quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Uma estrela afiada
De vez em quando mudo-me duas ou três semanas para uma cidade do mundo. Deixo a terrinha e vou viver e dormir em lugares desconhecidos que me renovam e ajudam a renascer. Um dia fico por lá? É provável. Mas, até hoje, as minhas viagens foram sempre programadas incluindo as emoções do dia marcado para o regresso.
A minha vida é a minha família, a minha terra e a defesa dos meus hábitos e costumes; a minha casa comprada aos herdeiros do senhor Manuel Moedas, a casa dos meus pais, o Tejo, que é todo meu, e uma boa parte da charneca e da lezíria que ainda não está vedada à circulação dos cidadãos que gostam de andar a pé, de moto ou de bicicleta, pelos caminhos da infância, como é o meu caso. Tudo isto são razões mais do que suficientes para viajar com regresso marcado.
Na minha aldeia ainda se dorme com a porta no trinco; o padeiro deixa o pão na maçaneta da porta às seis da manhã; o vizinho toca à campainha ao fim do dia para pedir uma pitada de sal; os amigos juntam-se a um fim-de-semana para se ajudarem na horta, no quintal ou na recuperação de um telhado; o padre, o farmacêutico e o médico de família são convidados de todos os casamentos e baptizados; na maioria dos quintais ainda se criam coelhos e galinhas, e o relógio da torre da igreja marca a hora a que se deitam e levantam a maioria dos habitantes.
Mas nem tudo são rosas; e as promessas feitas ao Senhor, na noite da procissão, que junta ricos e pobres, velhos e novos, muitas vezes são compromissos com o diabo que as pessoas trazem dentro de si.
Na paz de um lugarejo, nos bairros que cheiram ao fumo das chaminés; ao fundo dos quintais onde ainda há fornos a lenha para cozer o pão e confeccionar trouxas-de-ovos, é sempre possível, como nos tempos da pedra lascada, encontrar gente ruim como cobras.
O meu avô paterno passou os últimos anos da sua vida sentado à porta de casa, ao fundo do meu quintal, com uma bengala por perto para substituir as pernas que ficaram trôpegas numa idade em que a generalidade dos homens regavam sozinhos uma seara de milho. Aprendi com ele, vendo como fumava, comia e bebia deitado na cama, que a cada minuto que passa os homens precisam de decidir o que vão fazer da vida no minuto seguinte, o que quer dizer que a vida dos homens é um problema permanente. Principalmente quando não estão a dormir e sentem um friozinho na barriga derivado da proximidade de uma lâmina ou de uma estrela afiada.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário