quinta-feira, 27 de maio de 2021

A vergonha de ser investigado; em Ourém e na Chamusca

 

A PJ esteve na Câmara de Ourém e da Chamusca. Foram muitas as vozes que se levantaram contra as notícias de O MIRANTE que terão contribuído para a visita dos inspectores quando todas as nossas notícias se devem ao trabalho, às vezes fastidioso, de ouvir, entender, perscrutar e escrutinar o que se diz e ouve nas reuniões públicas das autarquias.

Em Ourém, como na Chamusca, há muita conversa de café e de rua que vai do insulto às mais fantasiosas cenas dos filmes de Tarantino ou de Hitchcock. A visita da PJ às autarquias gera uma desconfiança nos políticos de proximidade que é um caso sério na nossa democracia. Estas alturas são sempre boas para a luta política mais fraticida que é a de lidar com o boato. O caso de Fátima (Ourém) parece estar relacionado com as pedreiras que são empresas que facturam milhões.

Os autarcas estão sob fogo da investigação, aparentemente assustados com o que se está a passar, mas brincando com o assunto ao culparem a comunicação social atribuindo às notícias as razões dos seus problemas com as autoridades. Não lhes passa pela cabeça que a função da comunicação social é escrever e noticiar; que a PJ não trabalha em cima da agenda das redacções dos jornais e, muito menos, de jornais que se limitam a investigar a informação, que é pública, e que se conquista nas barbas dos autarcas em reuniões de câmara ou em actos públicos das autarquias. O que é triste nesta gente é esconderem-se como se fossem culpados ou já se sentissem condenados. Em vez de darem o corpo às balas e aproveitarem a comunicação social para fazerem o contraditório, mostrando que estão a fazer o seu trabalho e que as investigações não passam de fumo sem fogo, acobardam-se, escondem-se e ainda atribuem culpas aos jornalistas. Só gente impreparada e ignorante pode acusar um jornal de ser culpado de uma investigação da PJ sobre notícias que saíram de reuniões de câmara. Como é evidente estas acusações não são só estúpidas e maldosas; têm também como objectivo esconder o desconforto pelo escrutínio a que estão sujeitos sempre que têm na sala um jornalista que não dorme em serviço.

O caso de Ourém é aparentemente muito mais grave que o da Chamusca. As pedreiras são negócios de muitos milhões, que geram muita desconfiança na população, muitas acusações nos bastidores, muita conversa fiada que certamente também serve para criar atrito e lançar farpas sobre alguma classe política que se sente acima da lei. Em Ourém as pedreiras são grandes negócios, que geram grandes riquezas, que causam grandes invejas mas também grandes proveitos. O caso da Chamusca, onde aparentemente há apenas incompetência e ignorância na forma de gerir a autarquia, a história é bem diferente, até pelos valores envolvidos. Mas não deixa de ser um caso sério, que tira o sono aos autarcas, tão habituados a viverem no melhor dos mundos, sem terem que prestar contas que não seja aos seus camaradas e opositores políticos mal informados e também mal preparados. Desgraçadamente, todos eles também mal assessorados pelos dirigentes dos partidos que representam. Na grande maioria dos casos há vereadores da oposição a discutirem assuntos relacionados com a vida da autarquia com o mesmo espanto que um burro olha para um palácio.

Todos sabemos que o Estado português tem falhado sistematicamente no combate à corrupção. Somos levados a crer que as investigações da PJ nas autarquias são, na grande maioria dos casos, acções de fiscalização que visam detectar, prevenir e combater o crime. Vamos acreditar que há um país antes e depois de Sócrates e do caso BES. E que ser investigado não é vergonha se cada um tiver respostas para dar sobre a sua honorabilidade sem medo da sua própria sombra quando sai à rua. JAE.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

O exemplo de Alcobertas na semana em que os caravanistas foram notícia

 

O código da estrada tem em vigor desde Janeiro a proibição de os auto-caravanistas pararem ou permanecerem em lugares que não estejam licenciados para o efeito. Uma medida considerada inconstitucional e ao arrepio de tudo o que se faz no resto da Europa. Alcobertas acabou de dar o exemplo ao iniciar a construção de um parque para auto-caravanas.

A freguesia de Alcobertas, no concelho de Rio Maior, fica tão distante do litoral como da A1; Para fazer a promoção da vila e atrair turistas, o presidente da junta vai construir um parque de caravanismo. Ceia da Silva, presidente da CCDR do Alentejo, saiu de Évora e percorreu 185 quilómetros para estar presente no aniversário da vila e no acto simbólico do lançamento da primeira pedra do futuro parque de caravanismo.
Esta semana rebentou a polémica que está consagrada no novo código da estrada desde Janeiro quando entrou em vigor. Segundo as alterações está proibido o aparcamento e pernoita de autocaravanas fora dos locais autorizados. Quem fez as alterações ao código da Estrada só pode ser filho do Governador do Banco de Portugal, de banqueiro ou dirigente nacional do PSD ou do PS que são, regra geral, as pessoas mais distantes da realidade do país em que vivemos e que podem gozar com a malta toda que ninguém os leva presos.

O auto-caravanismo é uma das actividades com bastante impacto na economia local, nomeadamente no comércio de proximidade, produtores locais e regionais, assim como constituiu um tipo de turismo que dá preferência, regra geral, a territórios de baixa densidade, destinos ligados à Natureza e ao ar livre, assim como promove a viagem em família e em pequenos grupos com impactos muito menores em termos ambientais que o denominado turismo de massas que é o mais predominante no nosso país. O Caravanismo é ainda, regra geral, uma actividade que permite férias para além da época de Verão, o que só traz vantagens num país como Portugal cuja população concentra a grande maioria dos dias de férias nos meses de Junho a Agosto.

Trago Alcobertas a esta crónica porque o distrito de Santarém é um dos que bem podia investir mais neste tipo de equipamento para que a lei do código da estrada não seja uma afronta a quem opta por um turismo mais sustentável e foge aos padrões dos turistas que, ou viajam para Ibiza ou vão em rebanho para o Algarve consumir e gastar as economias que não fizeram, mas que o cartão de crédito permite e os bancos incentivam, apesar de tudo o que sabemos quanto a juros altíssimos e condições leoninas que levam as famílias à falência.

As novas medidas têm sido contestadas pela Associação Autocaravanista de Portugal e pela Federação Portuguesa de Autocaravanismo por serem consideradas restritivas e discriminatórias. “A isenção pela qual se deve pautar a acção estatal é violada de forma grosseira”, diz uma petição enviada ao presidente da Assembleia da República, que contesta ainda o facto de não existir uma situação análoga à portuguesa em toda a Europa, o que mais uma vez confirma a fraca tendência dos legisladores portugueses para aprenderem com os melhores do mundo na defesa das mais amplas liberdades e direitos de cidadania. JAE.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Estamos todos entregues à bicharada mas não há razão para desistirmos

O Estado e os organismos do Estado continuam a comportar-se como donos disto tudo fazendo gato sapato das pequenas empresas e dos empresários que dão corpo ao pequeno país onde vivemos. Um desabafo que não é sobre esterco mas sim sobre a capacidade de sobrevivência num país de gente ruim.


Há autarcas que são verdadeiros bichos do mato; escondem-se na sua toca durante o dia, saem da toca o mínimo possível, de forma a cumprirem as suas necessidades mais básicas, e só à noite, quando todos os gatos são pardos, mostram a sua verdadeira natureza. Quem diz autarcas diz outros dirigentes políticos e associativos que têm responsabilidades na gestão da coisa pública.

Uma notícia mais desfavorável, ou um texto de opinião mais amargo, ou irónico, é o fim do mundo para certa gente que faz do trabalho de serviço público um projecto pessoal e intransmissível. Jornalismo e profissão de jornalista é coisa que não cabe na cabeça de certa gente que está cega por ter tanto poder e tanto dinheiro para gerir e que governa e gere mal e porcamente como se diz na gíria. Jornalismo que faça o escrutínio dos poderes deles, e dos seus camaradas, que tome partido, que dê opinião, que contribua para o esclarecimento e o debate, pode ser considerado perseguição, terrorismo, manifestação de ódio, entre outros mimos. Tal como nos tempos da outra senhora, de que alguns já não se lembram, outros nem sequer sabem avaliar, quem não está do nosso lado é contra nós. Pois que se danem mais as suas certezas, azias, incapacidades e falta de cultura geral para entenderem a sociedade em que vivemos e o direito à informação livre. 

João Galamba, um dos meninos do Partido Socialista, chamou esterco à informação produzida na RTP pela jornalista Sandra Felgueiras no programa Sexta às Nove. António Costa tinha dito dias antes que os políticos não devem, nem podem, manifestar ódio pelos jornalistas e pelo seu trabalho. O aviso caiu em saco roto. Estes meninos da política, que ainda comem com os dentes de leite, só vão aprender com o passar do tempo, quando chegar a hora de arrastarem o rabo pelo chão, lhes faltar o poleiro e tiverem que dobrar a espinha.

A administração de O MIRANTE dirigiu uma queixa à Provedora de Justiça relativamente aos incumprimentos do Estado na publicação de anúncios referentes à utilização dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento. O  decreto lei 137/2014, que criou um novo modelo de governação dos fundos europeus estruturais, no Artigo 80.º, capítulo dedicado à publicidade, obriga a que «todas as operações aprovadas sejam objecto de publicitação, alternadamente, num dos dois jornais locais ou regionais de maior circulação do concelho ou dos concelhos onde a operação é executada, bem como num jornal de âmbito nacional”. 

A resposta da Provedora de Justiça já chegou; as quatro páginas do ofício fogem do essencial da queixa como os ladrões fogem da polícia. No último parágrafo da missiva sente-se que do outro lado há alguém que não ignora o mundo em que vivemos, embora esteja de partida para outra galáxia; diz a missiva que doravante vai ser promovida, sem excecções, a publicitação pelos canais adequados de todos os apoios financeiros atribuídos, com o objectivo de assegurar a necessária e cada vez mais desejável transparência na gestão, concessão e fiscalização de fundos públicos, etc, etc. Tudo como se as leis do Estado tivessem sido apagadas nos últimos anos e só agora submergissem do longo mergulho no mar das mentiras. Este é o país e os governantes que temos. Pela nossa parte vamos continuar a trabalhar, serenos mas firmes. De peito aberto e sem medo de usar as palavras. JAE.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Ana Miranda, os livros a 1 euro na feira da Bagageira e um mergulho em Copacabana

Ana Miranda publica crónicas no jornal O Povo que são retratos vivos do Brasil; e escreve romances que são o melhor da literatura em língua portuguesa. Um mergulho no mar com a recordação no Tejo e um saco de livros a 1 euro justificam o texto desta semana em que voltei às salas de cinema.

A pandemia trouxe gente de volta ao país real; vou sabendo pouco a pouco de alguns amigos e conhecidos que voltaram às casas de família em Santarém, Abrantes, Benavente, Coruche, entre tantas outras localidades da região. Continuam ligados às empresas sediadas na grande Lisboa mas estão na terra de origem em teletrabalho ou assumindo outras responsabilidades profissionais. A informação chega sempre em modo de novidade, sinal de mudança, quase como o anúncio de uma vida nova.

Inspiro-me ao domingo à tarde, antes de voltar às salas de cinema para ver os filmes que ganharam os óscares, na leitura dos textos de uma cronista de jornal, chamada Ana Miranda, que vive numa casa acabada de construir no meio da mata, quase à beira-mar, na região do Ceará, no Brasil. Ana Miranda é a melhor romancista viva a escrever em língua portuguesa, autora de “Musa Praguejadora - a vida de Gregório de Matos”, um dos livros da minha vida. A sua prosa é única e alguns dos seus romances reinventam a língua portuguesa, são admiráveis, obrigam ao uso do dicionário para fixarmos melhor a beleza de certas palavras; e conta histórias com pessoas lá dentro: reis e bandidos, marinheiros, poetas, índios, comerciantes, mineiros, guerreiros, políticos, etc, sempre com uma trama poética que encanta quem lê e procura o prazer da leitura ao mesmo tempo que o conhecimento do mundo. Alguns dos seus romances contam histórias do tempo em que o Brasil ainda era colónia portuguesa, como é o caso de “O Retrato do Rei” ou “Desmundo”, dois dos seus romances que melhor recriam épocas e personagens da nossa História colectiva, ou ainda “Amerik”, um livro único na literatura em língua portuguesa.

A Feira da Bagageira, que se realiza todos os domingos em vários locais da grande Lisboa, é a nova Feira da Ladra. No último domingo comprei um saco de livros a um euro em Carcavelos e, pelo caminho, fui dar um mergulho na minha praia preferida, logo à seguir à praia do Tejo, na Chamusca, onde há um areal que me faz lembrar a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. O exagero fica por minha conta e satisfação. Para quem não conhece os campos do Ribatejo, e as margens do rio entre Salvaterra de Magos e Abrantes, deve saber do que falo e do exagero das comparações. As paisagens que marcam a minha infância não ficam a dever nada às personagens inesquecíveis da literatura, como é o caso daquelas que habitam os livros de Ana Miranda.

“Sem o medo o mar era só água salgada”, lê-se numa parede, quase em ruína, antes de entrarmos no pequeno areal da praia minúscula de difícil acesso da linha de Sintra. O mesmo vale para quem mergulha no Tejo, depois de percorrer o extenso areal onde se podem observar os rastos dos javalis e de outros animais selvagens, para quem a lua é mais útil que o sol porque as pessoas (e os animais, acrescento eu) precisam de mais luz de noite do que de dia (ainda Ana Miranda no seu romance Amrik) JAE.