almeida Redol; Maria da Glória Cláudio, esposa do ainda meu respeitado amigo Joaquim Cláudio; Maria Emília Nalha e Manuel João Nalha, que ainda eram da minha família e que me recordavam sempre a sua mãe Leonor Nalha, de quem guardo recordações de muita ternura; Celestina Albino e Gonçalo Melrinho, um rapaz a quem dei muitos rebuçados e que teve uma vida difícil que só sabe avaliar quem sabe o que é o verdadeiro espírito de Natal, sem prendas e a trabalhar para ajudar quem não tem uma lareira para se aquecer. JAE.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Novo aeroporto Internacional de Lisboa vai ser em Santarém

A entrevista que Rosário Partidário deu à Rádio Renascença e ao jornal Público dá a entender o contrário daquilo que foi a decisão da CTI ao escolher Alcochete. O que se pode deduzir das suas palavras e conclusões é que o aeroporto está destinado a ser em Santarém, longe das regras da concessão e sem o problema do caminho-de-ferro e de mais uma travessia rodoferroviária sobre o Tejo.


Rosário Partidário, a coordenadora da Comissão Técnica Independente (CTI), que avaliou a melhor localização para o futuro aeroporto internacional de Lisboa, deu uma entrevista à Rádio Renascença e ao jornal Público em que admite que Portugal em termos de projectos aeroportuários está nas mãos da ANA, que é a concessionária dos cerca de 10 aeroportos que existem no país, onde se inclui o de Lisboa, que sozinho vale pelos outros todos.

O que se pode concluir da entrevista de Rosário Partidário é que a única solução para haver aeroporto a curto prazo, sem os entraves que ela levantou nesta entrevista, é fazer as Obras do novo aeroporto fora da área de concessão da ANA, ou seja, a mais de 75 quilómetros do aeroporto Humberto Delgado.

Quem leu ou ouviu a entrevista ficou a saber que “Estamos nas mãos da ANA”. O Governo tem que renegociar “o contrato de concessão e a retirada urgente da gestão das taxas aeroportuárias à ANA”. Questionada sobre a hipótese de “não haver acordo entre o Estado e a ANA, e que solução existe para Portugal poder construir um novo aeroporto”, Rosário Partidário não foi de modas: “de facto, a pergunta feita dessa maneira mostra mesmo que estamos nas mãos da ANA”, por isso a presidente da CTI defende “a renegociação do contrato de concessão com a ANA - Aeroportos de Portugal e, de imediato, a passagem da gestão das taxas aeroportuárias do concessionário para o regulador, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC)”.

As declarações políticas de Rosário Partidário chegaram ao ponto de afirmar que o aeroporto não devia depender da vontade dos políticos. Mas não se ficou por aí. Rosário Partidário afirmou que “a ANA tem uma actividade que é muito rentável” e que “há várias coisas que se deviam mudar no contrato de concessão. A questão da decisão sobre as taxas é uma delas”, assim como “o equilíbrio entre as partes, que está muito desequilibrado”. E se a ANA não abdicar dos seus direitos de concessionária? Rosário Partidário dá a resposta: “Se não chegarem a acordo, resolverem o contrato, tem que haver outro concurso para abrir uma nova concessão”. Assim, como se tira um coelho de uma cartola, Rosário Partidário diz que a ANA pode levar como indemnização o total do Orçamento do Estado para um ano de Governo, mas o problema fica resolvido e Portugal vai ser muito feliz deslizando numa jangada de pedra como na escrita de ficção de José Saramago.

Resumindo: uma grande entrevista que dá pano para mangas: Rosário Partidário acha que a decisão de construir um aeroporto não devia ser dos políticos mas ela própria dá uma entrevista que pode ser considerada a entrevista política do ano. Depois diz que não pode haver aeroporto sem linha de caminho-de-ferro mas Alcochete continua a ser a melhor opção. Por fim dá a entender que se a ANA não baixar a crista os políticos têm que renegociar o contrato de concessão. Esta última parte é para fazer parte do anedotário nacional se vivêssemos num país normal, onde esta gente fosse ridicularizada. Não vejo outra forma de julgar Rosário Partidário. Toda a gente sabe que a ANA tem a faca e o queijo na mão. Que a concessão já está paga pelos lucros do aeroporto de Lisboa, mas só acaba daqui a 20 anos; e acima de tudo que a empresa ANA é cotada em bolsa, que os seus accionistas só não comem o osso da carne porque também é preciso produzir farinha para as galinhas dos aviários.

Resumindo, outra vez, agora para acabar; Rosário Partidário está tão descontente e desiludida com a realidade em que vive e trabalha, assim como com as escolhas da CTI, que deixa caminho aberto para que o novo aeroporto só tenha um destino: os terrenos no concelho de Santarém, que ficam fora da área de concessão da ANA e que não precisam de mais uma ponte sobre o Tejo e uma linha ferroviária que não existe nem vai existir tão depressa de Lisboa para o Campo de Tiro de Alcochete. Só quem não leu a entrevista de Rosário Partidário é que pode acreditar que Santarém não vai ganhar a corrida ao novo aeroporto e que o facto de não ter sido a primeira escolha faz com que Rosário Partidário e os seus companheiros da CTI comecem a sofrer de pesadelos. JAE.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Quantos caminhos percorreu Santo Agostinho até se tornar Santo Agostinho?

A arte da política é a mentira, mas o que resta para além da mentira é muito importante para que possamos sobreviver ao fanatismo, ao poder dos que acham que tudo tem um preço, aos jumentos que ganham eleições e por isso acham que passam de burros para cavalos só por aprenderem rapidamente a relinchar.


Há um lugar à beira do Tejo entre Alpiarça e Chamusca onde a água beija a margem e os ramos dos salgueiros caem como um chuveiro na enseada. O areal parece ter escapado à poluição dos esgotos e das indústrias a montante, e ali nota-se menos a cor do petróleo na água, que é a marca da fábrica do Caima que despeja no rio as águas das suas ETAR’s.

Este Verão não fui lá. Fiquei mais a sul onde descobri outro areal fabuloso e uma maracha onde dá para uma pessoa se esconder do mundo sabendo que basta deitar a cabeça de fora e ficamos a um passo da civilização. O Ribatejo deve ser o território mais privilegiado do país embora não tenha pena dos portugueses que vivem por perto de outros rios famosos como o Douro, que tem afluentes que proporcionam as melhores praias fluviais onde já mergulhei.

Não conheço o país como gostava, mas espero ainda ter tempo para me meter ao caminho. Tenho em lista de espera a releitura de Viagem a Portugal, de José Saramago, e dois livros de autores diferentes que percorreram o país de mota e contam quase tudo. Vou seguir só o que me interessa e certamente vou ficar muito mais tempo no interior que no litoral. Para mim é mais importante ficar uma hora a observar uma paisagem que umas ruínas mesmo que sejam romanas. Gosto de falar com as pedras, mas é sobre o presente. O que as pedras nos têm a dizer sobre o passado pouco me interessa, deixo isso para outros matarem a cabeça.


Tenho visto pouca televisão, mas pedi para gravarem o documentário sobre a Estrada 40 na Patagónia; e pouco mais. Vi as lágrimas de António Costa no Facebook e só me comoveram porque acho que foram um sinal de fraqueza. Não há nada mais fingido que uma plateia a bater palmas. Sei isso do teatro: muitas vezes bato palmas só pelo esforço e arte dos actores, mais do que por ter gostado da peça. António Costa teve razões para chorar muitas vezes ao longo dos seus mandatos como primeiro-ministro, mas foi chorar naquele que só tinha o som das palmas. A política tem destas virtudes; um homem escorrega nas emoções quando menos espera.

A política é uma escola de vida das mais difíceis que muitas vezes cai no colo dos mais ineptos e destituídos. Uma vez soube que António Costa foi a correr a uma iniciativa onde não podia faltar, mas cumpriu os seus 10 minutos prometidos; outra vez estava a conversar com um secretário de Estado de Durão Barroso e fiquei a falar sozinho porque o telefone tocou e o meu interlocutor estava proibido de atender chamadas do chefe junto a testemunhas. O membro de um Governo que mais quis falar comigo no seu gabinete para me roubar calhandrices do meu trabalho como dirigente associativo foi aquele que mais me traiu e passou a perna. Aprendi ao longo destes 36 anos de trabalho como jornalista/editor que não há político do PS ou do PSD que, quando os governos alternam, desfaçam as asneiras que tanto criticaram enquanto oposição. Parece que são todos da mesma família e comem todos do mesmo tacho. E não me parece que algo tenha mudado nos últimos anos. O Governo de Passos Coelho criou uma lei que obrigava os beneficiários do PRR a publicarem nos jornais a aprovação das candidaturas. Ao fim de quatro anos, à falta de associação que represente condignamente as empresas editoras, paguei a um escritório de advogados para escrever à actual Provedora de Justiça a exigir que se cumprisse a lei. A resposta foi um chuto no cu apesar de nos ter dado razão. Meses depois o Governo de António Costa revogou o decreto lei e acabou com a obrigatoriedade… que nunca foi cumprida. Uma vez abordei um ministro da pasta da Comunicação Social num balneário de um ginásio e ele respondeu-me com todas as letras: porra, nem aqui deixas de me chatear. A verdade é que ele nesse ano beneficiou os jornais de um certo grupo empresarial e não queria admitir. Até que deu a mão à palmatória. 

Ser discreto e ter mais que fazer que andar em tertúlias a ouvir conversas da treta faz-me saber mais de política do que muitos que andam na política. Saber guardar segredos também me favorece. A arte da política é a mentira, mas o que resta para além da mentira é muito importante para que possamos sobreviver ao fanatismo, ao poder dos que acham que tudo tem um preço, aos jumentos que ganham eleições e por isso acham que passam de burros para cavalos só por aprenderem rapidamente a relinchar. Sou cada vez mais feliz por perceber que escolhi o caminho certo e cada vez mais infeliz por ver tanta gente a cheirar mal, tão habituados ao cheiro da merda que nem se estranham quando cheiram a esgoto.


Na minha última viagem deixei pelo caminho um livrinho de Mary Oliver que me acompanhou em várias viagens. Deixei-o em boas mãos embora admita que nunca mais vou voltar a ver a pessoa assim como não voltarei a ver os chineses para quem cantei o fado à capela na Ilha de Páscoa quando ainda tinha cabelos na cabeça e barba sem cabelos brancos. O livro tem um poema curto que já está gravado na minha cabeça há muitos anos. "As coisas levam o seu tempo. Não te preocupes. Quantos caminhos percorreu Santo Agostinho até se tornar Santo Agostinho?". JAE.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Mudar os pneus faz toda a diferença

O tesouro perto de nós é inerte, como se não existisse só a viagem é que faz com que o tesouro exista.

Tenho uma mota Yamaha XT 600 comprada ao Fernando das bicicletas na Feira da Ascensão de 1998. É a minha mota de eleição apesar de ter uma outra mais nova a que hoje dou pouco uso. Não há dia que não ande de mota desde há cinco anos quando mudei de morada. Antes, a moto era para dar umas voltas pela charneca ou pelos campos do Ribatejo ao fim-de-semana quando ficava na Terra Branca. Hoje é para percorrer a cidade entre a casa e o ginásio, a praia, o cinema e as livrarias, e muitos outros afazeres que preenchem a vida de um homem que não gosta de rotinas mas nem sempre consegue fugir ao ramerrame do dia-a-dia.  A moto ainda não tem 25 mil quilómetros e acabo de lhe mudar os pneus, o que me fez sentir que tenho uma mota nova. Não fazia ideia que uns pneus novos podiam alterar o equilíbrio na mota, dar-lhe outra performance na estrada, maior segurança, um prazer ainda maior de fazer as curvas. Quero dizer:  acho que sabia, mas esqueci-me, a borracha dos pneus ficou requeimada mas o rasto manteve-se bom o suficiente para eu julgar que estava seguro em cima da mota. Não estava.  

Curiosamente liguei recentemente a um médico meu amigo a dizer-lhe que precisava de uma consulta e ele disse-me para aparecer que tínhamos que mudar os pneus e as câmaras de ar para eu não me estampar pelo caminho. Foi já depois de ter mandado mudar os pneus da moto. Contado ninguém acredita mas é verdade. A vida vai-se vivendo e escrevendo de pequenas e grandes aprendizagens.

Escrevo esta crónica no aeroporto de Lisboa, a caminho de um destino africano, já a sentir-me a viajar com pneus novos. Curiosamente esta sensação de partir também tem mudado ao longo dos anos desde que li que a verdadeira viagem é a do regresso. Levo comigo uma biblioteca porque acho que vou ter o tempo todo para ler. Inclui um livro com o título "O Cunho do Editor, que tem uma história maravilhosa entre um rabi que vivia em Cracóvia e um chefe dos guardas de uma ponte em Praga, capital da República Checa, que gira à volta da procura por um tesouro que afinal estava no lugar mais improvável do mundo, mas que o rabi só descobriu porque fez a viagem para o lugar errado. A conclusão do autor do livro é tão bela como a história: "o tesouro perto de nós é inerte, como se não existisse. O verdadeiro objectivo é a viagem, aliás, a viagem improvável. Uma viagem improvável porque leva para longe, para um lugar incongruente, e, sobretudo, porque requer confiança (...) em algo que, por definição, é fugidio e não dá garantias: um sonho. Mas só a viagem é que faz com que o tesouro exista". JAE.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

O teatro de Mónica Calle, o destino de António Costa e as palavras chulas que sabe tão bem utilizar

Numa semana em que em Portugal tudo voltou a desaguar no mar da palha, sem honra nem glória, trago aqui uma história da ida ao teatro de onde trouxe uma palavra chula que serve de pretexto para deixar uma pergunta ao ainda primeiro-ministro António Costa.

A saída de um teatro, depois de ver um espectáculo, é para mim ainda teatro. Regra geral tento sempre ouvir os comentários colando-me às pessoas, ziguezagueando para perceber que conversa me interessa mais. São dois minutos apenas, no máximo, conforme a saída do teatro dá para a rua ou para um espaço ainda interior, onde pode existir uma livraria, ou uma outra forma de adiar a dispersão das pessoas ainda tocadas pela arte de Molière. E o que ouço, muitas vezes, ajuda-me a perceber melhor os meus gostos, a formar a minha opinião, a perceber porque vamos em rebanho ver e ouvir actores em palco a fingirem vidas que não existem, e a darem corpo e voz a histórias na maioria das vezes inventadas.

Na passada semana fui ver “Salomé” ao Teatro São João, no Porto, encenado pela Mónica Calle que é uma das minhas actrizes e encenadoras de eleição. A plateia e o primeiro balcão estavam quase cheios, embora fosse uma quinta-feira. À saída formou-se um cogumelo de pessoas, as primeiras a sair do teatro, onde me encontrava. Uma Senhora, talvez da minha idade, baixa estatura e parecida com a D. Micaela, dona de uma antiga mercearia que ficava colada à minha casa de família, vinha divertida e com um sorriso disse em voz alta para um dos seus pares: “hoje não dormiste, deves ter ficado todo o tempo com os olhos bem abertos... seu c@ralh*”. Na altura em que disse o palavrão os meus olhos cruzaram-se com os dela; deve ter reparado que eu era sulista e levou as mãos à boca sem deixar de sorrir e de fazer a festa e deitar os foguetes no meio do grupo que a acompanhou e que era todo mais ou menos da mesma idade. A actriz que encarna Salomé, Mónica Garnel, esteve quase sempre nua ou seminua em palco, assim como a maioria dos seis actores, e por isso o comentário brincalhão à saída entre pessoas que provavelmente são presença assídua no teatro São João.

A actividade política em lugares de responsabilidade, seja no Governo da Nação ou nas autarquias, devia ser o serviço que todos os cidadãos prestam ao seu país devolvendo tudo ou quase tudo aquilo que o país já fez por eles. A frase é velha e faz parte do vocabulário de muitos políticos. Ouvi-a dezenas de vezes na minha vida de convívio com políticos encartados, uns mais que outros, enquanto vendiam o seu peixe. A verdade é que é muito raro encontrar um político que tenha cumprido, ou que esteja a cumprir, este desígnio. Por isso a política é cada vez mais um teatro, como se comprovou agora com a demissão de António Costa que terá sido o primeiro político português na chefia de um Governo a pedir desculpa aos eleitores já depois de ter caído do pedestal; e, sem rebuços, anunciou que provavelmente já não deve regressar à vida pública, ele que nos últimos anos era notícia quase todos os dias por poder vir a presidir a um grande organismo internacional. António Costa sabe como funciona a Justiça e os anos que estes processos demoram e se arrastam nos tribunais. Mas tudo isto, que é muito triste, não retira a António Costa a fama e o proveito de ser um dos mais brilhantes políticos das gerações do pós 25 de Abril de 1974, com uma carreira invejável tanto no Governo do país como nas autarquias. Então como é que se deixou enredar numa teia de interesses aparentemente montada por gente incompetente, lobystas encartadas, pergunto eu que só me apetece repetir como a Senhora do Porto que estava a meter-se com o seu amigo e companheiro de visitas ao teatro São João: o que é que lhe aconteceu, seu 

c@ralh*, a si que sempre foi um político cuidadoso, honrado, brilhante e destemido? JAE

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

O associativismo é a alma da nossa terra

Os Donos Disto Tudo estão outra vez em causa e por isso António Costa pediu a demissão de primeiro-ministro. Entretanto temos uma CTI ferida de morte e um aeroporto adiado desde o tempo de Marcelo Caetano. Mas o associativismo em Portugal continua lindo e os seus dirigentes pagam do seu bolso para ajudarem a comunidade e ainda choram de alegria e orgulho por verem os frutos do seu trabalho.


Os Donos Disto Tudo (DDT) prepararam uma estrangeirinha à volta do negócio do hidrogénio e da exploração do lítio que acabaram com o reinado de oito anos de António Costa e do PS. Foi um holandês que esteve na origem das denúncias. Tinha que ser um cidadão estrangeiro. Em Portugal, a confiar naquilo que vai sendo exemplo, desde que José Sócrates e Ricardo Salgado, que fizeram uma dupla aparentemente inultrapassável, que ninguém tinha coragem para meter a boca no trombone. Ainda não sabemos para o que estamos guardados, mas certamente que vamos ter o pior São Martinho dos últimos anos porque todas as reformas, más ou boas, vão ficar em banho-maria.


A língua em sangue

O Hospital Distrital de Santarém esteve fechado das nove da noite às nove da manhã na data em que escrevo esta crónica. É muito possível que a situação se volte a repetir ou já se tenha repetido entretanto. Temos os hospitais privados como alternativa mas todos sabemos que o seguro de saúde é uma conquista de uma minoria de portugueses. O SNS vive a sua maior crise de sempre e ninguém jamais saberá quantas mortes é que esta crise vai provocar. Um doente que fique sem assistência, que seja apanhado num dia em que o hospital esteja fechado, que seja esquecido numa cama ou numa maca por falta de profissionais, morre por falta de assistência médica sem que alguém possa ser responsabilizado. A greve é um direito constitucional e os governantes não podem nem sabem exercer medicina. Quem governa o país devia estar com a língua em sangue por não conseguir salvar a vida de pessoas inocentes, que trabalharam e pagaram impostos durante uma vida, e que por causa da incompetência dos governantes e das organizações profissionais, morre como um cão vadio sem direito a veterinário. 

Uma boa parte da culpa da falta de médicos não é do Governo, mas das associações profissionais que manobram os “numerus clausus” que condicionam o acesso de mais alunos aos cursos de medicina. É uma pena que os políticos não denunciem esta vigarice e os interesses instalados de quase todas as classes.


Viva o associativismo

Fui assistir à sessão de aniversário do CPCD na Póvoa de Santa Iria que, entre outras iniciativas, premiou jovens atletas, e vi o presidente da associação comovido, de lágrimas nos olhos, mas também exaltado quando a sala não estava a respeitar o silêncio necessário para a sessão decorrer normalmente. Tal como diz a dirigente Isabel Graça, da Confederação Portuguesa das Colectividades, as associações são a alma das comunidades mas são tratadas pelo Sistema como entidades com fins lucrativos, e os seus dirigentes como gestores de empresas, embora sem acesso ao subsídio de desemprego ou à reforma. O presidente da AIP diz que Portugal tem cerca de quatro mil impostos para as empresas; os dirigentes associativos ligados ao desporto, à cultura e ao recreio, dizem que se substituem ao Estado e ainda levam com os impostos como se fossem empresas. Isto só na terra dos DDT.


Ferida de morte

Com a demissão de António Costa, que se deixou envolver em mais um esquema em que os DDT achavam que podiam pôr e dispor, fica ferida de morte a CTI para o novo aeroporto. Quem corre por fora diz que Deus escreve direito por linhas tortas; e quem faz política lembra que foi preciso um holandês a fazer queixa dos compadres portugueses para cair o Carmo e a Trindade e Marcelo Rebelo de Sousa ter que trabalhar e deixar de andar por aí a fazer figura de Tio Patinhas e de homem do circo, embora sem bola vermelha no nariz. JAE.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Uma crónica para lembrar Samuel Barradas

Escrevo em cima do fecho desta edição incentivado por uma carta de um leitor de Azambuja, Joaquim Moreira, que quer contar a sua aventura como escritor. É disto que eu gosto. Que uma boa parte da matéria editorial de O MIRANTE chegue pelo telefone, ou pelo correio, com sugestões dos leitores para artigos de sociedade e de política, mas também de cultura que regra geral é marca da nossa identidade.

Embora seja comum dizer-se que um jornalista nunca se reforma, tal como um médico, não tenho tanta certeza que um dia destes não arrume as botas e não deite a toalha ao chão. Trabalho não me falta. Se é jornalismo ou literatura ou terapia da alma, que seja em meu proveito. Só espero que quem me vai substituindo não ache que lhes deixei uma herança envenenada pois este trabalho não é para meninos.

Escrevo em cima do fecho desta edição incentivado por uma carta de um leitor de Azambuja, Joaquim Moreira, que quer contar a sua aventura como escritor. É disto que eu gosto. Que uma boa parte da matéria editorial de O MIRANTE chegue pelo telefone, ou pelo correio, com sugestões dos leitores para artigos de sociedade e de política, mas também de cultura que regra geral é marca da nossa identidade.

Nos dois dias em que esta edição de O MIRANTE viaja da gráfica para os CTT, e depois para as caixas do correio dos assinantes e para a empresa distribuidora, vou marcar presença no lançamento de um livro de Fabião Coutinho, na Póvoa de Santa Iria, e de um outro de Jorge Miguel, na Desmor, em Rio Maior. Nos dois casos são livros que ajudei a paginar, a rever, a desenhar as capas, a escolher os textos para as badanas; fui eu que os enviei para a tipografia, que os fui levantar, que os transportei para a sessão de lançamento, e ainda não sei se não vou ser eu que os vou vender ou oferecer, conforme a situação.

Nos últimos dias não fiz ponta de corno mas não parei de fazer projectos para o futuro. O meu telemóvel está cheio de mensagens a puxarem por mim como se eu fosse um rebocador de uma estrada ribatejana em tempo de cheias do Tejo. O meu email consome-me mais tempo do que aquele que tenho para ir diariamente ao ginásio, à piscina e à sauna.

Já só fumo duas vezes por dia, mas entretanto tripliquei o número de vezes que vou fazer terapias, ou seja, mexer o corpo para não enferrujar e morrer jovem quando chegar a hora. Longe vá o agoiro que falar da morte é coisa que não está no meu dicionário de palavras. Mas há bem pouco tempo é que soube que morreu o Samuel Barradas, o ourives da Golegã que toda a gente da terra conhecia e que eu também conheci quando me iniciei na mesma vida de vender relógios. Tudo o que aprendi com ele já esqueci, mas na altura foi um dos meus mestres, embora nem ele tenha chegado a saber como lhe roubei o conhecimento, e como a sua vida de ourives e relojoeiro influenciou a minha que foi bem mais curta e disso me orgulho.

Se esta crónica ficasse no computador não se perdia nada. Ou perdiam-se apenas estas últimas linhas porque estou a recordar o Samuel Barradas, que morreu já faz quase um ano e eu só soube há meia dúzia de dias. Não é justo que as pessoas morram sem lhes agradecermos o que fizeram por nós. Sei isso desde que morreu a mulher que ajudou a minha mãe a parir-me, e que foi a última desses tempos que me chamava por Joaquim António com as palavras todas, como eu me lembro de ouvir o meu nome quando brincava com os amigos da escola na rua da Formiga. JAE

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A greve dos médicos é uma vergonha num país onde a política já viveu melhores dias

O SNS, as leituras subversivas, o caminho de ferro em Alhandra e o que vai rio abaixo.


Confesso que tive a semana mais espectacular dos últimos tempos e não saí dos mesmos caminhos dos últimos anos. Bastou começar a olhar mais para o lado do que para a frente e vi novas paisagens, conheci outras gentes e fui desafiado a meter-me em novas aventuras. Finalmente vou construir uma casa na árvore, dormir a sesta mais vezes e ler todos os livros que tenho em atraso. A minha máxima continua a ser inspirada em Sócrates, o filósofo: ler e aprender até morrer. “O que está presente lembra-te de organizar, sereno; as restantes coisas ao modo de um rio são levadas”.

Talvez por andar mais atento e a olhar para o meu umbigo registei o facto de esta semana, no mesmo dia, ter sido enganado nas contas em dois supermercados diferentes. Num comprei duas pastas de dentes e facturaram três e noutra comprei quatro garrafas de água de marca branca que foram facturadas ao triplo do preço que estavam marcadas. Só dei pela última já que na primeira estava na conversa com um amigo que não encontrava há muitos anos.

Para quem gosta de literatura subversiva recomendo o livro de Virginie Despentes, “Teoria King Kong”, e para quem aprecia um bom romance a leitura de “A Valsa do Adeus”, de Milan Kundera. Foram duas das leituras desta semana cheia de boas surpresas, incluindo a chegada do Outono que é a estação em que me encontro na vida. Lembro-me de ter 30 anos e perguntar que eternidade me faltava viver para chegar aos 60, ou aos 70, e já cá estou e nem dei por isso.

Fui ao teatro e só gostei da interpretação. É difícil escrever para representar e são poucos os escritores que sabem do ofício. Se vivesse no Porto tinha mais sorte; o Teatro São João teve em palco “A promessa” e “O pecado de João Agonia”, duas peças de Bernardo Santareno, o dramaturgo português mais significativo do século XX, que devia estar sempre presente na vida cultural da cidade de Santarém.

Esta semana atravessei-me por uma pessoa que disse que gostava de apresentar aos vilafranquenses uma proposta que resolve muitos dos problemas da quadruplicação da linha de caminho de ferro que tem provocado algumas manifestações populares. O projecto foi desenhado há muitos anos e quem o fez não quer perder a face nem que para isso tenha que subir as escadas do inferno. A resposta de quem organiza as manifestações foi a mesma que os manifestantes estão a receber dos responsáveis pelo projecto. Quando não é o Governo que pode e manda são os partidos que se fecham nos seus interesses ideológicos e os seus militantes nas suas obsessões partidárias; a esquerda vai pagar caro em Portugal a incapacidade para perceber que a ideologia já não faz revoluções; todos juntos somos poucos para combater os interesses instalados, assim como os extremismos de direita e de esquerda.

As greves dos médicos e enfermeiros são uma vergonha num país onde as desigualdades crescem todos os dias e se morre na cama de um hospital por falta de cuidados médicos. Quem não pode recorrer aos hospitais privados não pode dormir descansado. O Governo herdou um Serviço Nacional de Saúde que já era. Nos últimos anos os políticos do PS e PSD têm feito o caminho e a cama aos dirigentes partidários aventureiros que querem facturar mais com o descontentamento do povo que com os seus méritos (que não têm). E vão conseguir. Todos os dias, entre os dirigentes do PS e PSD, cresce o número dos que vão para a política para se servirem e não para prestarem serviço público. Sempre foi assim, mas a coisa está a ficar preta. Valha-nos o S. Martinho que está aí à porta. JAE.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Uma visita a A-do-Freire para trabalhar e comer figos

Adofreire não é uma aldeia qualquer perdida no mapa. É lá que vive a mais entusiasta produtora de figos de Torres Novas e o senhor João Alves Baptista que tem 83 anos e nasceu em Viana do Castelo.

Adofreire é uma aldeia do concelho de Torres Novas onde vivem cerca de 150 almas. Fui lá pela primeira vez muito recentemente no regresso de uma viagem ao Porto, onde renovei energias a ouvir a água de uma cascata, entre idas ao cinema, à livraria e uns mergulhos nas praias fluviais.  No dia que desci a sul parei em Adofreite.

Estacionei o carro junto à igreja e sentei-me no degrau de uma porta à espera da Michele Rosa, a produtora de figo preto com quem tinha marcado encontro. Nesse meio tempo, que durou cerca de 20 minutos, só passou por mim uma alma, que puxava uma traquitana a arrojar pelo chão. Entretanto chegou companhia para fazer dupla no trabalho que me levou a Adofreire, e a presença do carro identificado com o símbolo de O MIRANTE incentivou a conversa entre forasteiros e residente. A única alma que tinha passado por mim e dado os bons dias, puxando a traquitana, estava de volta já sem a geringonça pela mão. João Alves Baptista parou na esquina da rua e desta vez meteu conversa. “Este jornal já entrou na minha casa durante muito tempo. Depois deixei de o receber. Tive pena, mas o dinheiro nunca é muito para pagar o que não é pão para a boca”, disse, identificando-nos com o carro, também estacionado no largo da igreja, como se tivéssemos escritos na testa.

“Agora já nem tenho olhos para ler. Mas vim aqui parar de uma terra que tem a festa tradicional mais famosa de Portugal, sabem qual é”, perguntou em jeito de quem queria saber e perceber se a nossa vontade de interagir era genuína. Viana do Castelo, respondemos quase em cima da pergunta. Os seus olhos sorriram e demos-lhe razões para continuar a contar a sua história de vida como se fosse sua obrigação fazer o papel de anfitrião da aldeia enquanto esperamos a mais entusiasta produtora de figos da região.

“Tenho 86 anos e este menino que vos fala ainda faz a lide da casa e trata da mulher que, infelizmente, precisa da minha ajuda. Fui trabalhar para Lisboa onde morei 20 anos. Depois mudei-me para aqui porque vim trabalhar para a Renova. Reformei-me e trabalhei durante muitos anos como empregado de mesa a fazer festas e casamentos. Corri o país. Agora acabou-se. Estou preso em casa por causa da mulher, mas também porque, entretanto, fiquei doente dos pulmões. Uso bomba duas vezes por dia, uma de manhã e outra à noite. Foi há quatro meses que um médico que me deu mais atenção mandou fazer exames. Já andava assim há muito tempo, mas agora os médicos só tratam o que está à vista. Não há tempo para mais. Daí que tenha chegado a um estado ruim, de uma doença pulmonar que demorou a descobrir por falta de exames atempados”.

A conversa estava a aquecer e íamos começar a falar dos filhos e das saudades da terra natal quando apareceu o carro da Michele Rosa que parou e gritou, “bom dia senhor João”, já nós tínhamos levantado o rabo da pedra do degrau da porta para ir ao seu encontro, enquanto o senhor João respondia à saudação e dizia, no timbre de voz em que falávamos, que a Michele era uma rapariga de confiança e filha de gente boa.

Nesse meio tempo em que conversamos com João Alves Baptista, Adofreire parecia a aldeia dos peregrinos; se não fosse a meia dúzia de carros que circularam, e que desapareciam sem fazer barulho suficiente para interromperem a conversa, dir-se-ia que naquela tarde, em Adofreire, éramos os únicos habitantes que não dormiam a sesta ou não se escondiam do sol de Verão entre quatro paredes.

A história acaba aqui, mas, entretanto, ainda está actual a outra que fomos contar conversando com Michele Rosa, que nos mostrou pela primeira vez na vida como se produzem figos de forma ecológica, pendurando armadilhas nas figueiras para apanhar as moscas e assim evitar a pulverização das árvores com o veneno que garante o crescimento saudável do figo, mas prejudica a saúde. Falta contar que Adofreire não é uma aldeia qualquer perdida no mapa apesar de ter apenas cerca de 150 eleitores. No dia 14 de Janeiro de 2001 a população desta localidade boicotou as eleições presidenciais portuguesas não comparecendo às urnas para votar, em protesto, contra a falta de cumprimento da promessa da autarquia de Pedrógão, sede da freguesia, sobre a resolução do problema da poluição da ribeira local. E ainda tem a particularidade de se poder escrever com duas grafias diferentes. JAE.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Cada vez há menos jornalistas a escreverem sobre o que se passa no país

“Jornalismo é imprimir o que outra pessoa não quer que seja impresso: todo o resto são relações públicas.”  George Orwell


“Há uma crise na formação da opinião pública”, diz José Luís Cebrian, porque “o populismo levou a melhor”, e os políticos esfregam as mãos de satisfeitos por verem que são cada vez menos escrutinados porque há cada vez menos jornalistas a escreverem sobre o que se passa no país. 

As notícias sobre o futuro da comunicação social não são boas para os jornais. Quem é bom observador sabe que nos últimos anos as tiragens em papel dos principais jornais nacionais desceram para números irrisórios; nos casos dos jornais líderes como o Expresso, o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias, a tiragem desceu para menos de metade. É assim também em Espanha que é o país da Europa onde a imprensa escrita tem mais força e onde os diários se multiplicam em várias regiões.

A verdade é que os grandes títulos deixaram de fidelizar leitores como acontecia noutros tempos. E a culpa não é do mercado, mas da forma como os editores continuam a trabalhar, privilegiando as notícias de Lisboa, próximas dos poderes da capital do reino, assim como o acompanhamento das figuras mais mediáticas graças ao papel das televisões que são um caso à parte no meio editorial.

A crise veio pôr a nu outro problema no jornalismo que é  a falta de profissionais com mérito, e também com liberdade editorial, para a formação da opinião pública. É evidente que cada vez mais os jornalistas se dividem nas suas opiniões entre esquerda e direita. Mas o que é mais grave é que falta cada vez mais quem nos conte o que se passa no país, quem leve a carta a Garcia; e no caso dos que só escrevem opinião nota-se, cada vez mais, que os jornalistas estão entrincheirados, ou porque são condicionados pela entidade patronal ou sem capacidade de saírem dos seus casulos. Não é discutindo a ética na profissão que se aprende a respeitá-la, mas é por demais evidente que falta essa discussão; os jornalistas parecem exercer uma profissão em extinção, nem a porra de um congresso conseguem organizar que não seja de dez em dez anos. E há outra coisa extraordinária na profissão: os poucos jornalistas que verdadeiramente se fazem ouvir e são lidos, regra geral também eles são estrelas de televisão.

Os meus 36 anos de actividade profissional, quase desde o início envolvido no movimento associativo a nível nacional, fazem com que já tenha saudades de muita gente que deu o corpo ao manifesto mas que, entretanto, desapareceu de cena vencido e, nalguns casos, verdadeiramente derrotado. Este texto não é exactamente para falar deles mas para lembrar que O MIRANTE continua a ser um projecto de jornalismo de proximidade graças aos ensinamentos que essa gente nos deu. É cada vez mais evidente que os jornais ditos nacionais jamais vão renovar-se; mas não podemos perder a esperança na força do mercado e na reinvenção de negócio. Nos últimos 15 anos fecharam centenas de jornais locais e regionais. O fecho desses jornais era tão previsível como o aumento da influência da Internet nas nossas leituras, incluindo as notícias. E não podia ser maior o aviso à navegação dos denominados almirantes da comunicação social.

“Há uma crise na formação da opinião pública”, diz José Luís Cebrian, porque “o populismo levou a melhor”, e os políticos esfregam as mãos de satisfeitos por verem que são cada vez menos escrutinados porque há cada vez menos jornalistas a escreverem sobre o que se passa no país. 

Uma última nota para dar conta que é minha convicção que um dia todos os jornais em Portugal copiarão o modelo de O MIRANTE, talvez fazendo melhor e com mais meios; se não o fizerem morrem no seu posto mas sem leitores. JAE.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Não sou o Manuel da Pastora mas sou do tempo dele

Escolhi o Manuel da Pastora para esta crónica por causa do valor dos euros na nossa vida de pobres mortais, o valor das propriedades para quem um dia morre e se transforma em pó. Tenho a certeza que o Manuel da Pastora, se fosse vivo e precisassem dele para gerir a coisa pública, era mais competente que esta rapaziada de hoje.

Na minha terra havia um homem chamado Manuel da Pastora que tinha a fama, e talvez o proveito, de ser um forreta. Era um pequeno proprietário de terras com algumas vacas num quintal de uma casa rural no centro da vila da Chamusca, que vendia leite; abastecia uma leiteira, a senhora Custódia, que ia de casa em casa com uma bilha de bico mas vendia também a quem entrava pelo portão da propriedade uma de bilha de mão (hoje uma pesquisa na Internet mostra como estas peças se tornaram objectos de colecção). Em rapaz trabalhava perto da casa do Manuel da Pastora; conheci-o bem, o suficiente para me lembrar da fisionomia dele como lembro a de alguns familiares. Para a época era um homem remediado, com um feitio de bonacheirão, mancava, o que o obrigava a usar bengala, e era de poucas conversas. Como tinha o privilégio de trabalhar atrás de um balcão, num espaço onde ele ia de vez em quando, tinha estatuto para lhe roubar confidências. A alcunha de Manuel da Pastora é fácil de decifrar, porque tinha vacas leiteiras, e a de associar o seu nome a um forreta também não é difícil de perceber. Quem vende e vive do que vende é lógico que tem que ser rigoroso nas contas; e o trabalho por conta própria, às vezes, é também tão castigador que faz com que a pessoa mais sensível ao sofrimento dos outros se torne uma pedra quando lhe pedem fiado ou uma pequena facilidade na compra. Dantes, como hoje, a maioria das pessoas que pediam fiado um dia fugiam e deixavam rasto. Não era por mal. Parecia evidente que fazia parte do contrato de ter conseguido crédito. Não estou a generalizar; muitas vezes as pessoas não conseguiam mesmo sobreviver sem essa facilidade de comprar fiado e conheci e conheço pessoas que não dormem enquanto não pagam as suas dívidas. Também era assim nesses tempos, só que hoje uma lata de sardinha custa um euro e um maço de cigarro custa o preço de cinco latas de sardinha. E hoje é mais fácil a uma pessoa pobre sustentar o vício do tabaco do que nos tempos de Salazar era matar a fome.

Lembro-me muita vez do Manuel da Pastora por o seu nome estar associado a uma pessoa avarenta, egoísta, gananciosa, o que não tenho a certeza que fosse o caso. Mesmo assim sempre tive receio que por tanto trabalhar, e a vida me correr bem, me tornasse num Manuel da Pastora, com medo que o dinheiro nunca fosse suficiente, guardando sempre para o dia seguinte aquilo que já deveria ter gasto, viajado, comprado, usufruído nos anos anteriores. Ainda hoje, e por isso escrevo sobre o assunto, apanho um cêntimo do chão e guardo na carteira, mais em memória desses tempos antigos e do respeito que tenho pelo dinheiro, do que pelo valor ou por qualquer superstição. No meu dia-a-dia, a cada dia que se aproxima a idade da velhice, gasto menos dinheiro do que gastava. Se viajo evito hotéis caros, troco os restaurantes de luxo pelas tascas ou cervejarias, não estrago o dinheiro anunciando, na noite, balcão aberto para os amigos e amigas; conheço as regras principais para poupar gasóleo, água e luz, sou eu que vou com os carros às oficinas, compro e pago para saber sempre com o que conto e estou cada vez mais atento para ajudar na altura certa, e não por capricho ou vaidade, aqueles que são da família.

Sempre gostei no meu tempo de formação de ter a atenção dos homens mais velhos, de jogar às cartas a dinheiro com eles, de lhe ouvir contar o que se passava de errado nas suas vidas, de estudar as palavras e as atitudes dos mais temidos e respeitados. Em vez do Manuel da Pastora podia ter escrito uma crónica contando os episódios de vida com o Manuel Salgado, Tomaz Vacas, Manuel Eduardo Tecedeiro, José Félix, António Padeiro, Manuel Estevão Laranjinha, entre tantos outros. Escolhi o Manuel da Pastora por causa do valor dos euros na nossa vida de pobres mortais, o valor das propriedades para quem um dia morre e se transforma em pó; e escrevi também, embora aqui a escolha não tenha sido importante, porque a Chamusca é uma terra cada vez mais decadente; tenho a certeza que o Manuel da Pastora, se fosse vivo e tivesse forças, e precisassem dele para gerir a coisa pública, era mais competente que esta rapaziada de hoje. JAE.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Reforma compulsiva é tão violenta como um despedimento

No final da passada semana participei activamente na organização, e depois na concretização, de uma mesa redonda sobre “Transições de vida em pessoas com mais de 50 anos”. Embora fizesse parte do painel do debate remeti-me ao silêncio porque a companhia era de peso e tinha muito para contar. Escrevi este texto que resume a iniciativa e pode interessar a quem está atento às novas realidades no mercado de trabalho, mas também na vida social e cultural.


A Constituição Portuguesa no seu artigo 13 diz que ninguém pode ser discriminado em razão da orientação sexual, religião, raça, situação económica e convicções políticas ou ideológicas. Mas pode ser em razão da idade e isso é a maior discriminação que se pode fazer a uma pessoa em vida, diz Maria João Valente Rosa, socióloga e demógrafa, que no dia 21 foi uma das que participou numa mesa redonda promovida pela InTransitus, moderada por Maria Ana Botelho Neves, professional activator. Rita Cunha, André Moreira e Vera Norte, completaram o painel que debateu o papel das transições de vida  em pessoas com mais de 50 anos. O objectivo era mapear tendências e desafios emergentes.

Foi a primeira iniciativa pública da InTransitus. Maria João Valente Rosa abriu a conversa e não foi meiga com os políticos que parecem desinteressados dos problemas das pessoas mais velhas, dando como exemplo a questão da reforma obrigatória aos 70 anos: “A discriminação pela idade e o facto de estar a ser ignorado que vivemos numa sociedade de vidas longas. André Moreira é director de operações e parcerias, Movimento 55+, Movimento e Plataforma 55+, que trabalha no mercado com mão-de-obra oferecida exactamente por pessoas que se reformaram e não querem ficar paradas. André contou vários episódios que demonstram as dificuldades que existem para as pessoas que querem ser úteis, mas também para aqueles que precisam de mão de obra e ainda gostam de recrutar pondo a idade como um motivo de escolha. André tem 34 anos, era de longe o mais novo de todos os participantes, e contou que tirou a carta de condução ao mesmo tempo que a sua avó, e frequentou a universidade ao mesmo tempo que o pai; Os exemplos serviram para contar que tem consciência que vive numa sociedade cada vez mais mudada e diferenciada e que não faz sentido discriminar as pessoas por serem mais velhas.

Vera Norte, assessora de comunicação e empresas da Associação dNovo, que também mobiliza pessoas em transição para o mercado de trabalho, contou a sua história pessoal e exemplificou: “quando me perguntam a idade digo que tenho um filho com 31 anos”. Depois contou que no seu tempo a maioria das mulheres não ia para as fábricas, mas ela foi tirar um curso e acabou em engenheira química; depois, contrariando tudo o que era norma, que era as mulheres não saírem de casa, emigrou para a Dinamarca e fez lá boa parte da sua carreira profissional. 

Rita Cunha, professora catedrática de Gestão de Recursos Humanos já tinha dado o mote mas mais tarde constatou a situação que marcou o debate; “Todos se indignam quando são vítimas de despedimento, ou sabem de alguém que sofreu essa situação traumática, mas a reforma compulsiva não deixa de ser também uma violência, e nos nossos dias pode ser considerada uma forma de violência tão grande ou ainda maior que a de um despedimento, porque as pessoas que sofrem essa situação não têm quem as apoie, está instituído que são uma carta fora do baralho, e mesmo que não sejam é assim que são vistas”, disse.

“As gerações vivem separadamente e as próprias sociedades, ou os seus representantes, organizam assim a nossa vida colectiva; esse é o mal. A educação tem um efeito mais diferenciador do que a nossa idade. Apenas cerca de trinta por cento do nosso envelhecimento é genético, o resto depende do nosso comportamento social, e pouca gente quer saber disto, preferem ignorar porque dá trabalho ajustar políticas públicas e privadas, mas não desisto de falar destes assuntos para que na União Europeia a questão da idade deixe de vir à cabeça em todos os estudos sobre discriminação”, insistiu Maria João Valente Rosa.

Maria Ana Botelho Neves provocou ainda a discussão à volta de situações em que um profissional que vai para a reforma, ao cortar a relação com o trabalho corta também o interesse pela vida; O assunto foi pretexto para contar episódios de pessoas que ainda hoje, depois de serem despedidas, continuam meses e meses a esconder da família essa realidade, até que um dia, já em grande sofrimento, são obrigadas a deixar cair a máscara da vergonha. JAE.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Viver no campo é um descanso e mais ainda se for perto da charneca

No campo já se fez a vindima, apanhou-se o trigo, o milho e o tomate, e a maioria das árvores de fruto já está a perder a folha

A litoralização do país e a desertificação dos territórios do interior só se explica porque vivemos num país governado por políticos impreparados, vaidosos, que facilmente se deixam manobrar pelo sistema capitalista e que, em alguns casos, não resistem à tentação de se deixarem corromper pelo sistema; não só por que alguns são mesmo corruptos, mas por que a maioria é incapaz, e não se rodeia de pessoas que os protejam das artimanhas dos oportunistas.

O melhor de Portugal está no interior e sempre esteve; é injusto o que está a acontecer no Alentejo e no centro do país, e o que já aconteceu e é irremediável numa boa parte do norte de Portugal, embora ainda seja a melhor parte do nosso território.

Fugi da cidade para o campo porque não suporto a vida citadina a tempo inteiro. Para fugir da cidade vale tudo, nem que seja ir à praia mesmo a chover ou caminhar à beira Tejo só para energizar as pernas.

Desta vez fui apanhar os últimos figos que os pardais deixaram para mim; são eles que estreiam os primeiros figos maduros e os que bicam os últimos que, embora de casca mais grossa, ainda são tão doces como os primeiros. No campo já se fez a vindima, apanhou-se o trigo, o milho e o tomate, e a maioria das árvores de fruto já está a perder a folha. Resta a oliveira onde os bagos de azeitona engrossam a olhos vistos, as romãzeiras, os dióspiros que em menos de uma semana vão ficar maduros demais, e os marmelos, principalmente das árvores da beira da estrada e dos valados, que ninguém apanha e acabam por apodrecer. Os marmelos e os figos que ficam nas árvores na nossa região são o melhor exemplo dos tempos que vivemos. Já não falo da azeitona que, em alguns casos, também não dá para a apanha; e muito menos falo do tempo em que os portugueses do Alentejo e do Ribatejo iam ao rabisco das uvas e do milho para matarem a fome e os marmelos e os figos da beira da estrada serviam para as nossas avós fazerem doce que durava para lá do Natal.

Agora que as uvas, o milho e as azeitonas se apanham com máquinas, o rabisco até se mete pelos olhos dentro; mas sou do tempo do rabisco da cortiça, o que quer dizer que já sou tão velho e enrugado que até fico com vergonha de escrever sobre temas que para alguns hão-de parecer ficção científica.  Viver no campo é um descanso e mais ainda se for perto da charneca ou da montanha; é aí que sabemos verdadeiramente que um dia "quando faltamos a nós próprios tudo nos falta". JAE .

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

A leitura obrigatória de Rosa Montero e Ursula K. Le Guin

O novo livro de Rosa Montero é para maiores de 18 anos por tratar da loucura e do suicídio só para gente com juízo: Ursula K. Le Guin é outra conversa, mas vale a pena porque foi uma escritora excepcional e escreveu ficção científica que, lida agora, parece premonitória quanto aos que estamos a viver no planeta Terra.

Há algo

Do tamanho de uma ervilha seca

Que não escrevi.

Que não escrevi bem.

Não consigo dormir.


Estes versos são de uma escritora de ficção científica chamada Ursula K. Le Guin e foram transcritos do último livro de Rosa Montero com o título “O perigo de estar no meu perfeito juízo”. Rosa cita a autora várias vezes no seu último romance e já no final do livro conta algumas conversas que se enquadram no tema do seu novo e extraordinário romance sobre a loucura, principalmente a loucura dos escritores, que são muitos a encherem as 240 páginas do livro.

Ursula K. Le Guin, que eu nunca tinha lido nem sabia que existia (nunca tive interesse na leitura de ficção científica), escreveu “Os Despojados”, que já li, entretanto, e que é uma descoberta maravilhosa para quem nunca se interessou pelo tema. Ursula K. Le Guin perdeu a inspiração para escrever muito antes de morrer e Rosa Montero, que ainda escreve como uma louca, pergunta-se como é possível alguém perder a pulsão criativa, embora admita que também tem esse medo; depois concluiu: “Talvez a arte não seja mais que uma função física, um produto do estado dos nossos ossos, das nossas vísceras, dos nossos músculos. Digamos que a velhice nos vai roubando a energia, essa potência que, segundo todos os especialistas, é tão essencial no processo criativo. Digamos que a velhice nos apaga”.

“O perigo de estar no meu perfeito juízo” é um livro para maiores de 18 anos sem peneiras; uma leitura que é um perigo, ou pode transformar-se num milagre, para quem está a envelhecer e não sabe muito bem se vai ficar louco, e se é mesmo verdade que já “trazemos a escuridão dentro de nós. A morte já está no corpo enquanto vivemos. Somos seres transitórios”.

Li o livro como um adolescente que descobre uma gruta cheia de pontos luminosos, que afinal eram palavras, mas a determinada altura pareceu-me que a autora elogiava de tal modo a loucura, que leva ao suicídio, que nos ataca a todos a partir de certa idade, que tive medo de a levar a sério neste romance que é ao mesmo tempo ensaio e biografia.

Os versos iniciais deste texto são a súmula perfeita daquilo que retive deste último livro de Rosa Montero, cuja obra conheço de várias leituras. Mas há outra ainda mais extraordinária, e salvadora, no meio de tantas histórias de génios, loucos e suicidas que atravessam a cultura dos últimos séculos; Rosa Montero dá voz a Sancho Pança que diz para o seu Cavaleiro Andante: “Não morra vossa mercê, senhor meu amo, mas tome o meu conselho e viva muitos anos, porque a maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem mais nem mais, sem ninguém nos matar, nem darem cabo de nós outras mãos que não sejam as da melancolia”.

Não vou fazer mais publicidade ao livro de Rosa Montero porque acho que todos reconhecem a escritora e a sua genialidade. Aproveito o espaço que me resta para contar que “Os Despojados” é um livro publicado há meio século, que conta a história de um homem em busca da reconciliação de dois mundos, em Anarres, um planeta conhecido pelas extensas áreas desérticas e habitado por uma comunidade proletária. Grande parte do romance é premonitório para o que se passa nos nossos dias e os diálogos não deixam mentir. Quem quiser espreitar a vida noutro planeta deve ler “Os Despojados”, um livro de ficção onde já se recicla a urina para matar a sede, a fome e a sede são assuntos mais importantes que a limpeza, existem três oceanos cheios de vida animal mas a terra está vazia e nem sequer há insectos para fecundar as plantas; as árvores de fruta importadas são todas fecundadas à mão. JAE.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A política para os políticos e o jornalismo para os jornalistas

A política não se faz de comparações assim como o jornalismo não se compara com o trabalho de publicar informações oficiais. Pequena introdução para contar duas histórias que acho que têm sumo para serem espremidas.


Os políticos de proximidade com que os jornalistas de O MIRANTE lidam quase todos os dias são os melhores da nossa vida política e, para o bem e para o mal, têm de aceitar o escrutínio dos jornalistas que, tal como eles, trabalham no território onde também residem e têm a sua vida.

Tenho duas histórias para contar que ilustram a personalidade de dois políticos jovens que são diferentes como o preto do branco, mas que definem o poder de liderança, a capacidade de desempenhar um cargo público, a resposta a uma comunidade que se não for informada não acredita na democracia nem quer ser parte activa da sua colectividade.

Recentemente fizemos notícia em Vila Franca de Xira que iam ser recuperados três pavilhões ao abandono para instalação de aviários. A concretizar-se o projecto a actividade vai pôr em risco a qualidade de vida das populações que moram por perto. Na altura procuramos confirmar a notícia junto do presidente da câmara Fernando Paulo Ferreira, que garantiu que a notícia não era verdadeira. O MIRANTE apoiou-se em fontes credíveis e avançou com a notícia. Fernando Paulo tinha iniciado o seu mandato há pouco tempo e desconhecia ainda alguns dossiês da sua autarquia. Quando soube que a notícia de O MIRANTE tinha fundamento ligou ao jornalista e sem lhe dizer o que queria pediu para lhe falar com urgência. Quando se encontraram foi para lhe pedir desculpa por lhe ter garantido uma coisa que afinal não era verdade e que só o fez por estar mal informado.

O pequeno e pobre concelho da Chamusca é governado por dois autarcas que se completam e complementam, Paulo Queimado e Cláudia Moreira, que são o exemplo dos políticos autocratas, que acham que o poder que têm dá-lhes imunidade às críticas e ao escrutínio dos jornalistas. Daí que cada notícia de O MIRANTE sobre a pobre liderança dos políticos locais chamusquenses seja um ataque à sua honra e dignidade. Está provado à saciedade que Paulo Queimado e Cláudia Moreira passam metade do tempo do seu trabalho a controlar os funcionários e a “educá-los” para a sua gestão de boca calada, já que se têm pouco trabalho e fazem pouco ao menos que paguem essas vantagens com a boca fechada. Paulo Queimado e Cláudia Moreira gerem o município da Chamusca em guerra aberta com os opositores, de costas voltadas para a população, contra todos os princípios básicos na política de proximidade. O MIRANTE tem noticiado exemplos chocantes de comportamentos dignos de políticos que não honram o Partido Socialista e muito menos a democracia portuguesa.

Pegando no bom exemplo de Fernando Paulo, recordo que Paulo Queimado já chamou filho de puta a um jornalista que estava a trabalhar enquanto ele se divertia e, no mesmo local e na mesma altura, o carro de trabalho do jornalista teve que ser rebocado porque os pneus foram atacados à navalhada. 

Recentemente a mulher do ex-presidente da Câmara da Chamusca, Elisete Gomes, indignou-se nas redes sociais por ter obras à porta de casa que não andam nem desandam e prejudicam a saída de casa do marido que tem graves dificuldades de locomoção. Diz ela que ele tem que ficar em casa fechado de forma injusta, dando a entender o que todos sabemos; a rua é curta e estreita e nada custava começar e acabar o trabalho de forma a que a Chamusca não ficasse um estaleiro de Obras interminável. Paulo Queimado e Cláudia Moreira devem estar de férias como sempre ou talvez entretidos a ler os relatórios sobre os funcionários que estão do lado deles ou contra eles.

A pequena vila da Chamusca tem cerca de três mil habitantes e o concelho menos de nove mil. Vila Franca de Xira tem mais de 140 mil habitantes e faz parte da Área Metropolitana de Lisboa, enquanto a Chamusca é um presépio quase no centro do país, entre a charneca e a lezíria, com o rio Tejo a deslizar por entre o território. Para nós, que somos da região e sentimos os problemas do território, as diferenças estão nas pessoas e não na dimensão das casas, do território ou nos orçamentos municipais. Por isso, não só promovemos a informação como incitamos ao debate, fazemos serviço público mas não somos funcionários públicos, não trabalhamos só atrás de uma secretária, vamos para a rua e depois escrevemos o que achamos justo, como devia ser regra no jornalismo, e às vezes também não é, principalmente no jornalismo de proximidade que é a melhor e a mais desafiante profissão do mundo. JAE.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Santarém não se discute

Santarém é a capital do distrito mas não parece a confiar no debate político que está pela hora da morte. Quase 20 anos depois de ter perdido as eleições para a câmara Rui Barreiro ainda é o Soba dos socialistas escalabitanos. 

O debate político está pela hora da morte; Santarém não se discute como não se discute a política na Barquinha ou em Alcanena, no Cartaxo ou em Azambuja. Não há massa crítica que sobreviva depois de umas eleições em que um partido ganha o Poder. Falo de Santarém porque é a capital do distrito. O actual presidente da câmara, Ricardo Gonçalves, herdou uma autarquia minada por Moita Flores, que deixou a câmara pior do que a tinha herdado de Rui Barreiro. Não vou fazer ainda o escrutínio do reinado de Ricardo Gonçalves, mas vou deixar aqui escrito preto no branco que dificilmente Santarém muda de cor partidária nas próximas eleições. Santarém não se discute, repito, é tudo igual ao quilo; se um socialista importante no aparelho precisa de emprego na Câmara de Santarém para a sua mulher ou prima, quem entra em acção e vai pedir batatinhas é Rui Barreiro. E isto é só um exemplo. Ninguém dá por isso, mas o PS de Santarém ainda é gerido pelo homem que perdeu a câmara há quase 20 anos para o PSD, e quatro anos antes, quando a ganhou, só faltou dar ordem de prisão para José Miguel Noras, o seu antecessor. E há uma razão profunda para que Rui Barreiro ainda seja hoje o elo mais forte do PS de Santarém: ele é homem de negócios, para ele é mais importante controlar o PS que o partido voltar a ganhar a câmara. Porquê? Porque precisa da máquina partidária para defender os seus interesses pessoais. É assim em Santarém e em todo o país. Os grandes herdeiros do 25 de Abril são os políticos que se eternizam nos lugares e tomam conta da administração do Estado enquanto funcionários públicos, como é o caso de Rui Barreiro, embora a sua vida tenha sido ocupar cargos de administração de empresas do Estado.

Assim como é evidente que Ricardo Gonçalves não teve tempo nem equipa para reformar os serviços técnicos da câmara, que são quem manda nisto tudo Rui Barreiro vive da baba e do ranho que deixou em cada canto do município e assim vai sobrevivendo como uma aranha dentro da sua teia.

É quase certo que o candidato do PSD que vai substituir Ricardo Gonçalves nas próximas eleições faz parte da sua equipa. E o PS? Muito se tem falado sobre Pedro Ribeiro, o actual presidente da Câmara de Almeirim; mas alguém acredita que um político inteligente e com obra feita se sujeite a meter-se entre Rui Barreiro, o político e empresário, e quase todos os outros socialistas de Santarém que estão debaixo do seu braço? Algum político com currículo, e com juízo, vem enredar-se nas teias dos socialistas que estão sob o comando de Rui Barreiro? A candidatura também anunciada de Nuno Russo é outro embuste; ele é o mais novo braço armado de Rui Barreiro; com Nuno Russo o PS só ganhará (des)esperanças e Rui Barreiro manterá o seu poder de Soba.

Santarém não se discute porque a cidade parece que parou no tempo. Este exemplo do poder subterrâneo de Rui Barreiro só acontece porque em Santarém impera o respeitinho; há uma classe dirigente acamada, uns em fim de vida e outros doentes, mas na terra onde há muitos séculos os reis vinham caçar fizeram-se muitos filhos que, entretanto, ficaram por cá e também construíram família e ainda hoje vivem orgulhosamente falando do seu sangue monárquico. O resto é povo, para receber o Papa e fazer requerimentos à Câmara de Santarém para pintar as fachadas dos prédios ou reconstruir a casa da avó. JAE

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Domingos Chambel quis acabar com a NERSANT mas não acabou

A educação não vem (só) do berço; crónica para Domingos Chambel, o dirigente caceteiro que não se recandidatou à liderança da Nersant.

A minha educação não veio só do berço por muito que respeite a memória dos meus avós e dos meus pais. Para mim a educação veio da escola e do trabalho, ao mesmo tempo, já que comecei a trabalhar nas férias da primeira classe em fábricas de cortiça e de tomate. Na escola aprendi o que era a diferença de classes; no trabalho, um pouco mais tarde, aprendi como se enxofra, ou seja, como temos que dar o corpo às balas se queremos ser alguém na vida.

Já depois de ter tomado decisões arriscadas, numa vida empresarial que não me correu mal, procurei um Senhor com loja na Rua do Ouro, e escritório na Rua dos Sapateiros, em Lisboa, que só num dia me ensinou mais do que eu sabia de toda uma ainda curta vida. A aprendizagem foi simples e pode ser contada em duas linhas; queres mercadoria à consignação? toma lá e amanhã vens fazer contas e entregar o que não vendeste. O Homem só tinha falado uma vez comigo ao telefone; e de repente meteu-me na mão uma pequena fortuna que me dispenso de quantificar.

Uma vez entrei no seu gabinete com ele ao telefone; num repente bate com o auscultador e enquanto desliga a chamada diz num grito que ainda hoje me soa: “f*da-se, o dinheiro ensina-me a falar”. Pois foi com este Senhor que aprendi a ser destemido, embora o considerasse um fascista, uma pessoa que só vivia para ganhar dinheiro e ajoelhar-se uma vez por mês no Santuário de Fátima. Não foi isso que me impediu de ser seu amigo durante quase meio século e de ter tido o privilégio de o ver morrer de velho, fechar o seu negócio e as sobrinhas, nos últimos quatro anos, entregarem a sua fortuna aos abutres do negócio do metal precioso.

Tudo o que conto parece que foi ontem e muitos episódios que vivi têm quase meio século. Mas de ontem mesmo, tenho para contar a história do dirigente associativo Domingos Chambel que, enquanto presidente da Nersant, resolveu apontar-me o dedo e citar o meu nome em vários textos a propósito de um protocolo que assinei e renovei com a associação nos últimos 20 anos. O mafarrico, com o seu espírito de diabo endinheirado, foi para presidente da Nersant para ajustar contas comigo e com outros que, embora tenham mais razões que eu, não escrevem em jornais nem têm a obrigação de falar alto das patifarias dos homens que exercem cargos de interesse público. Conheço Domingos Chambel há 20 anos, mas só convivi com ele ao lado dos amigos comuns, que foram sempre os principais dirigentes da Nersant. Domingos Chambel viu chegar a sua vez de presidir à direcção da  Nersant e, em vez de continuar o bom trabalho dos seus amigos e antecessores, resolveu partir para uma guerra que durou quase  três anos e levou toda a gente à frente. Resultado; em três anos só fez asneiras, andou em batalha campal com todo o mundo, em tribunais a fazer queixas e a responder por queixas das pessoas que perseguiu. Só não acabou com a associação porque a Nersant tem uma fortuna em património e nem três chambéis conseguiriam levar a associação à falência. Agora, quando toda a gente já tinha comprado bilhete para ver como é que o ressabiado presidente ia sair do buraco onde se meteu, o mafarrico resolveu ficar em casa e entregar os problemas a outros.

Domingos Chambel é o melhor exemplo do empresário com sorte na vida, que por ter muito dinheiro acha que consegue comprar e dobrar a cerviz de toda a gente. Para ele só há duas classes; a dos que mandam e a dos que obedecem. E tudo pela força do dinheiro e não da inteligência, da coerência e da honestidade intelectual. Num regime totalitário Domingos Chambel mandava chicotear aqueles que considerasse inimigos ou que não o compreendessem na sua imensa ignorância.

Esta crónica não acaba aqui: Chambel vai ter que responder em tribunal por ter censurado a participação de dois jornalistas de O MIRANTE numa conferência de imprensa onde éramos o alvo da ordem de trabalhos. Contado ninguém acredita, mas foi verdade: Domingos Chambel deve ter vivido muito tempo nas catacumbas, onde guarda o seu dinheiro, mas também a ignorância que o impede de saber que vive num tempo em que é proibido proibir. JAE.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Lei eleitoral fez mais uma vítima no coração do Partido Socialista

Ainda bem que Pedro Ribeiro era assessor no gabinete do primeiro-ministro António Costa. Talvez por terem provado do veneno mais uma vez, o Partido Socialista dê trabalho ao militante para mobilizar todos os partidos políticos para a reforma da velha e caduca lei eleitoral.

"Sento-me nas costas de um homem, sufocando-o e obrigando-o a carregar-me. Contudo asseguro-me a mim e aos outros que tenho pena dele, e que desejo aliviá-lo por todos os meios possíveis, excepto saindo das suas costas". O texto é de Liev Tolstói e faz parte do documentário em três episódios sobre Liv Ullmann, uma das minhas artistas preferidas. A Filmin proporciona-me ir ao cinema sem sair de casa e ainda por cima escolher entre os melhores filmes numa lista imensa.

Tomei nota da frase numa altura em que li na edição online de O MIRANTE que o ex-presidente da Câmara do Cartaxo tinha sido condenado definitivamente no Tribunal da Relação de Évora por ter violado a lei eleitoral, conforme decisão de primeira instância do Tribunal do Cartaxo.  A multa de 3.600 euros é agravada por proibição de exercer cargos públicos durante dois anos e nove meses.

Em causa está uma informação aos munícipes, em tempo de pandemia, produzida pelo gabinete de imprensa da câmara, onde consta que a "ministra Marta Temido assegura a Pedro Magalhães Ribeiro que o Cartaxo vai ter novo centro de saúde. (…) O Presidente da câmara considera o resultado desta reunião com a ministra da Saúde como uma das melhores notícias que poderíamos receber”. O texto foi publicado no sítio da câmara municipal e foi considerado pelos doutos juízes do Cartaxo e de Évora um crime digno de castigo por ter sido editado em período de campanha eleitoral. 

Portugal é um país de injustiças por isso não admira que os tribunais usem a Pena de Talião conforme a cara e a cor do cidadão. Mesmo que não fosse norma as câmaras municipais produzirem informação durante os períodos de campanha eleitoral, este caso  especificamente, com um texto sobre saúde, num período de pandemia, publicado apenas no sítio da câmara, na minha opinião merecia a complacência de um qualquer juiz que percebesse que a informação não é uma ciência exacta, e muito menos em tempo de desgraça nacional e mundial.

É verdade que a culpa não é só dos tribunais. A lei eleitoral portuguesa é do tempo da pedra lascada, permite tudo e mais umas botas no meio da rua, em cartazes que ocupam o espaço público, mas não permite, por exemplo, publicidade em jornais, ou permite, mas de forma tão controlada que poucos se atrevem a perder tempo e dinheiro com a comunicação social. Quanto à publicidade/poluição visual que os partidos fazem por todo o país, nas estradas, rotundas e centros cívicos das aldeias, vilas e cidades é um fartar vilanagem.

A inspiração para este texto que chegou durante a visualização do documentário sobre a grande Liv Ullmann bem podia ser aproveitado para falar da paixão pelo cinema, pelo trabalho de Ingmar Bergman e pelo sonho de um dia aterrar na ilha de Fårö, no sudeste da Suécia, só para vivenciar o território onde viveu e filmou o autor de “Fanny e Alexander”, mas também a própria Liv Ullmann que lhe deu uma filha e que foi a sua musa preferida. 

A Comissão Nacional de Eleições tem uma queixa de um autarca presidente de câmara que preencheu o boletim de voto em cima da urna: é uma brincadeira de um político que acha que pode gozar com o sistema. Que saibamos a queixa foi para o cesto dos papéis. Há certamente centenas de situações caricatas que provam à sociedade que a lei eleitoral portuguesa está caduca e trata os cidadãos como jumentos, discrimina e sabota a vida de alguns portugueses como se ainda vivêssemos na época do famoso escritor russo Leo Tolstói. Ainda bem que Pedro Ribeiro era assessor no gabinete do primeiro-ministro António Costa. Talvez por terem provado do veneno mais uma vez o Partido Socialista dê trabalho ao militante Pedro Ribeiro para mobilizar todos os partidos políticos para a reforma da velha e caduca lei eleitoral. JAE.

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

O Papa em Portugal provou que somos um povo pacífico e magnífico

Francisco veio a Portugal provar que somos um povo pacífico e magnífico, que sabemos receber, que não somos violentos, que estamos mais perto do céu que do inferno. Mas apesar do poder e da influência da Igreja no mundo, ainda é mais fácil o Vaticano ser notícia por causa dos abusos sexuais dos membros do clero, do que por ajudar nas negociações na guerra da Ucrânia, na resolução de conflitos nos regimes totalitários liderados por políticos criminosos, como acontece numa boa maioria dos países africanos, assim como nas falsas democracias em países da grande América, a do norte ou a do sul, de onde o Papa é natural.

Francisco veio a Portugal provar que somos um povo pacífico e magnífico, que sabemos receber, que não somos violentos, que estamos  mais perto do céu que do inferno.
É difícil deixar passar em branco a visita do Papa a Portugal. Jorge Mario Bergoglio, conhecido como Papa Francisco, tem um historial de vida que fazia adivinhar uma grande jornada no Vaticano onde o Poder é tão disputado como em qualquer Estado do mundo. Só para fazermos um ponto de situação, Jorge Mário Bergoglio é o primeiro papa nascido na América, o primeiro a utilizar o nome de Francisco, o primeiro não europeu em mais de 1.200 anos. Quem pesquisar na Internet vai ficar surpreendido com a diferença que o Papa Francisco já conseguiu levar para o seio da Igreja Católica, com aquilo que já fez até agora em áreas tão sensíveis como o papel das mulheres, o celibato dos padres e a corrupção que passava pelo banco oficial do Vaticano como se a lei para a Igreja fosse a da Máfia italiana: Apesar do poder e da influência da Igreja no mundo ainda é mais fácil o Vaticano ser notícia por causa dos abusos sexuais dos membros do clero, do que por ajudar nas negociações na guerra da Ucrânia, na resolução de conflitos nos regimes totalitários liderados por políticos criminosos, como acontece numa boa maioria dos países africanos, assim como nas falsas democracias em países da grande América, a do norte ou a do sul, de onde o papa é natural.
Francisco veio a Portugal provar que somos um povo pacífico e magnífico, que sabemos receber, que não somos violentos, que estamos  mais perto do céu que do inferno, seja lá isso o que for para cada um de nós.
Como não gosto de unanimidades, trago aqui um caso que passou despercebido, mas que conta para a propriedade da nossa civilização, e para as mudanças que são cada vez maiores e mais visíveis. Antes de sair de Roma, directo a Lisboa, Francisco deu uma entrevista em que explica que as pessoas transexuais devem ser respeitadas, e que perante Deus são iguais e têm os mesmos direitos. No dia em que falou dos transexuais explicou ainda a razão porque ultimamente tem recebido homossexuais no Vaticano.
Na Ameixoeira, um conhecido bairro de Lisboa, uma dúzia de manifestantes interrompeu, no dia 3 de Julho, uma missa organizada pelo Centro Arco-Íris, uma associação dirigida à comunidade LGBT. Os manifestantes, na sua grande maioria jovens, entraram no templo carregando crucifixos e entoaram orações cuja intenção, disseram mais tarde, era repararem “os pecados mortais que resultam da ideologia LGBT que existe no seio da Igreja Católica".
A PSP interveio e acabou com a manifestação sem grandes dificuldades. Certamente que a ideia era chamar a atenção dos meios de comunicação social, mas o desacato foi tão singular que só  a imprensa escrita ligou ao assunto. Com as televisões focadas nas grandes multidões, e nos grandes protagonistas da JMJ, o caso já passou à história. Mas ninguém pode dizer que a Igreja é um lugar de santos e santas. O próprio Papa Francisco dedicou uma boa parte dos seus discursos para dentro da sua Igreja condenando os homens da batina que por dá cá aquela palha não baptizam uma criança ou dificultam a vida a quem não vai à missa todos os dias ou todas as semanas. 
Lisboa acolheu uma multidão de pessoas mas ninguém foi fazer companhia às centenas que dormem nas avenidas e nos bancos dos jardins. Não sei muito bem do que falo mas mesmo assim escrevo: o dinheiro gasto nos dois palcos onde o Papa foi discursar chegava para tirar todos os pobres das ruas de Lisboa e acolhê-los em lugares dignos recuperando-os da miséria física e espiritual em que vivem. António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Moedas, bem podem mandar ampliar as fotos ao lado do Papa Francisco, que a história destes dias é mais a miséria que cresce nas ruas que a recordação dos discursos sobre géneros, abusos sexuais, guerra na Ucrânia e fome em África, o maior flagelo dos nossos dias que, por vergonha ou incompetência, desapareceu dos discursos oficiais e dos noticiários, principalmente nos países europeus, que ainda são, no caso da França, por exemplo, colonizadores encapotados. JAE

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

O aeroporto, a travessa António Mendes, os empresários da Parreira e o PSD que não existe

A visita do Papa não é motivo para concessões: enquanto Portugal for um país da cauda da Europa ninguém deve desistir de vestir a camisola do contra.


O MIRANTE voltou a marcar a agenda nacional com trabalho editorial com dois importantes membros da equipa de engenheiros que desenhou, e ainda está a desenhar, o projecto do novo aeroporto internacional de Lisboa em Alverca. Por enquanto, o texto da entrevista anda de artigo em artigo, mas da boca ou da caneta de quem tem voto na matéria ainda não há novas nem mandadas. Nesta edição os autarcas de Loures e Vila Franca de Xira, incluindo o presidente da Junta de Alverca, põem mais lenha na fogueira, desvalorizando o aeroporto em Alverca e apontando Benavente e Santarém como os melhores locais. 


O jovem aprendiz de feiticeiro e rapa tachos que governa a Câmara de Constância, Sérgio Oliveira, vai baptizar uma travessa com o nome de António Mendes, o histórico autarca do concelho. António Mendes aceitou, ninguém sabe porquê, mas a CDU já veio em sua defesa e, aparentemente, com razão. Não é a travessa que está em causa, são os critérios, e o bom senso; travessas há muitas, ó estúpidos, que nos querem meter Constância pelos olhos dentro. António Mendes não está assim tão velho para fazerem dele gato sapato, mas de verdade trataram-no como se já não estivesse em idade de os mandar à fava, e aceitou dar nome a uma travessa como teria aceite uma travessa de figos, agora que estamos no tempo deles.


Tenho dormido na Chamusca onde tenho as minhas raízes que são de sobreiro velho. À noite vou à Golegã jantar porque na Chamusca, à noite, não há restaurantes abertos. Ao contrário, a Golegã, que fica só a cinco quilómetros, tem várias soluções, para ricos e menos ricos, já que os pobres não têm dinheiro para frequentarem restaurantes que não sejam os de fast-food.  A grande alternativa é Tomar, e juro que vale a pena a viagem. Se é verdade que vêm aí tempos novos, e nada vai ser como dantes, em Tomar já se nota a evolução.

A Câmara da Chamusca está entregue politicamente a um politraumatizado, um playboy que manca, que nunca viajou, um empresário que não teve sucesso, um político sem escola, um capataz a quem subiu o poder à cabeça. O povo da Chamusca já começou a perder a vergonha de o criticar, tais são as evidências da má gestão do concelho. Um político que tem uma piscina fechada, em obras há cinco anos, só pode ser um trouxa, um irresponsável; um político que tem à perna, numa reunião da assembleia municipal um grupo de empresários da Parreira, a perguntar onde é que ele anda, que não responde no telemóvel nem por carta, só pode estar a viver um pesadelo; jamais alguém vai acreditar que ele sabe o que anda a fazer (a Parreira é a única aldeia do concelho da Chamusca  de onde ainda chegam boas notícias, embora se situe no meio da charneca, mais perto de Almeirim do que da Chamusca, o que dá que pensar). 


O PSD distrital já sabe que o PS não vai ter Pedro Ribeiro a concorrer à Câmara de Almeirim, mas, pelos vistos, os social-democratas não sabem que Almeirim existe no mapa. O mesmo acontece na Chamusca, em Alpiarça, em Salvaterra de Magos, Constância, Abrantes e Coruche. Em alguns destes concelhos o PSD está representado, mas para concorrer às próximas eleições autárquicas e dar luta a quem governa, é preciso dar sinal de vida, coisa que não acontece de verdade. Santarém e Ourém são a excepção, mas é pouco para um partido fundador da nossa democracia. Escusado será escrever que ninguém se lembra que João Moura existe; mas é ele que ainda é o todo-poderoso, e ao mesmo tempo a iminência parda do partido a nível regional, embora não pareça. A oposição interna no PSD também não existe, o que faz adivinhar longa vida aos autarcas do PS, embora alguns bem merecessem uma oposição a sério. JAE.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

“Estácio de Sá, o herói desconhecido” vai ser título de uma biografia editada por O MIRANTE

Estácio de Sá, o escalabitano que fundou a cidade do Rio de Janeiro, vai ter uma biografia editada por O MIRANTE, que deverá ser uma boa razão para falarmos da relação entre Brasil e Portugal, incluindo Santarém e a figura de Pedro Alvares Cabral, o descobridor do Brasil que está sepultado na Igreja da Graça.

Tenho uma história para contar da minha primeira viagem a Nova York; o meu medo de não me entender com os americanos foi perdido quando percebi que em NY porta sim, porta sim, ou se falava português ou espanhol. O que mais encontrei foram brasileiros.

Estou com um livro em mãos que é uma biografia de Estácio de Sá, o fundador da cidade do Rio de Janeiro. A minha amiga Beth, que está a organizar uma parte do lançamento do livro, já leu o texto duas vezes, e fez os comentários esperados de quem sabe, pela experiência e vivência, de que forma o Brasil, neste terceiro mandato de Lula da Silva, está a tentar fazer vingar mais uma pequena revolução. Transcrevo uma parte da última missiva da minha amiga: “A figura do colonizador como herói, proposta pelo livro, não se adequa a nova orientação historiográfica. Embora seja legítimo o reconhecimento da importância das grandes navegações que a partir do século 16 mudaram o mapa do mundo, é legítimo também reconhecer a voz dos invadidos e explorados, indígenas e negros, no caso do Brasil. Acredito que um seminário sobre o tema com as interpretações e depoimentos de representantes portugueses, indígenas e afro-brasileiros, seja uma oportunidade para avançarmos e atualizarmos os entendimentos sobre a história oficial da fundação da cidade e o papel de Estácio de Sá nas batalhas pela ocupação do espaço (:) Enfim, acho que temos uma boa oportunidade de discussão tanto aqui, como em Portugal. Vivemos um bom momento para reinterpretações históricas”.

No dia em que recebi este e-mail marquei uma reunião no Porto com um professor universitário, especialista na Obra do poeta brasileiro Gregório de Matos, um poeta seiscentista, talvez o mais maldito da poesia em língua portuguesa, que viveu em Portugal, onde fez a sua formação e ainda trabalhou como juiz. O objectivo é contribuir para a publicação em Portugal de uma biografia do poeta, do qual também sou leitor e admirador quase fanático. No entanto, reconhece o meu interlocutor, com quem me vou reunir já depois da publicação desta crónica, a edição do seu trabalho, que é considerado a primeira edição critica do autor seiscentista, “jamais vai encontrar muitos leitores dos dois lados do Atlântico, porque se trata de um autor quase desconhecido, e o barroco continua a ser um período literário marginalizado” (Gregório de Matos nasceu em 1636 e morreu em 1696).
Depois de me familiarizar com a história de vida e da obra poética de Gregório de Matos, já lá vão uns bons anos, o Brasil para mim deixou de ter segredos, e a possibilidade de ajudar nas “reinterpretações históricas” vai ser certamente tão desafiante como mergulhar nas praias do Nordeste ou do Rio Grande do Sul no período de Verão.
Quero convidar os leitores desta coluna a associarem-se ao evento que será o lançamento da biografia de Estácio de Sá, o fundador do Rio de Janeiro, e já agora a darem uma vista de olhos aos poemas de Gregório de Matos que andam por aí nas páginas da Internet. Daqui a um tempo, espero que não seja muito, talvez “A Musa Praguejadora”, a sua biografia romanceada da autoria da grande e reconhecida escritora Ana Miranda, apareça em livro numa livraria perto de si.

Comecei e acabo com NY porque a última vez que lá estive levava dois filhos atrelados que se recusaram a ir comigo visitar o MoMA. De verdade estávamos com bilhete marcado para Orlando, e era lá que as diversões nos esperavam. Mas ter ido a NY e não ter visitado o MoMA ainda hoje é motivo de conversa, porque o tempo vai passando e os gostos e as opções também vão mudando. Não há muito tempo acreditava que ia viver o resto da vida numa cidade do Rio Grande do Sul onde parece que o mundo começa e acaba; hoje tenho mais dúvidas; as ilhas dos Açores, por exemplo, ficam a uma hora de viagem de Lisboa e as temperaturas durante o Inverno podem considerar-se bastante boas. JAE  

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Os jornalistas e os patrões dos jornalistas

Quando a imprensa tinha poder viajei, conheci e fiz amizade com pessoas que me abriram os olhos; soube que se temos uma caneta para escrever e trabalhamos num meio com visibilidade todos nos respeitam; se só temos a caneta para escrever e não temos onde publicar regularmente, e possamos ser lidos, é como se não existíssemos na profissão.


O jornalismo é actualmente uma actividade em extinção acelerada e a culpa é da revolução que as redes sociais impuseram e da facilidade com que os oportunistas usam a ferramenta para fazerem filhos em mulheres alheias. Explico melhor: hoje posso ler todos os dias os principais jornais do mundo sem gastar um cêntimo e directamente do meu telemóvel. Tenho amigos que me fazem tremer de emoção quando passo um dia em que não abro o El País ou a Folha de São Paulo ou o Liberation, ou os jornais portugueses, sem excepção, porque tudo o que se passa à minha volta me interessa.

Não perco tempo nas redes sociais a ler aquilo que sei que faz as delícias da maioria, e por isso estou protegido contra as notícias falsas e o jornalismo como caixa de ressonância de interesses criminosos ou antidemocráticos.

Nada me livra, no entanto, da leitura de textos desinteressantes e pobres de conteúdo. É disso mesmo que quero escrever aqui. Os jornais perderam fontes de financiamento, e sem publicidade não há independência editorial. Os jornais comprados por grupos económicos que vivem de actividades que dependem de favorecimentos governamentais, jamais serão capazes de seguir uma linha editorial que escrutine sem olhar a nomes e a siglas.

Tudo o que se sabe sobre negócios e comunicação social já foi escrito e filmado. Desde que me fiz jornalista, há 35 anos, que sei tudo isto, que entretanto acumulei com a experiência de cidadão atento e participativo.

Quando a imprensa tinha poder viajei, conheci e fiz amizade com pessoas que me abriram os olhos; percebi a importância de delegar responsabilidades, mas nunca perder o norte; soube que se temos uma caneta para escrever e trabalhamos num meio com visibilidade, todos nos respeitam; se só temos a caneta para escrever e não temos onde publicar regularmente, e possamos ser lidos, é como se não existíssemos na profissão.

Claro que esta realidade não é só no meio editorial; mas nesta profissão a realidade é mais cruel. Se o jornalista não tem leitores não consegue provar a utilidade do seu trabalho, logo deixa de ser preciso na empresa que lhe dá emprego. Se a empresa editorial não tem força para facturar em razão da sua importância no mercado, e vive dos favores do dinheiro fácil de outras empresas, o jornal vai à falência, a missão de escrutinar o poder deixa de ser importante, o cidadão percebe, ou não, que a melhor cidadania começa num artigo de jornal e acaba numa discussão no bar da colectividade, ou numa roda de amigos, ou em qualquer outro fórum a que esteja associado.

Os patrões da comunicação social em Portugal desapareceram de cena. Os congressos dos jornalistas e dos patrões dos jornalistas passaram à história. Os meus anos de aprendizagem ainda não acabaram, mas posso escrever com toda a certeza que já não vai ser no meu tempo que os jornais recuperam a sua importância, e as televisões percebem que não vale tudo para atrair audiências. Certamente que a coisa ainda vai piorar para depois voltar outra vez aos tempos da boa aventurança. Nessa altura já cá não estarei, assim como a maioria dos homens da minha geração, mas deixaremos o nosso trabalho, o nosso exemplo, e também as asneiras que cometemos que vão servir de exemplo para quem sabe que, na vida, as lições nunca são perfeitas, há sempre coisas que temos de aprender à nossa custa. JAE.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Lisboa está a 11 horas de comboio de Madrid e os políticos continuam a assobiar

É mais fácil Salazar ressuscitar do que fecharem o aeroporto Humberto Delgado. Todas as soluções para o novo aeroporto que defendem, a médio ou a longo prazo, o fecho da Portela, são formas encapotadas de defender grandes investimentos em soluções aeroportuárias megalómanas.


No dia em que escrevo esta crónica, pela noite dentro, também ajudarei a fechar mais uma edição de O MIRANTE. Em tempo de férias todos somos poucos para pormos a escrita em dia. Esta terça-feira também fica marcada por mais uma reunião da Comissão Técnica Independente (CTI), que estuda a localização do novo aeroporto de Lisboa, em cujos estudos o Governo se apoia para tomar uma decisão final (não está fora de causa António Costa sair do Governo, e passar a batata quente para outro primeiro-ministro que, a confiar nas sondagens, continuará a ser socialista e adiar a decisão por mais umas dezenas de anos).

O que me trouxe aqui foi a ferrovia; quando se fala de aeroportos em Portugal, alguns países da Europa estão a proibir voos domésticos entre cidades que ficam a menos de duas horas e meia de distância uma da outra. É um grande aviso à navegação… o que países bem mais evoluídos que o nosso estão a transmitir. Lisboa é um funil, um esgoto em muitas partes da cidade baixa, os turistas aumentam para números estratosféricos, que tornam impossível o aluguer de uma casa, com as condições mínimas, por menos de 1.500 euros, mesmo nas cidades da área metropolitana.  Lisboa já não tem casas para outras famílias que não sejam aquelas em que todos trabalham como motoristas de táxi ou de TVDE, distribuidores de comida e lojistas, que se sujeitam a viver em quartos sobrelotados, ao nível daquilo que se passa nos países mais pobres do mundo.

Mesmo assim, com toda esta balbúrdia, com as casas a preços proibitivos, o trânsito num verdadeiro caos, os preços de estacionamento caríssimos e a EMEL a facturar multas com o triplo dos funcionários, ninguém sai da cidade, ou quem sai ainda não faz engrossar as estatísticas.

Volto à ferrovia. Portugal é um atraso de vida naquela que é a solução para o futuro da mobilidade em todo o mundo. Madrid, a 500 quilómetros de Lisboa, está a mais de 11 horas de comboio. Entre Lisboa e Porto as coisas ainda resultam, mas são sempre mais de quatro horas de viagem. No resto do nosso território o comboio é uma miragem. Só para darmos um bom exemplo, dos muitos que há por essa Europa fora, a viagem entre Paris e Lyon, cidades separadas por 466 quilómetros, demora duas horas e seis minutos de comboio. A ferrovia em França, Espanha e Itália, comparada com a de Portugal, é como comparar o vinho tinto do Ribatejo com a cerveja preta da Sagres. O mais estranho é vivermos em paz com os políticos que adiam o aeroporto há meio século, não investem um chavelho na ferrovia, deixam-nos a um dia de viagem da principal cidade da vizinha Espanha e ainda se dão ao luxo de serem vedetas de televisão nos casos e casinhos que fazem a delícia da manada de elefantes que somos todos nós.

Não fui à última apresentação da CTI e já jurei que não dou mais para este peditório. Para mim o aeroporto de Lisboa só acaba quando Nossa Senhora de Fátima voltar a fazer milagres.

É mais fácil Salazar ressuscitar do que fecharem o aeroporto Humberto Delgado. Todas as soluções para o novo aeroporto que defendem, a médio ou a longo prazo, o fecho da Portela, são formas encapotadas de defender grandes investimentos em soluções aeroportuárias megalómanas para ficarem às moscas. No final, se a decisão for dos políticos já conhecidos do PS e do PSD, o que nos espera é mais do mesmo: quem manda no país são aqueles que viajam e querem o aeroporto no melhor lugar do mundo, que é mesmo ali onde está e vai ficar com toda a certeza. JAE.