Nomes de Guerra para dar corpo a um texto que fala da morte do jornalista e escritor Nuno Rebocho e de Arlindo Consolado Marques, o guardião do rio Tejo.
A actriz Maria do Céu Guerra contou há pouco tempo, num encontro de uma livraria Bertrand, que passou a noite a velar o corpo de Almada Negreiros com o jornalista António Valdemar contando peripécias da vida. Para quem conhece estas duas personagens não é difícil adivinhar o prazer da partilha a dois junto a um nome maior da literatura que na hora da morte só teve duas almas a alumiar a sua face na última noite sobre a terra.
Esta semana morreu Nuno Rebocho, jornalista, poeta e animador cultural, que ajudou muita gente a sentir-se feliz. Não sei sequer se teve velório, uma vez que perdi o contacto com ele e soube da sua morte no dia do funeral, por um amigo comum que, tal como eu, passou o dia a trabalhar numa redacção.
Li-o recentemente num texto onde falava da morte de Bento Vintém e de episódios passados em Santarém e tomei boa nota: ninguém vai contar por escrito, como ele gostava de contar, os episódios da vidinha política e literária que tanto o ligavam à vida. Nuno Rebocho não era um Almada Negreiros mas tinha Nome de Guerra (título de um livro famoso de Almada Negreiros), e fazia questão de o usar em todas as suas actividades, incluindo no jornalismo profissional, onde terá dado muitas dores de cabeça a quem o dirigia nas redacções, quando não era ele a mandar.
No dia, e perto da hora da morte de Nuno Rebocho, cerca das 11 da noite, outro tipo com Nome de Guerra, Arlindo Consolado Marques, meteu-se mais uma vez ao caminho até à beira do rio Tejo para denunciar que no espaço de quatro horas o leito do rio passou de seco a um nível considerado muito elevado. E com a militância habitual faz perguntas a que ninguém responde e pede aos seus seguidores para partilharem o vídeo. Como não tem material para fazer boas imagens, só ouvimos a água a correr e a voz dele a assumir-se “maluco”, debaixo de chuva, protegido por um gorro na cabeça, falando de “vergonha” e de “malandros” e perguntando quem controla os caudais do rio, uma vez que às 18 horas o leito do Tejo estava seco e às 22 horas tinha um imenso caudal. No dia seguinte, a meio da tarde, lá estava ele outra vez com as imagens da “neve branca” rio abaixo, sinal de que isto está tudo ligado. Só que agora, e desde há muito tempo, há um maluco assumido que não dorme para fazer aquilo que o Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, não é capaz de fazer, e muito menos as autoridades que dependem do seu Ministério.
Quem se der ao trabalho de visitar o Facebook de Arlindo Consolado Marques pode verificar que ele até se aproveita da luz da lua para tentar iluminar o leito do rio e fazer passar a sua mensagem e o resultado do seu trabalho de guardião do Tejo; um pouco ao jeito de Almada Negreiros e Nuno Rebocho, que usavam as metáforas para construírem a sua obra literária, únicas nos seus valores originais na literatura portuguesa. JAE
Nota. Quem achar as comparações demasiado exagerados que leve em conta a minha amizade pelo Nuno Rebocho com quem partilhei, na Cidade Velha de Santiago, em Cabo Verde, refeições de cachupa numa esplanada de um largo onde se ouve o mar a bater na areia, cheio de algas e lixo, imprópria para banhos, como na mítica praia de Itapoã, em Salvador da Bahia, onde também por esses anos comi do melhor peixe frito do mundo mas só consegui tomar banho nas dunas, enquanto ouvia no telemóvel “Uma tarde em Itapoã”, com música de Toquinho e letra de Vinicius de Moraes .
Sem comentários:
Enviar um comentário