Se os advogados Paulo Saragoça da Matta e Manuel Magalhães e Silva fossem advogados das vítimas do surto de legionella, que abalou o concelho de Vila Franca de Xira há quase sete anos, alguém acredita que um tribunal português produzia uma decisão em que o valor de uma vida são 22 mil e quinhentos euros?
Uma juíza do Tribunal de Loures propôs aos arguidos do caso legionella, sob pena de terem de ir a julgamento, o pagamento de uma indemnização de 22 mil e quinhentos euros a familiares de uma vítima mortal do surto de legionella, que atingiu 375 pessoas e provocou 12 vítimas mortais. Sejamos francos e directos: se os familiares desta vítima tivessem como advogados Paulo Saragoça da Matta (que nesta altura defende o milionário Joe Berardo) ou Manuel Magalhães e Silva (ilustre advogado que defende Luís Filipe Vieira) algum juiz de um tribunal português tinha coragem para decidir que a vida de uma pessoa só vale 22 mil e quinhentos euros? Não. É claro que não. Até a terra tremia e a água do Tejo chegava ao Castelo de São Jorge em Lisboa.
Uma boa parte dos juízes são homens como nós e sofrem do problema da sociedade portuguesa que continua prisioneira de valores muito antigos herdados do salazarismo. Portugal continua a ser um país de pobres onde algumas famílias muito ricas impõem a ordem económica e a justiça. Quem não concordar comigo que se ponha no lugar desta família a quem é proposto receber 22 mil e quinhentos euros de indemnização pela morte do seu familiar. Se a juíza que me lê achar que eu não soube dos seus recados, dirigidos aos jornalistas durante a leitura da decisão instrutória, que se ponha no lugar dos filhos deste pai de família; que imagine o seu próprio pai ou um dos seus filhos vítima da incúria de empresas que destruíram a vida de centenas de pessoas, causando a morte a algumas delas; e a outras lesões que vão ficar para toda a vida e que certamente causarão uma morte mais precoce.
Não é preciso ser jornalista, nem juiz, nem estudar muitos anos e em muitos livros, para aprender noções de justiça e de igualdade de direitos. Uma catástrofe como o surto de legionella, que abalou a comunidade de Vila Franca de Xira, não podia ficar praticamente sete anos nos tribunais; muito menos o Governo português podia deixar ao Deus dará tanta gente doente e desprotegida, que acabou injustiçada, ou porque não conseguiu provar que adoeceu por causa do surto ou porque aceitou ou vai aceitar valores ridículos para o que sofreram e ainda vão sofrer.
Há mil provérbios sobre a justiça. A maioria são daqueles que dizem que “a justiça não dorme” e que “a justiça tarda mas não falha”. Todos sabemos que é mentira. “Da justiça o pobre só conhece os castigos”. Só assim se explica que uma vida valha apenas 22.500 euros para um tribunal português em Julho do ano de 2021 (ler notícia desenvolvida nesta edição na página 16) JAE.
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