quinta-feira, 29 de junho de 2023

Um dia a casa vai abaixo

O grupo de teatro Cegada, de Alverca, volta à luta pela sobrevivência depois de ficar de fora dos apoios do Estado. Nesta edição, o encenador e líder do Cegada, Rui Dionísio, parte a loiça e acusa a autarquia e o seu presidente de má vontade contra a companhia de teatro.


O grupo de teatro Cegada, de Alverca, volta à luta pela sobrevivência depois de ficar de fora dos apoios do Estado. O grupo já escreveu em comunicado, tornado público no final da passada semana, que vai ter que fechar portas e que a culpa é das entidades públicas que deixaram o grupo sem os apoios necessários à sua sobrevivência. Nesta edição, o encenador e líder do Cegada, Rui Dionísio, parte a loiça e acusa a autarquia e o seu presidente de má vontade contra a companhia de teatro.

O Cegada volta a passar por uma situação que não é nova, que já foi anunciada noutras crises, por uma luta entre viver dos subsídios ou ter que encontrar receitas próprias, obrigar os actores a procurarem um segundo trabalho ou, em última instância, produzir espectáculos financiados por empresas ou instituições públicas que, entretanto, consigam conquistar.

Desde que me conheço que acompanho as lutas dos grupos de teatro e de dinamização cultural por financiamentos a tempo e horas que permitam o pagamento dos ordenados e uma programação que sirva o interesse público. Na grande maioria das situações o problema resolve-se, mas é muito raro que os grupos não tenham que se reformar/reinventar quando surge a ameaça da casa cair pela base. O Cegada gostava de ter o estatuto do teatro de Almada ou do teatro dos Aloés, na Amadora, mas a verdade é que não tem, por razões de dimensão cultural e também políticas. A aposta no teatro, em Almada e na Amadora, tem outra dimensão, outros protagonistas; e as condições precárias do edifício onde a companhia trabalha só lhes dificultam a vida.  Se a cidade de Alverca tivesse um teatro, a união de freguesias podia, e devia, ser o melhor parceiro do Cegada. O problema é que ao longo dos últimos anos sempre se reconheceu o problema, mas não se fez nada para o resolver. Daí que o Cegada vai mesmo fechar portas se o Governo não lhes acudir; ou então o grupo tem que se reinventar; em vez de autores clássicos vai ter que produzir textos actuais, sobre a realidade local, teatro de proximidade, seja lá isso o que for e os desafios a que obriga.

Confesso que tenho pena de ver cair uma estrutura cultural com quem me identifico e do qual sou admirador e espectador tão assíduo quanto o tempo me permite. Não por acaso O MIRANTE já premiou e reconheceu o trabalho do Cegada dando-lhe o prémio Personalidade do Ano na área Cultura em 2017. Nesta altura o trabalho feito e os prémios pouco servem de consolo, embora seja justo continuar a reconhecer  a companhia Cegada - uma associação cultural sem fim lucrativos e Entidade de Utilidade Pública reconhecida por decreto governamental. JAE.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Machado de Assis e a filosofia das folhas velhas

O espírito com que volto à estrada, e vou fazer campismo, é bem diferente da sensação de me reler nas cartas de juventude. De verdade, o meu tempo de juventude foi modesto em quase tudo, incluindo as cartas e as viagens, menos no espírito e nas emoções. Por isso vingo-me agora desses tempos em que “o mundo era grande para Alexandre, mas um desvão de telhado era o infinito para as andorinhas”.


Um dos meus autores preferidos é Joaquim Maria Machado de Assis, que aqui vai com o nome todo para salientar o facto de sermos homónimos. Foi por sua causa que o meu nome um dia foi salvo da chacota entre intelectuais brasileiros que brincavam com aquela piada de que os portugueses ou se chamam Joaquim ou Manuel. Uma jovem americana, namorada na altura de um deles, saiu em minha defesa e perguntou: “quem é que sabe que o maior escritor de língua portuguesa de sempre se chamava Joaquim?”. E a verdade é que as nove sumidades ficaram caladas que nem uma parede. E lá veio o nome próprio do autor das “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, e de tantos outros livros que fazem dele, ainda hoje, um dos meus autores preferidos que releio com prazer. Antes de oferecer a edição que tenho em mãos, fui descobrir as frases assinaladas e não resisti a guardar o livro em casa mais uns dias. Na hora da despedida, a propósito de uma viagem de mochila às costas que vou fazer daqui a dois dias, recordo uma parte do livro em que o autor aconselha o leitor a guardar as cartas da juventude, para que um dia, “recompondo o pretérito, possa reconhecer a filosofia das folhas velhas, o prazer de nos vermos ao longe, na penumbra, com um chapéu de três bicos e umas botas de sete léguas”. Estou na idade de reler as cartas de juventude assim como de voltar à estrada como quando tinha 17 anos. São dois desafios diferentes que enfrento com a mesma tenacidade. Quando esta crónica for publicada o livro já não é meu. Ficará na lembrança como as cartas da juventude e os momentos vividos a viajar abrindo caminhos.

O espírito com que volto à estrada, e vou fazer campismo, é bem diferente da sensação de me reler nas cartas de juventude. De verdade, o meu tempo de juventude foi modesto em quase tudo, incluindo as cartas e as viagens, menos no espírito e nas emoções. Por isso vingo-me agora desses tempos em que “o mundo era grande para Alexandre, mas um desvão de telhado era o infinito para as andorinhas”. E por causa do sabor de um beijo vou guardar para sempre a lembrança de que o tic-tac de um relógio pode ser um incómodo, mas há sempre alguém que se apressa para lhe dar corda assim que ele pára. “E que o derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há-de ter um relógio na algibeira para saber a hora exacta em que morre”.

E, para acabar, fica aqui um dos capítulos do livro do grande Joaquim Maria Machado de Assis, mais fácil de ler e que mais nos prende à leitura: “Matamos o tempo; o tempo nos enterra”. “Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto se todos andassem de carruagem”. “Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros”. “Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um terceiro andar”. JAE.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Um cristão no meio dos gatos e da cidade medieval de Santarém

Sou um cidadão do mundo, e um escalabitano adoptado, que acha a sua cidade de eleição um burgo habitado por pessoas que parecem viver ainda num tempo medieval. Basta ver como se deixam colonizar pelos dirigentes de uma associação de grandes interesses ou como lidam com um cidadão que tem o azar de estacionar o carro onde os gatos adoram viver como se não houvesse amanhã.


Se não tivesse que trabalhar dedicava o resto da minha vida a viajar; cá dentro e lá por fora; uma das cidades que eu privilegiaria era Santarém. Considero Santarém uma cidade de antanho; não há na cidade, salvo as excepções que confirmam a regra, gente destemida, avangard, sintonizada com as sociedades modernas e as cidades que se querem para o presente, mas também para o futuro. Santarém parece uma cidade de pessoas do tempo medieval ou, para ser menos sarcástico, do tempo de D. Carlos I. Na terça-feira, 6 de Junho, fui almoçar a um restaurante no centro da cidade, para logo de seguida viajar para o Porto, onde tinha hora marcada para chegar. Ao sair do restaurante fui abordado por uma senhora que espreitava para debaixo do meu carro com uma lata de conserva na mão;  tinha descoberto que eu tinha um gato no motor do carro. Agradeci o aviso e disse-lhe que já não era a primeira vez que acontecia e expliquei-lhe com todas as palavras como é que tinha resolvido o problema das outras vezes. Meti-me no carro, sem mais cerimónias, e fui à minha vida. O caminho entre o restaurante e a sede do jornal demora dez minutos, mesmo com muito trânsito. Pelo caminho recebi um telefonema reencaminhado do jornal a avisar que a Polícia tinha ligado para dizer aquilo que eu sabia.

Antes de me fazer à estrada fui a uma oficina e mandei subir o carro no elevador, mas o gato por onde entrou saiu no meio tempo em que entrei no meu gabinete, fui à casa-de-banho, lavei os dentes e aproveitei para tirar o escalpe, limpar as teias de aranha que tinha no cérebro para me recompor e ficar pronto para chegar ao Porto no meu carro e não numa ambulância ou num carro da Brisa.

Já esqueci o gato, mas não me esqueço do monte de gente que, ao longe, enquanto me afastava para ir à minha vida ficou a rogar-me pragas porque ou esperavam que eu ficasse ali no meio da estrada à espera que o gato saísse de dentro do motor do carro ou fosse consolar algumas delas com cantigas medievais para não fugir à mentalidade reinante.

Não fui, mais uma vez, à Feira da Agricultura por isso não posso dizer bem nem mal do certame que não seja por interpostas pessoas. Acho que este ano os oito euros da entrada não devem ter sidos suficientes para os donos do CNEMA ficarem muito mais ricos. O facto de não terem membros do Governo na Feira só lhe dá estatuto porque o actual Governo está com tantos problemas que não me admira que tenha sido António Costa a pedir a Luís Mira, o verdadeiro dono do CNEMA, a fazer uma cena marada com a ministra da Agricultura para desviar as atenções dos grandes problemas com o SIS, o ministro Galamba e o escândalo da TAP, que nos remetem também para um tempo medieval em que tudo era permitido aos senhores do Reino.

O meu caso da semana foi com um jornalista que trabalha há 20 anos em Lisboa a recibo verde. Ofereci-lhe um contrato de trabalho e só faltou que me agradecesse com um beijo na boca. Na hora e no dia combinados não apareceu. No dia seguinte liguei e passado uma hora recebi uma mensagem escrita com uma desculpa esfarrapada que me deixou envergonhado. Estou a escrever sobre uma pessoa com 40 anos, 20 anos de trabalho, que partilhou comigo vivências que ligam as nossas vidas pelo mesmo fio do jornalismo e da cultura em geral. Perguntei-lhe se só comunicava por mensagem escrita ou se podíamos falar ao telefone para esclarecer o que é que se tinha passado. A resposta não chegou até hoje e, como é evidente, nunca mais chegará. Certamente está à espera de ir trabalhar para assessorar um membro do Governo, para o gabinete de comunicação de algum organismo do Estado, da CAP ou, quem sabe, algum organismo do tempo da Idade das Trevas, com gabinete de trabalho nas ruínas da cidade de Lisboa, provavelmente geridas pelos homens fortes da CAP, onde ainda se conspira como no tempo das Cruzadas. JAE.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Crónica dos Bons Amigos e o exemplo de Santana-Maia Leonardo

O MIRANTE, com a chancela da Rosmaninho, editou um livro de Santana-Maia Leonardo que é um hino ao amor pelos cães e gatos. O autor aproveita para se biografar, assim como à sua família, em crónicas escritas com humor, sentimento, emoção e, acima de tudo, uma grande humildade perante as vicissitudes da vida.


Santana-Maia Leonardo escreveu um livro sobre os cães e gatos que nos últimos quase trinta anos fizeram parte da história da sua vida e da sua família. "Crónica dos Bons Amigos" é um conjunto de textos que se lêem em vários capítulos que formam ao mesmo tempo uma biografia de um advogado, professor, político, dirigente associativo, entre muitos outros cargos, assim como da sua família onde já se contam sete netos.

Embora os cães sejam os grandes protagonistas destas crónicas Santana-Maia Leonardo explica de uma forma comovente que o amor aos animais começou no dia em que prendeu um cão a uma corrente por ter mordido um dos seus filhos e o médico ter recomentado que o cão fosse vigiado durante 24 horas para descartar a hipótese de ser portador de raiva. No dia em que foi solto o cão recusou a liberdade e fez tudo para ficar a fazer parte da família, o que veio a acontecer. As histórias escondem, no entanto, um encadear de situações vividas com os vários animais que fazem do livro uma antologia sobre o amor do homem aos animais e vice-versa.

As grandes surpresas do livro são, sem dúvida, a escrita clara e concisa do advogado de Ponte de Sor, que nasceu em Portalegre, mas também viveu em Abrantes e Lisboa. O interesse do livro vai muito para além do facto do autor considerar que os cães e os gatos têm ou deviam ter o estatuto de pessoas. O livro surge no mercado poucos meses depois dos juízes do Tribunal Constitucional terem considerado inscontitucional uma lei que visava castigar quem maltrata os animais. Não deixa de ser curioso assinalar este facto porque o advogado Santana-Maia Leonardo escreveu aquilo que qualquer activista dos direitos dos animais gostaria de assinar para fazer valer as suas ideias e os seus ideais e assim derrubar os juízos dos Procuradores do Ministério Público e dos juízes do Tribunal Constitucional que, aparentemente, quiseram entalar os deputados da Assembleia da República, sempre os maus da fita (e muitas vezes com razão por serem uns paus mandados de meia dúzia de espertalhões que dirigem os partidos e ao mesmo tempo os destinos políticos do país).

O que surpreende neste livro não é só a história de cada cão e gato, mas o que cada um representou no grande palco da vida de Santana-Maia Leonardo e da sua numerosa família, onde se inclui a mãe, Maria Laura Santana-Maia, a primeira mulher Juiz Conselheira em Portugal, que é autora das ilustrações da capa, contra-capa e badanas.

Confesso que, como editor, fui tão conquistado pelas histórias do livro como pela história de vida do autor que, há cerca de 10 anos, devido a um problema de saúde, resolveu dar uma volta à sua vida tentando viver ao máximo um dia de cada vez. Mais ainda: nos vários encontros com os seus leitores e amigos, onde marquei sempre presença, Santana-Maia Leonardo não se cansa de valorizar o papel dos cães e dos gatos fazendo ver que são os únicos companheiros dos idosos que povoam boa parte do território português, já que os mais jovens partiram definitivamente para o estrangeiro, ou para o litoral do país, na maioria dos casos para a área metropolitana da capital do reino. E é aqui que o peso da palavra tem mais significado, tanto como o de defender que cães e gatos são animais com pessoa lá dentro, como o de criticar o Estado de um país que se litoralizou, que o obrigou a escolher Barcelona como a sua cidade preferida e que o faz criticar a classe política portuguesa desiludido, mas acima de tudo sentindo que todos os seus ideais saíram derrotados. Por fim, a conclusão de que o livro é também um conjunto de histórias que ligam, na perfeição, a vida e a morte. JAE.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Políticos que não valem um cu

Não fui à Feira de Maio, na Azambuja, assim como não fui à Ascensão, na Chamusca, e à Festa do Bodo, na Azinhaga. Já não vou em cantigas e muito menos em touradas, embora ainda frequente algumas fadistices, dispensei, definitivamente, a companhia de toureiros.


Há quase um século que sou visitante da Feira do Livro de Lisboa no dia da inauguração. Este ano ainda não pisei aquele chão. Dei por isso no domingo com uma criança pela mão e uma pizza para o almoço na outra enquanto ela me cantava canções em inglês, língua que preciso de aprender e que hei-de adiar até morrer.

Descobri à porta de casa o segredo mais mal guardado do mundo que é um antigo quartel da GNR transformado num centro de residências artísticas e palco de múltiplas actividades. Foi lá, no terceiro dia da feira do livro, que fui ouvir a Miss Tea e Pedro Castanheira, num espectáculo quase a sair de cena, chamado Burla da Velha Lisboa, com jantar incluído, que demorou duas horas e meia e recomendo para quem gosta de sair do sério. 

Não fui à Feira de Maio, na Azambuja, assim como não fui à Ascensão, na Chamusca, e à Festa do Bodo, na Azinhaga. Já não vou em cantigas e muito menos em touradas, embora ainda frequente algumas fadistices, dispensei, definitivamente, a companhia de toureiros. Mas gosto de saber que a tradição ainda é o que era.

A menina de quase cinco anos que levei pela mão até ao sítio das pizzas, e depois de volta a casa, tem os pés tortos, mas nem se nota; há quase 40 anos caminhei para a Rua de Angola, em Lisboa, para mandar fazer sapatos para uma filha que tinha os pés tortos, segundo dizia a pediatra. Hoje, pelos vistos, os pediatras estão mais avançados no tempo.

Foi nesta viagem de mão dada que resolvi, pela primeira vez na vida, mudar a data do meu aniversário. No dia da saída deste jornal para as bancas faço anos e vou comemorar com umas braçadas na piscina, uma massagem, uma visita à feira do livro (finalmente) e, quem sabe, duas refeições vegetarianas regadas a chá de ervas, com uma cigarrada pelo meio que Homem que não é pecador não é Homem nem é nada.

Agora que já contei um pouco da minha vidinha sem interesse vou meter a colher numa medida do Governo de António Costa muito parecida com aquela de proibir a venda de tabaco que deveria ter servido para desviar as atenções que tentavam afundar o ministro João Galamba: "a Direção-Geral da Saúde publicou uma norma este mês a dar conta de novas regras de saúde pública para eventos de massas com mais de mil pessoas. Festas passam a ter de contar com o apoio de médicos, enfermeiros, bombeiros e ambulâncias com suporte básico e avançado de vida". Vivemos num país onde não há maternidades suficientes para acudir às necessidades; o Hospital da Estefânia, em Lisboa, só para dar um exemplo, demora quase um dia a atender uma criança que procura apoio médico. Vivemos num país onde os políticos já não sentem que são almas do outro mundo de tão anestesiados que ficaram com a conquista da maioria absoluta. António Costa bem podia descer à terra e obrigar a sua equipa, numa reunião de conselho de ministros, a frequentar a praia do Meco para todos se verem nus como Deus os deu ao mundo. Quem sabe sairiam de lá mais conscientes que governam um país de enfezados, que mesmo assim alimenta com milhões a TAP a RTP e a CP, só para falar de três empresas públicas que não valem um cu comparadas com a EDP, que há muitos anos foi vendida aos chineses e que deveria ser a nossa jóia da coroa. JAE.