quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Recado para todos os descontentes da vida

A crónica desta semana poderia ser só a recomendar alguns textos desta edição que obrigaram os jornalistas a vestir a bata de médicos; ou a contar o que tem sido a nossa vida de trabalho com a organização do Galardão Empresa do Ano e, já de seguida, a edição do suplemento sobre as nossas Personalidades. Fica a nota e, já agora, dois apontamentos só para fazer o gosto ao dedo.

Ando a coleccionar parábolas e frases que me ajudem a perceber os tempos que vivemos. Duas delas que servem de exemplo e que cito de cor; aquele que dorme na estrada ou perde o chapéu ou a cabeça; quando morre um homem nobre apaga-se uma luz no firmamento.

Não sei para que serve a partilha mas gosto de pensar que quem me lê viaja por lugares que nada têm a ver com os meus caminhos; as palavras têm esse condão de nos abrirem os olhos para realidades e pontos de vista literalmente diferentes. Nas últimas semanas, com o agravamento do confinamento, começaram a chegar histórias de guerra que incluem vidas perdidas e dramas familiares que só conhecemos dos filmes e dos romances. Os políticos vão dizendo que o SNS está a resolver os problemas diários da pandemia, mas o que eles não dizem, nem contam, são os dramas que derivam do excesso de doentes nos hospitais e tudo o que está associado à falta de profissionais de saúde e à exaustão dos que trabalham 24 horas por dia.

Ninguém assume, mas há relatos que garantem que morre muita gente porque não há tempo, nem médicos ou enfermeiros, para tantos doentes graves e que a escolha sobre quem morre e quem vive é uma realidade há muito tempo.

Enquanto vivemos um estado de emergência, sem precedentes, os dirigentes políticos discutem lideranças e golpes palacianos, como é o caso do CDS e do PSD, dois partidos do arco governativo entregues a políticos fraquinhos e aparentemente com pouco carácter.

Escrever não é governar. Mas há alturas na vida de um jornalista em que apetece saltar para a luta no terreno por percebermos o quão fraquinhos são alguns protagonistas que delapidam o futuro das pessoas quando gerem os interesses do país, nacionais, regionais ou locais. É nessas alturas que recorro à memória de grandes conversas com um grande jornalista desportivo, que tinha casa na região, que trabalhou mais de meio século em jornais; dizia-me ele que o sonho da sua vida sempre foi ser treinador de futebol. E contou-me tintim por tintim as vezes em que esteve perto de concretizar o sonho no seu clube do coração. A lição desta confissão ficou gravada. E a forma como ela foi dita e explicada ajudou a perceber melhor que o jornalismo não pode nem deve ser um trampolim para qualquer actividade que misture alhos com bugalhos. Quem é jornalista uma vez fica jornalista uma vida inteira. E se é bom no que faz tem sempre trabalho na sua profissão. Infelizmente há muita gente que se aproveita do prestígio da profissão para concorrer a lugares políticos ou aceitar lugares de assessoria, bem remunerados, tirando proveito daquilo que sempre criticou no exercício da profissão de jornalista. Este meu amigo jornalista, que escreveu certamente centenas de manchetes nos jornais onde trabalhou, tinha um sonho que certeiramente lhe turvou a vista algumas vezes. O facto de ter morrido jornalista, e não treinador de futebol, só abona em seu favor. Um dia falo dele noutro contexto e presto-lhe homenagem. JAE

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Escrever não é governar


O Tribunal deu razão à administração da Fabrioleo e o mundo caiu em cima dos ambientalistas de Torres Novas que pensavam que tinham a luta ganha. Não têm. Mas a culpa não é dos órgãos de comunicação social e muito menos dos jornalistas da redacção de O MIRANTE.


As notícias fresquinhas sobre a Fabrioleo fizeram tremer algumas pessoas que têm dado o couro e o cabelo contra a administração da fábrica em defesa do ambiente e da saúde pública. Os novos desenvolvimentos do caso, que chegaram do tribunal, e que a empresa divulgou e O MIRANTE deu voz, não agradaram aos ambientalistas que, em cima da notícia de O MIRANTE, descarregaram para o telefone do jornal uma série de insultos onde nos chamaram todos os nomes feios que costumam chamar aos inimigos deles e das suas lutas. Não dou publicidade aos nomes que nos ligaram, e nos insultaram, só por sermos o mensageiro, mas não deixo de acusar a publicação de um texto do movimento Basta na página de  Facebook de Arlindo Consolado Marques, o Guardião do Tejo, a quem a redacção de O MIRANTE já deu o prémio Personalidade do Ano na área da Cidadania, pela sua defesa do rio e do ambiente. No texto, a notícia de O MIRANTE que surpreendeu os ambientalistas é identificada como sendo de um jornal “ribatejano de grande expressão”, como se o título do jornal fosse clandestino ou alguém precisasse de o ignorar para agradar a outro alguém.

Fica a nota desta luta pela informação, e também pela defesa do ambiente, que os ambientalistas acham que é só deles, dos que andam por aí a filmar-se nas horas vagas, a fazerem-se em muitos casos de repórteres, jornalistas, mas também de justiceiros. Nada contra. Cada um faz o que quer da vida. Mas não brinquem nem tratem mal quem faz do jornalismo profissão. O MIRANTE está do lado das populações, contra os poluidores, e contra as pessoas que usam o ambiente, neste caso o mau ambiente, para fazerem política e para treinarem a sua ignorância. O caso da Fabrioleo é notícia porque os tribunais deram razão aos donos da fábrica. Está decidido. Não vale meter a cabeça na areia e matar o mensageiro. Agora é cerrar fileiras para que os maus cheiros sejam minorados quando a fábrica reabrir, se é que vai reabrir. Esperamos que não nas condições em que já laborou e poluiu a ribeira da Boa Água. JAE.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Um elogio à política do contrapoder


Estamos em tempo de pandemia mas a vida não pára. À falta de autarcas do PCP, que dantes eram a referência do contrapoder, fica aqui um elogio aos dirigentes do Bloco de Esquerda.

Durante muitos anos um conhecido empresário da região, ainda vivo, felizmente, quando ligava para o jornal à minha procura mandava passar a chamada para o "comunista" e, em vez de perguntar se era de O MIRANTE, perguntava se era do Avante. Aparentemente a sua opinião a meu respeito, e a respeito do jornal, devia-se ao nosso trabalho editorial que ele achava ao serviço dos comunistas. Não era para ter graça; acho que ele pensava mesmo que eu, e o jornal, só existíamos para servir a causa comunista. Como o PCP está a ficar sem representação autárquica na região começo a ter saudades dos telefonemas deste meu amigo. Com o trabalho dos eleitos do Bloco de Esquerda (BE) na região de abrangência de O MIRANTE, e o quanto eles contribuem para o trabalho dos jornalistas da redacção, acho que a sua opinião sobre mim e sobre o jornal deve ter piorado.

Em Vila Franca de Xira só o BE é que consegue entalar os dirigentes do Futebol Clube de Alverca que fazem gato-sapato dos políticos locais e, quando lhes apetece, também dos dirigentes das várias secções, usando a lei da rolha; em Torres Novas, enquanto António Rodrigues disputa o poder dos seus camaradas, agora também de forma privilegiada como vice-presidente da NERSANT, só o BE se faz ouvir para nos lembrarmos que há outros combates a travar para além da luta de galos; em Abrantes, onde já nada é como dantes, mesmo assim só há animação política quando o BE fala mais alto.

Definitivamente o BE não é o meu partido preferido, por muitas razões mas acima de tudo por ser contra a Europa e eu ser um europeísta convicto. De verdade isso não impede que eu esteja aqui a realçar o bom trabalho dos seus vereadores e dirigentes; principalmente por que nas autarquias, onde é preciso fazer oposição, para que a democracia não seja só uma palavra bonita, eles são os melhores a fazerem a diferença. O elogio tem uma volta na ponta: já fomos vítimas do terrorismo grafiteiro de alguns militantes do BE mas posso jurar que essa atitude ainda hoje nos causa orgulho, e satisfação, e muito nos honra o trabalho editorial. 

Esta semana recebi uma mensagem no telemóvel a informar que Ricardo Gonçalves tinha cortado as bolas do Rui Barreiro no Largo do Seminário. Se era para ter graça… nem reparei. O Largo do Seminário é o espelho da má gestão de Rui Barreiro enquanto foi autarca com responsabilidades mas também, neste caso, é só um pequeno pormenor da sua falta de jeitinho para governar a coisa pública. Só quem é cego é que não vê, e não percebe, que a circulação dentro da cidade, principalmente onde se gastou mais dinheiro, parece uma obra dos tempos da antiga União Soviética.  Rui Barreiro acabou com o PS em Santarém e os seus camaradas continuam a escondê-lo como se ele tivesse sido um aborto. Fica a sugestão para que, já de seguida, o busto de Guilherme de Azevedo regresse ao seu lugar sem as inscrições pornográficas que Rui Barreiro mandou escrever na pedra.

Vivemos um tempo danado com a pandemia; a chegada das vacinas, e as polémicas que todos os dias abrem os noticiários, são o espelho do país e da classe dirigente. A pouca vergonha instalou-se e as televisões não falam de outra coisa. Enquanto durar o circo nunca mais vamos saber como é que é possível os alegados crimes por corrupção do ex-ministro Manuel Pinho poderem prescrever só por ter havido uma vitória da defesa num recurso no Tribunal Constitucional onde o processo está há mais de um ano. Quem ainda fala do assunto diz que é mais que certo que o processo vai mesmo prescrever. E este caso é só a ponta do icebergue. JAE

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Dirigentes associativos a dormirem na fôrma e o governo a boicotar

 O Governo não cumpre as leis da Assembleia da República e ninguém repara. Há intelectuais a escrevem nos jornais apanhados a movimentarem dinheiro como se fossem feirantes. Pela primeira vez na vida fizemos queixa do Estado. Ninguém acredita que é possível entalar os governantes. Veremos se é desta que levamos a Carta a Garcia.

Para os jovens de hoje a pandemia que vivemos ainda vai ser uma boa história para contarem aos netos. Para os velhos, como já é o meu caso, a coisa está preta. Nada de viagens, zero de piscina, nada de massagens, e com este frio de Inverno nem apetece podar as árvores; parece que voltei aos meus tempos de antanho quando andava sempre a mil à hora e era quase sempre casa trabalho, trabalho casa.

Se para um jovem a adaptação é canja, até por que mesmo na prisão um jovem está sempre a viajar, já os velhos como eu começam a ter medo até das formigas que vão atrás das migalhas de pão que nos caem no colo.

Felizmente existem os livros e os filmes; e a sorte de trabalhar num ofício que quanto mais lhe damos mais ele nos exige; Sempre me conheci ligado ao trabalho como quem é viciado no exercício físico ou em comer chocolates; o problema de hoje é a falta de energia e de cabedal para aguentar a jornada ao nível a que me habituei. Mas há uma dimensão espiritual no trabalho intelectual que só os criadores sabem explicar; e nem todos; colecciono biografias de grandes figuras públicas e muito poucos sabem transmitir por escrito o que adivinhamos na sua obra; três excepções de que me lembro ao correr do teclado; Luis Buñuel, Françoise Gilot e Stefan Zweig.

Nesta crónica está muito do entusiasmo na leitura de uma entrevista com Millôr Fernandes que morreu em 2012 numa noite em que eu viajava de avião com um livro dele no colo. A primeira notícia que recebi assim que aterrei no aeroporto de Lisboa foi a da sua morte. Nessa altura andava a ler os seus livros e a saber do tempo em que ele, e outros grandes criadores como ele, fundaram “O Pasquim” que ainda hoje faz história e é um exemplo que de poucos se servem para aprenderem a arte da comunicação. Conheci Millôr Fernandes nas livrarias a dar autógrafos mas nunca falei com ele nem tive oportunidade de lhe roubar conversa para o ouvir dizer o que ele disse em 2011 à jornalista Anabela Mota Ribeiro que eu já tinha lido algures: “primeiro casamento da minha vida, eu preservei: me livrou de todos os outros”.

Estou revoltado, que baste, com a forma como somos governados e ainda mais com a falta de juízo de quem nos governa. Não considero que estejamos a regredir mas acho que não evoluímos nada nos últimos anos e que perdemos o comboio dos países mais desenvolvidos.

Veja-se o caso da Justiça, dos mega processos que só servem para salvar bandidos de irem para a cadeia; dos intelectuais que escrevem nos jornais e depois são apanhados a movimentarem dinheiro vivo como se fossem feirantes de gado ou de trapos.

O caso mais gritante que posso testemunhar nos dias de hoje é a falta de cumprimento do Estado de uma lei que obriga todos os beneficiários dos fundos comunitários a publicarem nos jornais os contratos programa. Pela primeira vez na minha vida, se bem me lembro, fiz uma queixa contra o Estado. Substituí-me às associações do sector, cujos dirigentes andam a dormir na fôrma, na esperança de que pelo caminho consiga solidariedades que permitam que se faça justiça. Acho que me meti numa alhada porque nestes tempos de pandemia há coisas muito mais importantes para defendermos que o dinheiro que nos roubam ou as injustiças de que somos vítimas. Mesmo assim não me arrependo; se não for com a indignação de que forma é que conseguimos sobreviver? Atamos uma corda ao pescoço ou começamos a fumar uns charros para nos livrarmos da realidade?

Volto a Millôr Fernandes e a uma frase da entrevista já citada em cima, para acabar a crónica com o estímulo que só conhecemos em pessoas que nunca tiveram uma vida fácil: “Uma frase deve ter sujeito, verbo, predicados na ordem directa – a ordem indirecta deixa pró Camões. Fiquei uns dois anos ou três sem estudar, fui morar na cidade. Quando recomecei (...) primeira coisa que fiz: entrei para colégio nocturno. Trabalhava das oito da manhã às seis da tarde, sábado também. Pagava para estudar. Quando saía do colégio andava um quilómetro até pegar um bonde, andava uns três, quatro quilómetros de bonde, depois andava num trem uns vinte minutos até chegar em casa. Eu me chamava a mim mesmo de ‘piscina’, porque chegava, batia na parede e voltava para o trabalho”. JAE.