quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Touradas à vara larga no Ribatejo, Rilke, Rodin e Cézanne

Num tempo em que está quase tudo em regressão, a começar no SNS e a acabar nas grandes bebedeiras que se vivem nos Ministérios, onde os parasitas se instalaram para que a reforma do Estado nunca mais se faça, falar de arte e de artistas pode ser gozar com quem trabalha, mas não é, porque até me dói a mão por não conseguir ainda dizer mal dos gajos dos sindicatos que se tornaram meninos de copo de leite.


Mesmo longe do trabalho, melhor dizendo, mesmo longe do ambiente de trabalho, não passo menos de duas a três horas por dia no computador a pôr o correio em dia, tratando de assuntos pendentes ou de novos assuntos que vão caindo no colo, embora indirectamente. Nada disso me impede de fazer caminho, de conhecer novos lugares e pessoas (dantes escrevia fazer novos amigos), ler muito e ver cinema que é, em conjunto com a leitura e a escrita, a minha ocupação preferida.

Há um ano encontrei finalmente em tradução para português um livrinho de Rainer Maria Rilke que procurava há cerca de uma década e que tem sido uma fonte de inspiração ao longo de releituras que fui fazendo nos últimos tempos. No dia anterior ao que escrevo esta crónica  encontrei outro livrinho, cuja existência desconhecia, e que explica segredos da escrita do outro, tão precioso ou ainda mais que o anterior.

O primeiro era sobre a arte de Rodin, este é sobre a arte de Cézanne. Não sou nem quero ser crítico de arte, mas as biografias dos grandes artistas interessam-me como me interessa ter boa saúde. Daí que depois das tais três horas de trabalho a um sábado, fechado num quarto de hotel, tenha continuado de olhos postos num livro, e depois no computador, para fazer pesquisas lendo sobre um artista "que teve uma vida inteiramente dedicada ao trabalho, sem o apoio de ninguém, sem descanso e sem medir consequências", construindo "uma obra que a maior parte dos críticos depreciará grosseiramente durante a vida do pintor". 

Tal como Rilke, ao visitar durante vários dias a mesma exposição de Cézanne, procurou captar influências para a sua Obra, também eu, ao dedicar-me à leitura destas biografias que contam a vida de figuras que viveram há mais de um século, procuro um sentido para ver melhor o que me interessa, como hei-de sobreviver no meio da selva onde me perdi e me achei várias vezes, tal como se vive para obedecer ou respeitar um oráculo: já vi e vivi muito, mas nada que me satisfaça o suficiente para viver sem trabalhar.


Num tempo em que parece que regredimos décadas no SNS, e o novo governo ainda não teve tempo de substituir todos os gajos encartados que tomaram conta da máquina do Estado, e fazem gazeta ao trabalho; repito: num tempo em que o novo Governo em vez de limpar os Ministérios, como por exemplo o da agricultura, cheio de parasitas, que só fazem peso ao chão e ganham do bom e do melhor, em vez disso anuncia que vai limpar os quadros da RTP que, por muito que também precise de uma limpeza não me parece de todo uma prioridade; num tempo em que a imigração continua descontrolada, a Caixa Geral de Depósitos e banca em geral continuam à rédea solta; num tempo de vacas magras, falar de Rilke e de Rodin e de Cézanne até parece que estou a gozar com quem trabalha. De verdade não estou, mas também não sou o pai da malta. E até me dói a mão de não conseguir escrever contra os gajos dos sindicatos, que se transformaram em meninos de copo de leite bem remunerados, a confiar no que vai acontecendo por aí em algumas autarquias, onde as touradas são à vara larga, mas os sindicatos deixam andar porque, ideologias à parte, todos os autarcas são toureiros da mesma quadrilha e que ninguém pense em mexer com os interesses instalados. Quanto a alguns trabalhadores, bico calado ou ainda perdem o emprego e a boa vida. JAE.

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