Esta semana não digo mal de ninguém nem me meto com a GNR e a BRISA. Vou filosofar embora mostrando os dentes.
Na manhã cedo do dia em que alinhavo a crónica desta semana há pelo menos três figuras públicas mais novas do que eu, que há poucos dias ainda apareciam nas televisões, a morrer de cancro, daquele que acaba com o canastro em poucos meses. Enquanto ponho a conversa em dia com uma dessas figuras públicas, que enriqueceu nestes últimos 30 anos graças ao seu trabalho político e profissional, falamos da precariedade da vida e da necessidade de cuidarmos da saúde física e espiritual para não acabarmos como eles.
A conversa decorreu numa moradia numa zona residencial de Lisboa onde este meu amigo vive há muitos anos. Vieram à conversa duas figuras de Santarém e da região ribatejana ainda vivas mas que já tiveram e viveram o seu tempo. De repente ele confundiu o nome e a actividade de um com a do outro. E eu fiquei a pensar; analisado de longe tem sentido. O percurso foi muito igual, trabalharam muito, ganharam muito dinheiro, mas não fizeram nada de extraordinário pela comunidade. Daí estarem, ainda vivos, embora retirados, já no rol dos que começam a ser lembrados só pelo dinheiro que ganharam e pelas influências que tiveram ou ainda têm.
Antes deste encontro fui ao Google, o altar de todas as informações, e confirmei que o meu amigo, que tem um currículo e um trabalho muito acima da média das figuras públicas e mediáticas da vida portuguesa, é banalizado por duas dezenas de artigos de jornais e televisões que só falam do mesmo, como se a vida dele fosse o resumo de um daqueles fins de tarde em que matamos saudades a andar no carrossel ou nos carrinhos de choque de uma feira.
Como é evidente, falamos de poder e de dinheiro, tudo aquilo que ele tem a mais e eu a menos. E a conclusão é surpreendente porque nunca fulanizamos a conversa nem ficamos a contar pelos dedos ou a fazer contas numa máquina de calcular: o dinheiro não vale nada, mesmo quando é muito; mais tarde ou mais cedo vai aparecer o dia em que a doença não se cura com dinheiro e a idade não se prolonga e multiplica com os euros fáceis dos negócios.
No dia em que escrevo esta crónica descobri que sou neto de dois filósofos, e uma cientista, que não aparecem nos motores de busca da internet e chegaram ao fim da vida pobres como Cristo. E, no entanto, deixaram marcas inconfundíveis ao cimo da terra que a Google nunca conseguirá resumir conforme a vontade de alguns jornalistas e outros macacos que falam nas televisões. Agora que estou na idade de gozar a vida, depois de trabalhar muito sem medo do trabalho, penso neles ainda com mais carinho. E quando tenho a oportunidade de falar com alguém, que me abre a porta de mundos que nunca vivi, fico feliz por saber, por vivenciar, fazer comparações, ter já idade e tempo para tirar conclusões. Ainda vou escrever um romance à beira de uma praia, ou de um rio, perto de uma cabana, com uma moto por perto, um frigorífico e um armário de cozinha sempre com o essencial para não passar fome; e jamais viverei de recordações porque vou andar por aí num reviralho sem tempo para tirar o sal do corpo. JAE.