quinta-feira, 17 de abril de 2025

O bullying no jornalismo

Quem conhece um pouco da história deste meio século de liberdade tem na vida dos jornais, das revistas e das televisões, mas principalmente nos jornais, um retrato do país. E não é nada de que nos possamos orgulhar. Isto está mau para a liberdade de imprensa, qualquer bardamerda que acha que os jornalistas têm as costas largas vai apresentar uma queixa por difamação. De verdade, o que eles querem é condicionar, meter medo, chatear, roubar tempo, obrigar o jornalista a perder a paciência, a pensar se não é melhor mudar de ofício.


Guardo da minha infância um recado dos mais velhos, que começava na voz autoritária do meu pai e acabava nos conselhos que nem sempre procurava dos homens mais velhos com quem aprendi a viver: “Não te queixes rapaz, se não puderes arreia, mas não te queixes que se tiveres que arrear vai custar-te o dobro”.

Às vezes olho por mim abaixo e pergunto-me como cheguei até aqui, como é que fiz todo este caminho e nem dei pelos anos passarem. Lembro-me de ser um rapaz soberbo, convencido que quando se tem vinte anos de idade a eternidade está assegurada. Hoje estou quase no fim da linha e nem acredito. Só sei que continuo a ser o rapaz de antigamente porque continuo a ser incapaz de me queixar que não seja ao médico. E mesmo nas consultas esqueço-me sempre de algo importante. Falo com os médicos do Sporting, do trabalho, dos livros, das viagens, e só quando chego à rua é que me lembro que deixei a consulta a meio.

Já fui a tribunal uma centena de vezes e tenho aprendido a lidar com a Justiça sem me queixar. Fui constituído arguido centenas de vezes sempre sem medo de ser condenado. Confesso que perdi o conto às vezes em que fui à PSP e ao Procurador do Tribunal prestar declarações. Um dos advogados que actualmente me assiste disse-me recentemente, numa conversa de preparação de um julgamento, que eu tenho a mania que qualquer dia também aprendo a fazer a revisão do meu carro. Disse-lhe que tinha ido prestar declarações numa acusação com mais de trinta páginas e ele, com a mão na cara, foi perguntando, “e falou?”, e eu disse que sim, e ele ainda tapou mais o rosto e gozou comigo por eu ter a mania da facilitar e pensar que a verdade é como o azeite.

É claro que ainda não é hoje que me vou queixar, mas isto está mau para a liberdade de imprensa, qualquer bardamerda que acha que os jornalistas têm as costas largas vai apresentar uma queixa por difamação. De verdade, o que eles querem é condicionar, meter medo, chatear, roubar tempo, obrigar o jornalista a perder a paciência, a pensar se não é melhor mudar de ofício, ou a fazer como muitos falsos jornalistas que vêm para a profissão para um dia chegarem a assessores de imprensa e ficarem perto dos gajos que são donos disto tudo. Quem conhece um pouco da história deste meio século de liberdade tem na vida dos jornais, das revistas e das televisões, mas principalmente nos jornais, um retrato do país. E não é nada de que nos possamos orgulhar. E em muitos casos até nos devia envergonhar. Mas o saldo é positivo, continua a ser a favor da classe. O problema desta vida é que há pessoas que nunca estão satisfeitas com o seu trabalho, sobretudo os jornalistas, talvez a profissão mais bela do mundo mas igualmente a mais ingrata e trabalhosa.

Muita gente sabe o que é o bullying nas escolas, na vida dos adolescentes, mas poucos conhecem o termo na profissão de jornalista. Lido com o problema há muitos anos e por variadas razões , todas relacionadas com pessoas que se sentem poderosas, que engoliram o globo terrestre e que acham que o dinheiro e as influências os ajudam a falar e a pensar. Nunca me queixei, ou me senti vítima, sempre encarei o bullying como uma consequência do meu trabalho, hoje mais do meu dever do que do meu trabalho. Mas denunciar estas práticas, que são criminosas, é o dever de qualquer jornalista que sabe que tem leitores interessados no seu trabalho.

Esta semana passei pelas caixas automáticas dos supermercados Continente para me despachar mais rapidamente. E não consegui a factura dos dois artigos. Fiquei danado. Na loja logo ao lado (estava num centro comercial) ouvi esta conversa que parecia ser para mim: “não uses aquelas caixas; estás a contribuir para quem quer diminuir postos de trabalho”. Sem qualquer justificação lembrei-me que esta semana a Benedita, que só tem 9 meses, andava pelo chão da redacção do jornal, enquanto a mãe e o pai não iam para casa. Quando escrevo, no início do texto, sobre os tempos em que pensava que era eterno, não sabia que a eternidade se conquistava deixando o que temos aos nossos filhos e netos para eles continuarem o nosso legado. Mas nada disto se diz, escreve e pensa, sem um certo receio: esta vida de jornalista e editor é a melhor herança que se pode deixar aos filhos e aos netos? Acredito que sim. E acredito convencido que eles vão ser bem melhores do que eu fui, no trabalho e na gestão, e muito mais inteligentes para não trabalharem tanto e até tão tarde na vida. JAE.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Ordens profissionais estão sempre a ver as pilinhas uns dos outros e assim o SNS não passa da cepa torta

As ordens profissionais estão sempre a ver as pilinhas uns dos outros; de reunião em reunião parece que isto vai, mas depois nunca vai. Nestes últimos tempos os serviços de obstetrícia não funcionam regularmente porque não há médicos, mas os serviços estão cheios de enfermeiros e enfermeiras de braços cruzados sem trabalho. Como a classe não trabalha sem médicos, então não trabalha ninguém.

A idade de um colunista de imprensa tem muito a ver com o seu estilo. Regra geral os velhos jornalistas são mais amargos a escreverem, enquanto os mais novos trazem para o debate questões mais leves, divertidas e muitas vezes felizes. Faço sempre este exercício quando escrevo, e tento moderar-me para não contribuir para o azedume que estraga grande parte dos nossos dias, mesmo antes de chegarmos a casa e vermos os noticiários miseráveis que as televisões nos oferecem.

Num dos últimos fins-de-semana fui fazer um retiro de yoga onde pratiquei pela primeira vez na água. Mais uma vez era um homem entre mulheres. Nada que não me tenha já acontecido noutros retiros, e noutros cursos que frequento com regularidade. Desta vez encontrei uma enfermeira que trabalha com grávidas e faz parte de um grupo de profissionais que defendem com unhas e dentes o parto na água. Claro que a grande maioria dos hospitais não têm condições para a prática do parto na água, e mesmo quando têm os médicos torcem o nariz porque dá mais trabalho e exige mais tempo. Mas as histórias que ouvi ao longo de dois dias são de arrepiar numa área da saúde que deveria ser a primeira em qualquer hospital do mundo.

Como todos sabemos os serviços de obstetrícia da grande maioria dos hospitais do país estão em grandes dificuldades, sem urgências ao fim-de-semana, sem médicos durante muitos dias, num caos que certamente está a fazer aumentar a mortalidade infantil e o sofrimento às mulheres que, quase sem excepção, quando estão grávidas vivem momentos de grande angústia, não só com as dores mas, acima de tudo, com medo de perderem os filhos ou de nascerem com problemas de saúde.

O que mais ouvi, e me deixou perplexo, foi a frase chave que a enfermeira costuma transmitir às grávidas a quem reconhece capacidade de gerir o seu estado físico e espiritual: “do outro lado não está o inimigo, mas tu mulher tens que fazer o teu trabalho, não te podes entregar e calar a tudo o que te dizem e mandam fazer, se não fizeres a tua parte vai correr mal, tens que saber quais são os teus direitos”. Resumindo, para não estar aqui a escrever o óbvio e a bater no ceguinho, voltando a citar a enfermeira Inês: “as ordens profissionais estão sempre a ver as pilinhas uns dos outros; de reunião em reunião parece que isto vai, mas depois nunca vai”. Nestes últimos tempos os serviços de obstetrícia não funcionam regularmente porque não há médicos, mas os serviços estão cheios de enfermeiros e enfermeiras de braços cruzados sem trabalho. Como a classe não trabalha sem médicos, então não trabalha ninguém. E se chegar uma grávida à urgência que não conseguiu marcar a sua consulta, mesmo que vá a gritar com dores, vai ter que voltar pelo mesmo caminho de onde veio. Concluindo: a maternidade e o apoio à maternidade, que devia ser um trabalho único no Serviço Nacional de Saúde, é uma desgraça ao nível daquilo que se passa em qualquer pocilga ou estalagem no meio do nada, onde os políticos que nos governam facturam à fartazana, para depois receberem os dividendos em envelopes ou das contas bancárias dos seus testas de ferro.

Há quatro dezenas de anos, quando vivi estes problemas na pele, pagava a uma enfermeira para ter a certeza que nem os meus filhos nem a mãe deles ficavam à porta da maternidade ou atrasavam o parto porque os serviços estavam em greve ou não havia médicos suficientes. Hoje ouço, vejo e leio o que se passa nas maternidades e no SNS, e pergunto: quando é que as Ordens Profissionais vão deixar de andar a contar pilinhas, e os políticos que governam o país ganham vergonha quando começam a receber informações de que a mortalidade infantil está a aumentar devido a gravidezes mal vigiadas e acesso desigual a cuidados de saúde. JAE.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Santarém é atar e pôr ao fumeiro

Só o Centro Histórico da cidade de Santarém é que ainda não é “atar e pôr ao fumeiro”. Como todos sabemos, é um circo perceber como é que alguém consegue fazer obras na sua própria casa, quando os técnicos e os gabinetes técnicos são parte de um exército de sanguinários, ao serviço do Estado, que ainda usam a velha e carcomida espada de D. Afonso Henriques para impedir qualquer atentado ao património.

 

O futuro aeroporto internacional de Lisboa está destinado aos terrenos do campo de tiro situado no concelho de Benavente. Santarém tinha um projecto que parecia irrecusável por ser investimento privado, e ficar fora da concessão da Vinci, que tem o monopólio de todos os aeroportos em Portugal, mas o Sistema é impenetrável, e o país de José Sócrates e Ricardo Salgado só muda quando mudarem as mentalidades. 

Na altura da escolha do campo de tiro, Santarém ficou de fora como já tinha ficado Alverca, as duas hipóteses por razões infundadas e muito mal explicadas, nomeadamente a de Santarém que, diz o relatório, por interferir com o espaço aéreo de Monte Real, o que parece surreal mas não é, mostra a lógica dos amplos poderes de quem manda e é Dono Disto Tudo.

Resumindo: quem ganhou, aparentemente, foram os portugueses que não querem os vícios da nova civilização nos seus territórios. Que os lusitanos se esmifrem uns aos outros na área metropolitana de Lisboa, que façam mais três travessias sobre o Tejo na área de Lisboa, que transformem a capital num CCB gigante, ligado por túneis com o teatro S. Carlos, o teatro Dona Maria, a Torre de Belém, as lojas de pastéis de nata, a Rua Augusta, o restaurante da filha do Senhor Amorim na Avenida da Liberdade e, já agora, os bordeis de luxo que crescem como cogumelos na áreas residenciais, também de luxo, do Chiado e das Avenidas Novas, só para dar dois bons exemplos.  E, já agora, que deixem o resto do país para os pastores de cabras e de sonhos, os vencidos da vida, os trolhas e os poetas populares e artesãos, mais os outros todos que só habitam o território ao fim-de-semana e vivem o melhor dos dois mundos.

Recentemente ouvi números que garantem que o passe ferroviário verde que o governo de Luís Montenegro estendeu até aos utentes da CP que chegam a Santarém fez aumentar os utentes para (quase) o dobro. O problema agora é o estacionamento. Nesta altura a câmara está a receber protestos  porque há pessoas a estacionarem onde não deviam nem é seguro, como aliás já acontecia antes.

Uma cooperativa de promotores de habitação, formada recentemente, está a iniciar a  construção, perto da Quinta do Mocho, de duas dezenas de apartamentos T2 e T3 que dizem já ter cerca de duas centenas de pessoas interessadas, numa lista que promete aumentar, uma vez que as reservas começam em breve. Os preços variam entre os 150 e 200 mil euros. Comparado com o que custa um apartamento em Lisboa, ou na região de Lisboa, estamos  a falar do mesmo que entregar um aeroporto aos tipos da VINCI, ou a um promotor privado que pouparia ao Estado português biliões de euros, sim, biliões; no caso de dinheiro bem distribuído pela economia do país provavelmente seria o suficiente para ficarmos todos com o nível de vida dos países mais ricos do mundo.

Só o Centro Histórico da cidade de Santarém é que ainda não é “atar e pôr ao fumeiro”. Aliás, os comerciantes da cidade andam a pedir S. José, o padroeiro, que alguém se ofereça para a associação da classe não morrer e haver vozes de contestação que não deixem os políticos dormirem na fôrma, e também eles se empenhem em contribuir para o governo da urbe. Como todos sabemos, principalmente quem mora e nasceu aqui, a população do Centro Histórico da cidade é quase toda descendente dos antigos monarcas, e os que não o são gozam com os que são, e é um circo perceber como é que alguém consegue fazer obras na sua própria casa, quando os técnicos e os gabinetes técnicos são parte de um exército de sanguinários, ao serviço do Estado, que ainda usam a velha e carcomida espada de D. Afonso Henriques para impedir qualquer atentado ao património, ou seja, tudo o que no Centro Histórico não for uma ruína não tem valor para os mangas de alpaca.

A crónica não pretende ser humorística, embora neste último parágrafo tenha resvalado para a anedota. Mas não é o que apetece depois de uma pessoa viver numa cidade, neste último meio século, e tudo o que devia ser “atar e pôr ao fumeiro” é quase, como diz outro provérbio “preferirmos viver eternamente arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica”? A luta política que se adivinha com as eleições autárquicas talvez nos ajude a perceber melhor o que é que falta darmos aos mangas de alpaca dos ministérios de Lisboa para nos largarem da mão e deixarem o centro histórico da cidade respirar, de preferência em obras, apoiadas pelos serviços técnicos e, quem sabe, até financiadas por programas especiais que o PRR’s desta vida deviam apoiar. JAE.