Ontem aproveitei um ranger de dentes e no local mais improvável limpei o meu carro de todos os jornais e papéis velhos. Quando fazia o caminho entre o carro e o contentor uma pessoa amiga com quem me cruzei disse-me que tinha um familiar que se visse o que eu tinha acabado de fazer “ia ser um 31. Ele separa o lixo e os jornais jamais vão para o contentor”, acrescentou com uma voz ternurenta.
Há um século, no mesmo local, estava a conversar com o meu amigo Eduardo João Martinho e vi como ele guardou o fósforo depois de ter acendido o cigarro. Percebi a intenção e perguntei-lhe se deitar um fósforo para o chão era assim tão grave. A conversa interessava-me já que naquela altura eu tinha mais fome de conversa que de pão. O episódio é vulgar mas a verdade é que aquele pau de fósforo que já era lixo sempre teve um lugar marcado na minha memória. Agora que já contei o episódio vou esquecê-lo. Mas no seu lugar fica o sorriso bondoso da minha amiga que me apanhou a deitar jornais velhos no contentor do lixo doméstico.
Há 27 anos recebi à porta de casa a primeira edição de O MIRANTE. Uma edição mal impressa, de papel ordinário, com algumas gralhas, ainda por cima em alguns dos anúncios que pagaram essa primeira edição. Foi em família que durante muito tempo dobrávamos e preparávamos os jornais para enviar aos assinantes.
Nunca vou conseguir explicar o prazer e a alegria de fundar um jornal, escrevê-lo, editá-lo e pô-lo a circular nas caixas de correio. E não é a mim que um dia devem perguntar as razões que levaram
O MIRANTE a tornar-se um jornal de referência na imprensa regional. As pessoas que fui mobilizando para este projecto, e que ainda fazem parte dele, são mais importantes do que eu na história do jornal. De verdade eu sou, ou era, o garante de que nunca precisaríamos de vender a alma ao diabo para distribuirmos um jornal escrito e editado por jornalistas. Disso me orgulho. O resto é trabalho colectivo; muito ranger de dentes, noites mal dormidas e transpiração. JAE
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