quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Boa viagem Artur Barbosa

Morreu o Artur Barbosa. Para quem não sabe era o cabo-verdiano mais europeu e ribatejano que já conheci em toda a minha vida. Estou sem palavras porque era amigo do Artur Barbosa. Era médico de profissão e eu tinha a sorte de ser doente dele. Doente, quer dizer: embora eu fosse tratado sempre com mil cuidados e atenções às vezes era eu que, antes de sair do seu consultório, o aconselhava a descansar mais e a cuidar da sua saúde. O Artur Barbosa escapava-se algumas vezes do seu trabalho para viajar pelo mundo mas quando estava ao serviço trabalhava a todas as horas. E por isso tinha uma multidão de gente ao seu cuidado que ele tratava e atendia como se fossem da sua família.
Há-de haver certamente pessoas que não gostavam do Artur Barbosa. Mas eu posso garantir que ele era um ser humano excepcional; um homem que muitas vezes juntava a hora do almoço com a do jantar em nome da sua profissão e dos seus doentes que tratava com carinho e como melhor podia quando tinha que se repartir entre tanta solicitação.
Assim como não há livros que nos entretenham o espírito na hora de uma dor de dentes também não há palavras para falarmos do profundo desgosto de perdermos um bom amigo. Na hora de ouvir o Padre Borga a encomendar a Deus a alma do Artur Barbosa, ofícios que acompanho com o mesmo interesse com que leio romances, achei as suas palavras pobres para aquilo que o Homem e o médico representava para tanta gente. Mas quem sou eu para avaliar as palavras sábias de um padre que lê a Bíblia todos os dias quando eu próprio, que conhecia bem o médico e o Homem, não tenho imaginação nem vocabulário para falar do Artur Barbosa, o meu amigo que morreu na cama de um hospital alguns dias depois de um acidente, leia-se AVC, de que se safam muitos mortais provavelmente muito menos comprometidos com a eternidade.
O médico e escritor António Lobo Antunes disse numa entrevista que havia muita gente a tentar compreender nos seus romances aquilo que ele próprio, que os escreveu, ainda não compreende muito bem. E logo de seguida cita versos de Garcia Lorca para se mostrar espantado com os valores das palavras essenciais. “Pelo teu amor me dói o ar, o coração e o chapéu”. Foi nessa entrevista que Lobo Antunes disse que a poesia é como a resposta que Júlio César deu quando lhe perguntaram qual era a melhor morte: “A que é inesperada”.
Boa viagem Artur Barbosa.
JAE

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