quinta-feira, 27 de abril de 2023

O chão da terra e o 25 de Abril

Se não fosse o 25 de Abril hoje seria um emigrante, ou ex-emigrante, pobre como muitos milhões de portugueses. Sou pobre na mesma porque não enriqueci com o 25 de Abril. Mas ninguém me leva preso por exercer uma profissão onde posso chamar habilidoso a um advogado e idiota a um político.


Para o bem (jamais para o mal, mesmo nas situações difíceis) o 25 de Abril de 1974 foi a vitória da democracia em Portugal e a vingança contra um mundo de pessoas bafientas que mandavam na nossa vida como se alguns de nós fossemos animais de palheiro. Antes de 1974 o mundo em Portugal era a preto e branco. Depois foi ganhando um colorido que cada um pode contar à sua maneira; o caminho não tem sido fácil e a prova é este Governo de António Costa que nos governa cheio de rapazes atrevidos que fazem do Estado uma pensão de segunda, onde se encontram à noite com as/os  amantes antes de chegarem ao lar doce lar.

Ando a ler apaixonadamente um ensaio biográfico de Pina Bausch, que só vi dançar uma vez, cuja vida e obra me fascina, mas não vou encher esta coluna com citações nem sequer falar do livro. Estou de regresso de uma pequena viagem e, ao chegar a casa, mergulhei no livro durante cerca de uma hora e já quase madrugada mergulhei no sono. 

Chegar de viagem e pegar num livro que conta a nossa viagem parece um pouco estranho, mas foi isso que aconteceu. Em três dias por Coimbra e Braga almocei à beira do Mondego com duas jovens mulheres ligadas à literatura, que me deram uma lição sobre o quanto é importante não desistir de aprender a ver sempre mais, a ver mais e a sentir mais, como Susan Sontag clamava nos anos sessenta quando Portugal ainda era um país de gente a pão e água.

Depois deste encontro fui revisitar Coimbra com um amigo que nasceu e vive lá, sempre encantado com a sua cidade de nascimento, como eu pelos recantos da minha terra, pelo respeito que sinto ao pisar o chão do Convento de S. Francisco onde foram enterradas dezenas ou centenas de almas há cerca de mil anos.

Em Braga dormi pela primeira vez no Convento de Tibães, onde já tinha ido mas de onde fugi em tempos como um monge fugia da sua cela. Almocei no centro da cidade com um jornalista amigo que conheço há mais de 40 anos e com quem mantenho uma ligação afectiva de quase irmandade. Ele preocupa-se comigo como se fosse da sua família, e vou ao seu encontro como se sentisse obrigação de o abraçar de vez em quando para não me deixar conquistar pelo excesso de cultura e de vida, pela sobreposição de interesses, pela permanente perda de agudeza da experiência sensorial que tanto se pode aplicar naquilo que nos liga a um livro como ao que nos liga a uma pessoa que é nossa amiga, embora não entre na nossa casa de família, e vice-versa, embora habitemos uma casa comum onde não moramos: “vemos e já é muito”, como disse o Mestre de Santa Marta.

Nesses breves dias comi e dormi por terras de Viriato, fui jantar a casa de uma família que conheço mais com o coração que com os olhos. Fui tão bem tratado que, pela primeira vez na vida, achei que podia ter uma casa a Norte onde certamente seria tão feliz como sou nas minhas casas a Sul. Reencontrei uma pessoa, que não me conheceu olhando-me nos olhos, mas a quem abri a memória com as seguintes palavras do livro de Pina Bausch: fomos amigos comuns de uma pessoa que enterramos há muitos anos, que “num mundo de desatenção e alheamento era alguém que viu mais, ouviu mais e sentiu mais”. E o abraço que demos na despedida, sobre o olhar atento do amigo comum que nos reuniu na sua casa de família, com toda a família, trouxe à lembrança a seguinte frase: no dia em que pensarmos que sabemos como as coisas funcionam devemos evaporar-nos imediatamente porque certamente já seremos uns grandes chatos junto de quem nos rodeia.

Esta crónica é sobre o 25 de Abril e o dia da Liberdade, embora não pareça. Se não fosse o 25 de Abril eu hoje seria um emigrante, ou ex-emigrante, pobre como muitos milhões de portugueses. Sou pobre na mesma porque não enriqueci com o 25 de Abril. Mas ninguém me leva preso por exercer uma profissão onde posso chamar habilidoso a um advogado, idiota a um político e, mais importante que isso, posso continuar a denunciar os que se servem da democracia e se fazerem de parvos para beneficiarem impunemente das grandes e bondosas liberdades permitidas pela Revolução dos Cravos, que permitem uma corrupção rasteira que muitas vezes é tão prejudicial ao país como a do colarinho branco. JAE.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Há casas desocupadas que só serão arrendadas por cima dos cadáveres dos seus donos

A Constituição da República diz que "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar". O Governo de António Costa prepara-se para que a classe média abra mão das casas de família para resolver o problema que os políticos varrem para debaixo da mesa há meio século.


A população portuguesa está a gritar por uma política de habitação que lhe permita arrendar ou comprar casa a preços decentes, isto é, de acordo com o que ganha e a economia do país em que vive. Infelizmente a habitação deixou de ser um problema do Governo a seguir ao 25 de Abril de 1974 como demonstra a história da nossa democracia. As autarquias, que tinham um papel fundamental na política de habitação, demitiram-se das suas responsabilidades e gastam o dinheiro em festas e touradas como se vivêssemos no melhor dos mundos. Ninguém investe em habitação social com o dinheiro fácil que recebe do Estado e dos contribuintes. Bem mais de metade do orçamento das autarquias é para gastar em recursos humanos, embora uma boa parte dos serviços tenham sido entregues a empresas intermunicipais como é o caso da recolha do lixo e do abastecimento de água. O problema é que muitas das autarquias não se reformaram, não fazem planos para o futuro, não cumprem o seu papel de guardiões da sua população; limitam-se a gerir o dinheiro como se fossem os Donos Disto Tudo. As obras que se vêem por aí são alcatrão em cima de alcatrão. Há orçamentos em festas anuais, repito, anuais, que davam para construir todos os anos uma dezena ou duas de casas a preços acessíveis para arrendar a famílias mais carenciadas. Em vez disso, o dinheiro gasta-se num quadro de pessoal que, em muitos casos, é o dobro do que era preciso; noutros casos em obras de fachada.

Sou do tempo em que comprar casa era um objectivo de vida; já nessa altura, há meio século, se sabia que nos países da Europa desenvolvida, os jovens, assim que atingiam a maioridade, tinham o apoio do Governo para comprar uma casa e tornarem-se independentes. Meio século depois do 25 de Abril Portugal continua um país de políticos trapalhões que, em alguns casos, começam a pôr em causa os valores da liberdade como acontecia no tempo de Salazar. As autarquias mais pobres são aquelas que mais gastam em festas e festarolas e investem menos no tecido social para fixar população. Os socialistas que estão no Poder, que agora querem acabar com o excesso de alojamento local, são os mesmos que aprovaram e vão aprovar a construção de dezenas de hotéis nas grandes cidades, subjugados aos grandes interesses dos grupos económicos estrangeiros que dominam a actividade turística.

Obrigar as famílias a arrendar as casas que têm vagas, ou que só utilizam esporadicamente, é uma política muito mais ousada e autoritária que no tempo de António de Oliveira Salazar. O homem deve estar a rir-se no túmulo. Os socialistas portugueses que nos governam querem que o problema da habitação em Portugal se resolva obrigando os proprietários a arrendar as casas que futuramente vão pertencer aos seus filhos e netos; não aproveitam os fundos comunitários para construir habitação em conjunto com as autarquias; não apoiam os jovens no pagamento dos juros junto do banco público para a construção de casa própria; não criam políticas de incentivo como se faz em todo o mundo; deixam a cada entidade bancária a possibilidade de explorar os empréstimos bancários para casa própria como se vivêssemos todos em Miami ou num qualquer território das grandes Américas onde as desigualdades são pornográficas.

É minha convicção que a lei que o Governo vai criar nunca será implementada. Há pessoas que preferem que passem por cima do seu cadáver que abrirem mão da casa dos avós ou dos pais que está vazia, mas é lugar de memórias e de férias ao longo do ano.

Nota final: esta edição de O MIRANTE conta duas histórias que envolvem o Serviço Nacional de Saúde que mereciam entrar pela casa de família de todos os que ganham a vida na política e com a política. É inadmíssivel que vivamos num país que trata assim os seus cidadãos. JAE.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Relatos sobre a vida incerta dos empresários portugueses

Camões foi soldado raso, calejou os dedos a puxar adriças, tressuou a dar à bomba ouvindo descomposturas e impropérios dos mestres das naus em que viajou. O discurso do presidente da AIP no aniversário da associação não falou de Camões, mas lembrou que quem governa nos dias de hoje nunca teve vida incerta nem cheia de baldões e rica de polpa como o poeta autor de “Os Lusíadas”.

António Valdemar, um dos nossos melhores jornalistas culturais, certamente o mais sábio da actualidade, publicou recentemente um trabalho sobre Camões que tem um parágrafo que não esqueci apesar do artigo já ter uns meses.  Aquilino Ribeiro, um dos seus biógrafos, evidencia a agudeza de retina insuperável de Camões quando faz a “anotação do real”. Isto só foi possível — observou — por ter sido “soldado raso, sujeito a todos os trabalhos da mareação, calejando os dedos a puxar as adriças, tressuando a dar à bomba e ouvindo, com torva, mas obediente cara, as ordens, descomposturas e impropérios” dos mestres das naus em que viajou. Daí a obra de Camões ser um relato “da sua vida incerta, precária, cheia de baldões e rica de polpa, tanto para o bem como para o mal”.

Não encontrei melhor citação para trazer aqui o texto do presidente da AIP, José Eduardo Carvalho, que na passada semana, no aniversário da associação empresarial, partiu a loiça e falou daquilo que todos se queixam, mas em surdina, num país que, apesar de alguma evolução, continua a ser de gente bem mandada. “É muito difícil contrariar na concertação social algumas propostas e posições governamentais. É um espaço desequilibrado. Também comungo a ideia que nas matérias fiscais e laborais mais sensíveis os governos tomam sempre as dores dos sindicatos”. Já quanto à questão fiscal criticou a política do Governo que “penaliza lucro, poupança e trabalho e em que a excessiva carga fiscal é suportada por mais de quatro mil impostos e taxas, muitas delas com suporte legal discutível”. Por último, recordou que “todas as recomendações e sugestões para ultrapassar os problemas da litigância fiscal e a morosidade do contencioso tributário são ignoradas: transição voluntária para os tribunais arbitrais, limitação temporal dos juros compensatórios, aceitação voluntária por parte da AT da jurisprudência evitando o contencioso e reintrodução do regime de caducidade das garantias”.

Quem fala assim não é gago. Só não se percebe como a classe empresarial continua tão dócil e ajoujada aos interesses dos políticos do momento; à maioria daqueles que, como Pedro Nuno Santos, João Galamba, Hugo Mendes, Mariana Vieira da Silva, entre muitos outros, que nunca tressuaram ou calejaram os dedos, para voltar a citar António Valdemar sobre Camões. JAE.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Os sabujos a lixarem a vida a quem trabalha

O Governo de António Costa acabou de mandar publicar uma lei para acabar com outra lei que nunca foi cumprida. Entre a publicação dos dois decretos-leis passaram oito anos. Esta é mais uma história triste do país em que vivemos.


Uma conversa rápida com um médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS) deixou-me mais doente do que estava na altura em que o procurei. "O SNS está perigoso, mata, temos que ter muito cuidado e não só protegermo-nos como estar de olhos na nossa família e nos nossos amigos mais próximos, para os podermos ajudar sempre que pudermos". Esta conversa não é da treta, nem é para encher páginas de jornal; pode ser comprovada lendo jornais mas, acima de tudo, falando com quem precisa do SNS e não tem a quem pedir ajuda na altura em que um médico, ou um enfermeiro, revoltados com o sistema, descarregam as suas frustrações e lutam com as suas limitações, sem protegerem os seus doentes.

António Costa fez um brilharete inventando uma coisa chamada "geringonça", que uniu toda a oposição política à volta de uma ideia e de um projecto de governo para Portugal. Com a maioria absoluta das últimas eleições perdeu-se pelo caminho e hoje parece um fantasma a dar entrevistas para se desculpar dos escândalos em que os seus ministros e pessoas de confiança aparecem ligados.

Pedro Nuno Santos, o ministro da TAP, deve estar nas suas sete quintas a contar os dias que faltam para António Costa naufragar e provar do veneno da derrota. Para quem não se lembra, este antigo ministro era a bússola do Governo; qualquer conversa com um dirigente socialista ia ter ao colo de Pedro Nuno Santos.

A verdade é que com ou sem António Costa estamos entregues aos bichos. Dou um exemplo que me toca particularmente e que está contado de forma resumida nesta edição na página 13.

O Governo criou uma lei que obrigava os beneficiários dos dinheiros comunitários a publicar os seus projectos num jornal nacional, local ou regional da área da sede da empresa. O MIRANTE fez queixa à Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, com a intervenção de um advogado, já que a lei que obrigava à publicitação das operações aprovadas nunca foi cumprida. A Provedora respondeu através do seu Provedor Adjunto reconhecendo o problema mas decidindo “não prosseguir com a instrução deste procedimento” tendo dirigido, no entanto, uma “chamada de atenção ao POR Lisboa/CCDRLVT para que, doravante, seja promovida, sem excepções, a publicitação pelos canais adequados de todos os apoios financeiros atribuídos”.

A Provedora de Justiça não só não fez justiça como permitiu que desde a data desta tomada de decisão, em Abril de 2021, até 29 de Março último, nunca tomasse medidas que obrigassem o Governo a cumprir as leis que pediu para serem aprovadas na Assembleia da República. No penúltimo dia de Março saiu uma nova lei em que "o Governo acaba com a publicação obrigatória dos fundos comunitários nos jornais".

Ora aqui está o Estado no seu melhor; aliás, não o Estado mas os técnicos, os burocratas, os manga de alpaca, os sabujos na sua melhor forma, a lixarem a vida a quem trabalha e acredita nos valores da liberdade e da democracia conquistados no dia 25 de Abril de 1974.

Quase 50 anos depois do 25 de Abril as instituições da República foram tomadas de assalto e do SNS à educação, ao emprego, à habitação, bem podemos escolher para que lado é que vamos cair porque, certamente, será sempre para o lado em que os governantes capitaneados por António Costa, com a ajuda da Provedora de Justiça, e de todos os que controlam o Sistema, têm uma espada para nos cortar o pescoço. JAE.