José Saramago escreveu "História do Cerco de Lisboa" sempre a pensar na cidade de Santarém e na conquista do castelo aos mouros. Aparentemente ninguém da área cultural da câmara leu o livro, e se leu desperdiçou uma boa oportunidade de chamar a terreno o livro e uma certa propriedade sobre a obra que Saramago nos legou.
Tal como escrevi na crónica anterior li "História do Cerco de Lisboa" nos primeiros cinco dias de uma viagem que mesmo agora começou. O meu Saramago de "Memorial do Convento" fraqueja em alguns romances, mas este, embora não se leia de uma penada (é preciso ir procurando motivação a cada página), tem uma particularidade que me agradou e impulsionou à leitura sem medo de ficar pelo caminho: a História não é só sobre o Cerco de Lisboa, é também ao longo de todo o romance histórico a memória da conquista de Santarém aos mouros pelas tropas de D. Afonso Henriques, que aconteceu meses antes deste Cerco de Lisboa. Das referências ao livro nunca li sobre essa particularidade que, acredito, só interessa aos bairristas como eu, ou, melhor dito, aos que gostavam de ver a região de Santarém no mapa e menos genuflexões da classe política aos poderosos da capital. Dou um exemplo: a região do Ribatejo, e Santarém em particular, têm condições para organizar uma Feira de Turismo em vez de ir encher os bolsos dos gestores da FIL. É mais fácil cada concelho da região ir em excursão para Lisboa, mas seria muito mais rentável, lógico e politicamente correto, que fossem os lisboetas a virem a Santarém ou à região do Ribatejo à procura do turismo mais barato e de qualidade, que ao contrário, sermos nós a montar a banca no território lisboeta deixando lá os anéis e os dedos.
A casa e os caminhos de José Saramago na Azinhaga são só um dos mil pretextos para provarmos que também sabemos vender o nosso património imaterial, já que o material está aí à vista de toda a gente. O português da área metropolitana de Lisboa ia adorar saber que o Ribatejo está a renascer para o turismo e tem ofertas imperdíveis que não se encontram no litoral nem nos algarves.
Lendo Saramago em “História do Cerco de Lisboa”, não é difícil perceber que as dezenas de vezes que o autor de "Pequenas Memórias" recorda a tomada de Santarém aos mouros, enquanto desenrola a sua trama, está a carregar na tinta em nosso nome, a desafiar-nos a não nos vergarmos à importância da cidade do mar da palha, quando o Tejo largo e inspirador tem o seu maior encanto é enquanto se espraia na Lezíria e no bairro das terras que unem os ribatejanos e os beirões. Aparentemente ninguém ligado ao pelouro cultural da cidade de Santarém leu este livro publicado há trinta anos. Se leu desperdiçou uma boa oportunidade de chamar a terreno o livro e uma certa propriedade sobre a obra que Saramago nos legou.
A agricultura já foi, e as tradições ligadas à vida agrícola já eram há muitos anos, mas a Feira Nacional da Agricultura continua aí como se a agricultura ainda fosse a nossa identidade económica e cultural. O Turismo é há muitos anos a galinha dos ovos de oiro, anunciada e festejada em todas as regiões, mas principalmente em Lisboa onde a actividade já ultrapassou todas as limitações impostas por uma política de protecção dos interesses dos munícipes e da própria sobrevivência e identidade da cidade. No entanto, aqui em Abrantes, Tomar, Torres Novas, Ourém, Almeirim, Santarém, Cartaxo e Azambuja, só para citar alguns concelhos mais importantes, a mentalidade ainda é a dos velhos agricultores, hortelões e criadores de gado que justificavam a Feira do Ribatejo. Sem querer ofender os políticos que estimo, e com quem gosto de ser solidário no dia-a-dia, sabendo que o nosso país é governado entre a Assembleia da República e o Terreiro do Paço, pergunto: não está na hora de nos deixarmos de tantas touradas e pegas de caras e apostarmos mais no turismo e nos turistas que gostam mais de ir ver os bois ao campo do que nas praças de toiros?
Esta lição de José Saramago, que aparentemente ninguém leu, ou se leu fez moita carrasco, deveria ser estudada e posta em prática.
Do romance não falo porque cada um come o que quer em termos de literatura. Aviso já que o texto não é para qualquer um. A história volta a ser biográfica porque o personagem principal trabalha numa editora como revisor, oficio que José Saramago também desempenhou durante cerca de vinte anos, muitos antes de "Levantado do Chão", embora também traduzindo livros e secretariando na relação com os autores, como provam as imensas cartas com os grandes escritores seus contemporâneos, e não só. JAE.
Sem comentários:
Enviar um comentário