Esta crónica saltou da caneta para o papel a uma sexta-feira por volta da meia-noite. O dia começou cedo depois de um salto da cama e o início dos preparativos para uma viagem de trabalho à Guarda. Já de volta almocei sável frito num restaurante de Tancos e às 15h30 já estava numa entrevista com a direcção da Agrotejo na Golegã. Cerca das dezoito horas um médico fisiatra de uma clínica de Santarém tentou explicar-me que a rutura completa do tendão distal do bicípite branquial do braço esquerdo não se cura com paninhos quentes. Uma vez que recusei a cirurgia vou ter que fazer muita fisioterapia.
Com algum desconforto, mas sabendo que tenho um corpo jovem que se regenera com muita facilidade, fui a correr para a secretária com os olhos bem abertos para abrir o correio e despachar os assuntos mais urgentes.
Uma hora depois estava a trabalhar em viagem até chegar à piscina onde dei umas braçadas e abri o caderno para actualizar as minhas notas. Lanchei duas maçãs no banho turco e, depois de um banho de água fria, meti-me ao caminho para o cinema onde assisti ao filme das 21h30, numa sala gigantesca para meia dúzia de almas solitárias como eu.
Escrevo à meia-noite numa sala minúscula para a grandiosidade daquilo que os meus braços gostavam de alcançar apesar da rotura completa do meu tendão.
Enquanto as palavras saltam da caneta para o papel vou relembrando os passos que dei durante o dia; doi-me a cabeça por não ter devolvido três telefonemas que estão registados no meu telemóvel; por não ter tratado de assuntos que na quinta-feira apontei no meu caderno com a indicação de urgentes; um deles é o trabalho final da capa de um livro.
Quando a minha mão direita pegou na caneta para escrever esta crónica a ideia era contar o que penso do trabalho dos nossos deputados que no início desta semana fizeram uma viagem de reconhecimento Tejo abaixo por causa dos problemas da poluição. Vai para o lixo tudo o que escrevi a seguir ao último ponto final deste texto. A maior parte dos deputados da Nação são filhos de gente que já foi pobre; alguns deles são netos de gente que vivia da pesca ou da agricultura. Hoje são pessoas importantes; militam no Bloco de Esquerda, no Partido Socialista ou até no Partido Comunista. Nestes últimos dias andaram a ver a poluição do Tejo sem saberem que um rio não é só um curso de água mais ou menos poluída pelo mau funcionamento das ETAR´s e pelas descargas poluentes de algumas indústrias. Depois desta visita vão escrever um relatório que entregarão ao primeiro-ministro onde darão conta daquilo que foram as principais questões que os mantiveram acordados entre tantos afazeres como cuidar dos telefonemas dos camaradas e dos interesses que ficaram em banho maria nos seus gabinetes da Assembleia da República. Depois volta tudo ao normal. Daqui a uns anos restam as fotografias de grupo e as recordações das almoçaradas e das jogadas políticas. JAE