quarta-feira, 23 de maio de 2012
Fazer a vontade ao diabo
Confesso que sou bom p’rá brincadeira mas não pratico. A vida com o George Steiner debaixo do braço é muito mais interessante do que andar por aí com o nariz vermelho do palhaço. Eu sei que também há o meio-termo; mas sempre fui de extremos; ou tudo ou nada. Pago caro mas pago com satisfação porque faço a vontade ao diabo.
Nos últimos tempos a minha vida tem sido um inferno por causa da Clotilde; deixei crescer as unhas; cheiro mal dos pés; perdi tudo o que tinha investido em acções na bolsa de Frankfurt; enganei-me a licitar num leilão online e comprei gato por lebre; preparei-me para uma grande viagem pela Europa e quase que dei cabo do sofá lá de casa; enfim, não saía daqui se contasse uma a uma as desgraças que devo ao facto de uma Clotilde se ter metido na minha vida.
icloud é o nome de guerra da Clotilde; uma nuvem onde estão alojados todos os textos que escrevemos no computador desde que estejamos ligados à internet. Estamos à beira Tejo na Chamusca, em Vila Franca de Xira ou em Abrantes, na praia de Copacabana ou na Ilha de Páscoa, e é como se estivéssemos à secretária de trabalho; o programa garante o acesso a todos os textos e permite todas as alterações que desejarmos. Com o icloud um tipo pode ser escritor, investigador, jornalista no meio de um olival, no intervalo de um jogo de futebol, na cadeira do dentista ou onde muito bem quiser. Com o icloud podemos trazer atrás de nós o prédio virtual de dez andares que andamos a construir escrevendo pequenos poemas ou todos os textos da nossa vida que explicam a paixão pelas entradas de toiros na Chamusca ou as largadas em Pamplona.
No momento em que escrevo esta crónica o Steiner acaba de me revelar as coisas mais espantosas do mundo; que o homem acamarada com os ventos e que nasceu para a vagabundagem mas vive a vida a contrariar-se; que lá onde Jeremias pregou irado existem hoje imensos bares de mulheres em topless; que até as raças mais puras precisam das suas pulgas; que a loucura sangrenta dos Khmer Rouge, no Camboja, pode ser elevada ao nível da raiva de Marx contra o capitalismo; e até de Schopenhaur, George Steiner, dá novidades anunciando que isto está tão mau, tão mau, que um dia destes pode acabar, mas nunca acabará como imaginamos porque a música persistirá muito para além de nós.
Grandes revelações de uma noite de leitura que, no entanto, não apagam o drama que ando a viver depois de ter encontrado uma Clotilde pelo caminho, um programa chamado icloud, que por estar alojado numa nuvem inteligente, me dá cabo da paciência.
É quando mais preciso de navegar que o ipad não liga, ou está sem rede, ou não faz a ligação com o iphone, ou não aceitou as últimas alterações ao texto, ou não transfere para a impressora o texto que eu preciso de imprimir com urgência.
Ah! não conto todos os meus problemas com a Clotilde, quero dizer, o icloud, porque a maioria deles são obscenos: e eu não sou um Moita Flores a escrever; não tenho jeito para o romance nem para as novelas; sou verdadeiramente um tipo ordinário quando está na nuvem, quero dizer, no icloud, com a Clotilde, e nem queiram saber quantas vezes é que eu já prometi a mim mesmo que troco toda a parafernália de equipamentos que me foram oferecidos por um Asus de 240 euros que aceite uma simples pen de um giga. JAE
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