Ana Miranda publica crónicas no jornal O Povo que são retratos vivos do Brasil; e escreve romances que são o melhor da literatura em língua portuguesa. Um mergulho no mar com a recordação no Tejo e um saco de livros a 1 euro justificam o texto desta semana em que voltei às salas de cinema.
A pandemia trouxe gente de volta ao país real; vou sabendo pouco a pouco de alguns amigos e conhecidos que voltaram às casas de família em Santarém, Abrantes, Benavente, Coruche, entre tantas outras localidades da região. Continuam ligados às empresas sediadas na grande Lisboa mas estão na terra de origem em teletrabalho ou assumindo outras responsabilidades profissionais. A informação chega sempre em modo de novidade, sinal de mudança, quase como o anúncio de uma vida nova.
Inspiro-me ao domingo à tarde, antes de voltar às salas de cinema para ver os filmes que ganharam os óscares, na leitura dos textos de uma cronista de jornal, chamada Ana Miranda, que vive numa casa acabada de construir no meio da mata, quase à beira-mar, na região do Ceará, no Brasil. Ana Miranda é a melhor romancista viva a escrever em língua portuguesa, autora de “Musa Praguejadora - a vida de Gregório de Matos”, um dos livros da minha vida. A sua prosa é única e alguns dos seus romances reinventam a língua portuguesa, são admiráveis, obrigam ao uso do dicionário para fixarmos melhor a beleza de certas palavras; e conta histórias com pessoas lá dentro: reis e bandidos, marinheiros, poetas, índios, comerciantes, mineiros, guerreiros, políticos, etc, sempre com uma trama poética que encanta quem lê e procura o prazer da leitura ao mesmo tempo que o conhecimento do mundo. Alguns dos seus romances contam histórias do tempo em que o Brasil ainda era colónia portuguesa, como é o caso de “O Retrato do Rei” ou “Desmundo”, dois dos seus romances que melhor recriam épocas e personagens da nossa História colectiva, ou ainda “Amerik”, um livro único na literatura em língua portuguesa.
A Feira da Bagageira, que se realiza todos os domingos em vários locais da grande Lisboa, é a nova Feira da Ladra. No último domingo comprei um saco de livros a um euro em Carcavelos e, pelo caminho, fui dar um mergulho na minha praia preferida, logo à seguir à praia do Tejo, na Chamusca, onde há um areal que me faz lembrar a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. O exagero fica por minha conta e satisfação. Para quem não conhece os campos do Ribatejo, e as margens do rio entre Salvaterra de Magos e Abrantes, deve saber do que falo e do exagero das comparações. As paisagens que marcam a minha infância não ficam a dever nada às personagens inesquecíveis da literatura, como é o caso daquelas que habitam os livros de Ana Miranda.
“Sem o medo o mar era só água salgada”, lê-se numa parede, quase em ruína, antes de entrarmos no pequeno areal da praia minúscula de difícil acesso da linha de Sintra. O mesmo vale para quem mergulha no Tejo, depois de percorrer o extenso areal onde se podem observar os rastos dos javalis e de outros animais selvagens, para quem a lua é mais útil que o sol porque as pessoas (e os animais, acrescento eu) precisam de mais luz de noite do que de dia (ainda Ana Miranda no seu romance Amrik) JAE.
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