quarta-feira, 25 de novembro de 2009
O coro das velhas
À redacção de O MIRANTE chegam com regularidade queixas de leitores que estão descontentes com o serviço de abastecimento de água da rede pública. São queixas por causa do aumento das facturas mas também sobre a falta de interlocutores como havia dantes. E a procissão ainda vai no adro. A privatização do abastecimento da água de consumo público é uma medida que ainda não consegui compreender apesar de conhecer bem as razões financeiras que estão na sua origem.
O que nos espera, segundo as previsões mais abonatórias, é a escassez da água de consumo público já na próxima década. Privatizar o abastecimento de um bem tão essencial como a água que corre nas nossas torneiras parece-me o embuste do século.
Vivemos num país em que precisamos de sustentar uma transportadora área porque não podemos viver sem uma empresa de aviões controlada pelo Estado. O mesmo se passa com a banca, com a televisão, com as gasolineiras, com os comboios, e por aí adiante. Com a água, que está escrito no céu haveremos de beber um dia de forma mitigada, entrega-se a sua gestão a empresas privadas com contratos assinados e datados para vigorarem durante um século.
Recuso-me a fazer parte do coro das velhas que acham que este país não tem solução. Mas não desisto de desafiar os responsáveis por estas medidas a explicarem preto no banco porque precisamos nós de entregar a gestão da nossa água às empresas privadas antes de lhe entregarmos o nosso esqueleto. A minha convicção é a de que quem manda no preço da água de consumo público manda na democracia.
Vamos continuar a pagar os custos astronómicos de uma televisão pública, de uma transportadora área, de uma máquina poderosa do Estado na banca e noutros organismos públicos que nos dizem serem indispensáveis para defendermos a democracia, mas no sector da água, da água que precisamos em nossas casas, vamos ficar dependentes da gestão dos privados. Eu percebo o encaixe financeiro que isso representa só não percebo porque tinha que ser a água a salvar as finanças das autarquias.
É notícia nesta edição e parece uma boa notícia: as técnicas da Segurança Social voltarem à casa que a população de Foros de Salvaterra ofereceu à Marília e aos filhos e parece que desta vez elogiaram a moradia e as condições em que foi construída e está a ser habitada. Estranho não é? Clara Carregado também foi na comitiva. Viu o que já tinha visto antes e não terá aberto a boca. Mas, pelos vistos, não vai ser posta na ordem. Quem será a próxima vítima depois da Marília e dos seus filhos terem o sossego que merecem?
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Poetas e políticos militantes
No dia em que visitei uma das casas museu de Pablo Neruda, no Chile, na companhia de Jorge Guzmán, fiquei a conhecer um pouco melhor a polémica que envolveu o autor de “O Livro das Perguntas” e alguns dos seus camaradas de letras.
Pablo Neruda não ficou famoso por ser um grande camarada dos homens de letras do seu tempo mas a sua poesia e a sua militância política ainda hoje são reconhecidas e valorizadas em quase todo o mundo.
As montras das livrarias de Madrid enchem-se nesta altura do ano com as biografias de Francisco Ayala e Esther Tusquests, só para citar dois bons exemplos que fazem a diferença neste género literário.
Tusquets chamou ao seu livro de memórias “Confissões de uma mulher indigna” o que acentua bem o registo de vida de uma das mais importantes e famosas editoras de livros e do que foi a sua vida no convívio com as grandes figuras da cultura europeia desde último meio século. “Naquele tempo passávamos horas e horas sentados nas mesas dos cafés. Ninguém tinha pressa ou comentava o facto de ser esperado algures ou de ter que madrugar na manhã seguinte. Reuníamo-nos antes do almoço, à hora do café, a meio da tarde, a noite inteira. E isso não impedia que quase todos estivessem a levar a cabo uma obra importante”.
No mesmo registo Francisco Ayala escreveu as suas memórias e fala do autor de “Confesso que Vivi”. “Neruda era, mais do que um grande poeta, um politico ambicioso e, como político, cometeu a perversidade de pôr a poesia ao serviço dos seus fins. Recordo que em 1945 foi ao Brasil dar uma conferência no Estado de S. Paulo e passou um dia no Rio de Janeiro. Um fotógrafo francês, a trabalhar no Rio, saiu connosco para a rua e fez sentar Neruda num banco do passeio seleccionado entre os jovens negros que estavam observando um deles para Neruda lhe pôr as mãos pelos ombros enquanto fingia falar com os outros que tinham ficado a observar. Uma vez obtida a fotografia despacharam as crianças testemunhas daquela cena comovente em que confraternizavam as raças e os pobres de todo o mundo debaixo da asa da poesia”.
Escrevo estas notas de leitura em viagem com a memória ainda fresca de uma conversa ao telefone com uma amiga que me confessou sentir medo de viver num país onde a liberdade de opinião começa a estar em causa. “Hoje já ninguém vai preso por escrever nos jornais ou publicar livros mas cuidado que o mundo anda perigoso com tanta face oculta e tão poucos a darem o corpo às balas”. Tomei nota mas mesmo assim resolvi deixar aqui este registo simplório sobre poetas e políticos que ajudaram a mudar o mundo. Para melhor, muito melhor, apesar das grandes diferenças ideológicas.
Nota: O Filipe, a Tatiana e a Soraia continuam no centro de acolhimento da Barquinha embora já tenham uma casa para viver e centenas de amigos à espera para continuarem a ser solidários. O “carrasco” responsável por esta situação e a secretária do Governo, Idália Moniz, continuam a dormir descansados e provavelmente já andam a comprar prendas de Natal para os seus queridos filhos.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Um mundo cor-de-rosa
Na noite das eleições autárquicas saí à rua. Tomei o rumo do norte do distrito de Santarém e acompanhei a noite eleitoral na Chamusca, Golegã, Tomar, Rio Maior e Alcanena. Como é facilmente explicável não estive na hora H em todos os locais onde as emoções se viveram à flor da pele. Assisti, no entanto, ao desenrolar dos acontecimentos de uma noite eleitoral cheia de surpresas. Registo a serenidade do reeleito presidente da câmara de Tomar. Vi em Ourém uma manifestação popular que me fez recordar aquela que há quatro anos comemorou a vitória de Moita Flores em Santarém. Pareceu-me que a de Ourém foi ainda maior e mais ruidosa. Estive por lá o tempo suficiente para perceber que havia no rosto daquela gente uma alegria de cravos vermelhos. Não imagino nem quero saber a que horas acabaram as filas de carros no centro da cidade; de onde é que veio tanta gente para formar uma multidão. E saí de Ourém muito antes da chegada de Paulo Fonseca à sede do partido.
As tomadas de posse dos autarcas são regra geral um bom momento para perceber como é que vai a saúde da democracia no poder local. Os rituais são aborrecidos. Nalguns casos a pompa e circunstância chega a roçar o ridículo.
Por opção não assisti às tomadas de posse. Escrevo baseado no registo dos jornalistas da redacção que acompanharam os acontecimentos. Em Rio Maior, apesar de Isaura Morais ter ganho a câmara com maioria absoluta, os discursos da oposição soaram alto. Quem não soubesse os resultados das eleições diria que quem ganhou foram os do PS coligados com os independentes. Ou vice-versa. A vencedora das eleições, Isaura Morais, a mulher que destronou o poder de Silvino Sequeira que durou 25 anos, parecia estar noutro mundo de tão nervosa e emocionada. Como foi a última a falar fez jus à sua vitória. Tendo em conta a humildade do seu discurso, comparado com o daqueles que perderam, só faltou que Isaura Morais tivesse pedido desculpa por ter ganho. Ainda por cima com maioria absoluta.
Em Ourém, enquanto o candidato derrotado do PSD abraçava o candidato vencedor do PS, a deputada social-democrata Carina Oliveira desabafava para quem estava ao seu lado e tomava boa nota da multidão que quase deitava abaixo o cine-teatro. “Isto custa como facas a espetarem-se nas costas. Mas a forma como esta gente se mobilizou é comovente. Custa sempre perder mas, às vezes, é preciso reconhecer que a democracia faz-se de derrotas e de vitórias.” Exemplar.
A Tatiana, o Filipe e a Soraia continuam no Centro de Acolhimento da Praia do Ribatejo longe do colo da mãe por causa da birra de uma senhora que é técnica da Segurança Social e presidente de uma associação que aparentemente protege crianças. Idália Moniz foi reconduzida como Secretária de Estado e o mundo para ela e para os seus filhos continua a ser um mundo cor-de-rosa.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Uma vigília permanente
O MIRANTE tem duas equipas na rua a trabalharem na promoção das assinaturas. Somos desde a primeira hora um jornal vocacionado para a venda por assinatura e temos ganho a aposta desde que definimos a nossa linha de rumo. Na passada semana começamos a trabalhar no Jumbo de Alverca depois de termos sido “chutados” mais uma vez do Festival de Gastronomia de Santarém. Cada vez que nos fecham uma porta nas aldeias onde já demos provas da qualidade do nosso trabalho abrem-se duas portas nas cidades por onde andamos a desbravar caminho.
Um dia destes a D. Maria tinha tanta vontade de assinar O MIRANTE e o nosso colega foi tão insistente na abordagem, mas deixou sem dinheiro para as compras a cliente do Jumbo. Foi uma paródia vê-la a ligar para o telemóvel do marido a pedir socorro pois tinha ficado sem os 20 euros que levava para as compras por ter gasto a maior parte na assinatura do jornal. E depois do marido chegar ainda fez o que é mais surpreendente; telefonou a um vizinho, que ela sabia que também gostava de receber O MIRANTE em casa, e, já com a carteira recheada, pagou uma nova assinatura depois de ouvir a promessa de que recebia o dinheiro de volta logo que chegasse das compras.
Não sei a quem é que interessam estas histórias mas acho que é minha obrigação passar a mensagem de que este jornal, com as suas três edições diferenciadas, chega a uma comunidade de leitores que vai muito para além do que, no princípio, era o nosso projecto e até as nossas ambições.
No passado sábado, na reunião dos agentes locais do concelho de Vila Franca de Xira, fomos o centro do debate devido ao trabalho editorial que desenvolvemos todas as semanas no concelho.
Cada vez que nos fecham uma porta, como aconteceu agora no Festival de Gastronomia de Santarém, aí estamos nós a abrir outras portas onde a comunidade gosta e sente necessidade de ler um jornal livre e escrito por homens que dedicam a sua vida ao jornalismo.
A vigília organizada em Salvaterra de Magos pelas pessoas que estiveram sempre ao lado da família da Tatiana, do Filipe e da Soraia foi um êxito em termos de participação. Das nove à meia-noite passaram pelo local da vigília mais de três centenas de pessoas. Em que país é que vive a dona Clara Carregado, funcionária da Segurança Social e presidente da CPCJ, uma organização com poderes para manter três crianças institucionalizadas depois da população lhe ter oferecido uma casa nova e mobilada? Quantos secretários de Estado, como a empresária Idália Moniz, não dariam o couro e o cabelo para um dia poderem ser solidários ao nível do que foi a população anónima da região com a Marília e os seus filhos?
Perguntas que não têm resposta porque vivemos num país de políticos do terceiro mundo e de instituições ainda cheias do vício de outros tempos.
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