Perdi a certeza de que vale a pena falar do Tejo como rio, já que antes e depois das barragens do Fratel e de Belver, o Tejo é apenas um curso de água moribundo que os espanhóis deixam entrar em Portugal.
“Ousemos pensar, ler, criticar e escrever. A velocidade a que a ciência está a alimentar a tecnologia não nos dá hipótese de prevermos o futuro tal são as surpresas que nos esperam. O que vai mudar as nossas vidas é a economia e não a ciência. O que temos pela frente é muito difícil de imaginar. Temos que preparar os jovens para o imprevisto. E não há treino possível que possamos preparar para os ajudarmos. A saúde para todos é uma falácia. Nas crises fica claro, como acontece hoje com a pandemia, que as políticas não resolvem nada, muito menos as políticas económicas. 70 por cento dos europeus querem um mundo diferente daquele que vivemos mais centralizado nas pessoas. O jornal The Economist e o Financial Times, jornais líderes de opinião, e desde sempre conservadores, andam a gritar pelo socialismo”.
Recupero parte de um discurso da cientista Maria do Carmo Fonseca, ouvido num lançamento de um livro do advogado Eduardo Paz Ferreira, e fico sem certezas sobre o que escrever quando viajo a um domingo pelo centro do país, e vou reconhecer uma parte do meu território, onde pontificam as barragens de Belver e do Fratel, as praias fluviais cheias de banhistas, e as figueiras à beira das estradas carregadas de figos maduros que me alimentam a guloseima a cada paragem para descobrir os mais maduros, já quase em passa, doces como mel, com pena de não levar um balde para apanhar os frutos do chão e recuperar um hábito de criança do tempo em que a lua era habitada por pastores e muitos rebanhos de ovelhas.
Para alimentar a nostalgia doutros tempos fui à Amieira do Tejo e percorri uma das aldeias mais tradicionais do território que melhor espelha a fronteira entre o Alentejo e o Ribatejo; do lado de lá, junto ao rio, reconheço a casa do antigo funcionário da CP entretanto desactivada como apeadeiro, e onde há uma dúzia de anos morava o poeta e tradutor Miguel Serras Pereira, que entrevistei durante um fim de tarde para um trabalho editorial que foi publicado num suplemento que anunciava os prémios de Personalidade do Ano de O MIRANTE.
Abaixo das duas barragens o rio parece um ribeiro. Acima a água está cheia de lodo, embora proporcione passeios de mota de água, canoa, e uns mergulhos que fazem as delícias dos habitantes locais que aproveitam para gozarem o fim-de-semana o mais perto que podem do paraíso.
A autoestrada serve para fazer centenas de quilómetros num único dia. Serve também para regressar ainda a tempo a Lisboa, passando pela Chamusca, apanhando as ameixas e os abrunhos que ainda restavam nas árvores, e assistir a uma sessão de cinema no S. Jorge. Enquanto vejo o filme trabalho mentalmente num documentário em cima das imagens do dia onde pontificam as terras de restolho, os porcos e as cabras à solta em alguns quintais, e os semblantes dos moradores à passagem do carro por dentro da aldeia, a 10 à hora, tentando adivinhar quem é o sacana que se passeia pela hora do calor.
A viagem foi no passado domingo; as palavras fortes da cientista Maria do Carmo Fonseca são de há dois meses. Neste meio tempo perdi a certeza de que vale a pena falar do Tejo como rio, já que antes e depois das barragens do Fratel e de Belver, o Tejo é apenas um curso de água moribundo que os espanhóis deixam entrar em Portugal depois do transvase que alimenta as hortas das províncias de Alicante, Almeria e Múrcia, e das cinco barragens espanholas que são grandes instalações de armazenamento de água que, junto com a central nuclear de Almaraz, representam o grande negócio da Iberdrola, o operador hidroeléctrico mais conhecido do mercado.
Na noite em quem escrevo esta crónica o primeiro-ministro António Costa deu uma entrevista à TVI ao jornalista Miguel Sousa Tavares, e a conclusão é que ele está a governar o país mais importante da Europa, que se orgulha de ser o centro do mundo por estar na rota das áfricas, das ásias e dos “brasis”, e todos os cabos onde a tecnologia faz milagres estarem amarrados no Porto de Sines. Rendo-me e prometo que não volto a escrever poemas nos próximos tempos e, muito menos, saio de casa para ver a banda passar. JAE.
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