quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

As universidades seniores, os meios de comunicação regionais e o desenvolvimento local

Os meios de comunicação deviam viver mais da participação dos cidadãos. E os alunos das universidades seniores podem ter um papel diferenciador nessa participação.


“Os meios de comunicação regionais e o desenvolvimento local” foi o título que a RUTIS deu a uma das intervenções de abertura do seu Congresso que reuniu em Óbidos no passado dia 20 de Fevereiro. Fica aqui o essencial da palestra que proferi para cerca de centena e meia de pessoas que estavam na sessão de abertura.

Os meios de comunicação regionais e locais são a única voz de uma região que leva para fora de portas aquilo que só a nós nos interessa. Por isso é tão importante a sua existência. Se dependermos em termos de desenvolvimento regional do escrutínio que o poder de Lisboa tem sobre o nosso território, nunca mais passamos da cepa torta, e a RTP e os organismos do Estado, que têm tutelas mais fortes que ministérios, arrasam orçamentos e todos juntos são um perigoso poder paralelo que nos governa quase há 50 anos. 

Se há coisas de Abril que faltam cumprir é a distribuição dos incentivos do Estado em igualdade de circunstâncias para os que gravitam na grande nave do Terreiro do Paço e os outros que vivem no bairro, na charneca, na lezíria ou na grande paisagem que é todo o interior do país.

É evidente que sem imprensa de proximidade não há escrutínio. Se não houver imprensa de proximidade não há descentralização, se há coisas que matam todos os dias um pouquinho a nossa democracia é a falta de escrutínio, ou então a tentação de escrutinar para além do razoável, que é o que está a acontecer nesta altura com a mudança de cadeiras que se deu na Assembleia da República. Caiu o Carmo e a Trindade em S. Bento porque um determinado partido elegeu como deputados pessoas que não estão a respeitar o que era regra no parlamento.   

Os meios de comunicação deviam viver mais da participação dos cidadãos. E os alunos das universidades seniores podem ter um papel diferenciador nessa participação. Os meios só têm a ganhar se aceitarem textos de opinião dos cidadãos que vivem e pensam o território e no território. Se os professores e os alunos se empenharem nessa missão de escreverem textos e gravarem depoimentos para enviarem aos meios, tenho a certeza que serão bem recebidos.

Os textos mais lidos de O MIRANTE são as entrevistas e as reportagens que retratam os dirigentes associativos e as suas colectividades, os textos que põem a nu as injustiças sociais, os textos das rubricas onde damos voz aos cidadãos que têm uma história para contar.

Os alunos das universidades seniores podem mudar em parte a linha editorial de um meio de comunicação social se organizarem e souberem como intervir no meio onde vivem e trabalham. O que cada um de nós tem para ensinar ou influenciar uma redacção de jornalistas é tão ou mais importante que colaborar apenas como leitor ou ouvinte. Não vou deixar aqui o anúncio de uma ferramenta ou apontamentos sobre como a universidade sénior e os seus alunos podem ser diferenciadores no debate sobre o desenvolvimento regional. Deixo a minha disponibilidade para ser parceiro de quem quiser arriscar aceitar esse desafio e desconstruir essa ideia de que estamos condenados a ver e ouvir televisão, sempre com o coração apertado, porque está tudo em guerra, e as desgraças e os mortos entram pela nossa casa como se o nosso reduto fosse um mesmo cenário de guerra, que dá continuidade às reportagens que chegam do fim do mundo, e que, na maioria dos casos, nem precisam da intervenção de jornalistas para serem contadas. JAE.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

O livro de cada dia nos dai hoje

O título desta crónica foi roubado de um texto que Onésimo Teotónio Almeida escreveu como prefácio a um texto de George Steiner, publicado pela Gradiva, que acaba de chegar às livrarias.

O meu dia de trabalho hoje acabou com uma reunião onde soube que um colega da gestão comercial caminhou durante semanas, de surpresa, para uma empresa onde recebeu cerca de cem euros de dívida em cinco prestações. Embora a empresa ficasse em caminho, no regresso a casa, obrigava a um desvio de vários quilómetros por estradas secundárias. E em metade das deslocações não teve resultados.

Conto este episódio para deixar aqui um exemplo do que é gerir uma empresa de comunicação social, e não me alongo mais porque esta matéria é mais assunto de caserna do que de discussão pública. Conto o episódio para justificar a crónica sobre dois livros em que o autor é um açoriano chamado Onésimo Teotónio Almeida (OTA), professor universitário há meio século nos EUA e um ensaísta e cronista como não há outro em Portugal. Durante muitos anos enviámos-lhe o jornal e alguns livros que fomos publicando. Depois, nem sei porquê, o jornal deixou de atravessar o Atlântico e o mesmo aconteceu com os livros. Mas mantive-me sempre fiel à leitura dos seus livros e às crónicas que vai publicando regularmente, e que não é difícil encontrar por aí tendo em conta que os meios para o fazer são, a cada ano, mais raros e com menos páginas. Dedicar-lhe esta coluna é uma honra mais para mim do que para ele e para os seus livros. O espaço desta coluna que estava guardado para contar a história do Diogo e da sua persistência como elemento da equipa de gestão comercial fica para outra altura. Provavelmente, se tivesse que dar contas a alguém não me estava a explicar. Quem acha que conhece o ser humano nunca soube que “acossado pelo terror estalinista, Bakhtin arrancou as folhas do livro de estética que escrevera para remediar a terrível falta de papel de enrolar cigarros”.

O título desta crónica foi roubado de um texto que OTA escreveu como prefácio a um texto de George Steiner, publicado pela Gradiva, que acaba de chegar às livrarias. O livro tem 80 páginas e o ensaio de Steiner, intitulado “O Silêncio dos Livros”, ocupa menos de metade do livro. Steiner é um dos meus autores preferidos, mas só comprei o livrinho depois de ler duas vezes o prefácio de OTA e de dizer para com os meus botões: vou levar o livro, o texto do prefácio merece os 11 euros.

Na terceira leitura, já em casa, com uma caneta em mãos assinalei as partes do texto que mais gostei. E de seguida li Steiner, num texto igualmente soberbo sobre livros, em que a certa altura conta que “na agonia, Balzac chamava pelos médicos que tinha inventado na Comédia Humana”, e que, “segundo Shelley, um homem verdadeiramente apaixonado pela Antígona de Sófocles jamais poderia viver uma experiência semelhante com uma mulher real”, e ainda que “Flaubert sentia-se rebentar como um cão enquanto “a puta da Bovary” se preparava para viver eternamente”.

George Steiner morreu a 3 de Fevereiro de 2020 e parece que foi no mês passado. A morte dos que admiramos, mas vivem distantes do nosso afecto, não conhece limites temporais. Para mim ele morreu ontem; se estiver distraído a lê-lo é bem possível que acredite que ainda é vivo e até o confunda com outro ensaísta que me fala igualmente das palavras de Joyce: “Esmaguem-nos, que nós somos como as azeitonas”, ou ainda do facto de “Varsóvia a Buenos Aires haver tanta publicidade a elogiar panfletos em que se nega a existência dos campos de morte nazis, panfletos a que é fácil deitar a mão”, que o leva a perguntar se “não será esta uma boa razão para haver censura”.

Não é de George Steiner que quero escrever, mas de Onésimo Teotónio Almeida que editou também recentemente um livro imperdível para quem gosta de literatura portuguesa e se interessa por textos “cuja unidade consiste no entabulamento de conversas em linguagem clara e distinta com autores tutelares da cultura portuguesa do século XX, que falam de Natália Correia, Fernando Pessoa, José Saramago, José Rodrigues Miguéis e Jorge de Sena, só para citar alguns que o escriba também mais aprecia.

“Diálogos Lusitanos”, assim se intitula mais um volume de ensaios de OTA, tem um texto reproduzido em parte na contracapa que fala de outros títulos mais antigos, em que o autor afirma ter “tentado contribuir para o que até aqui me parece ser um diálogo de surdos em que cada um fala e ninguém responde, nem sequer simplesmente fazendo um eco”, numa clara alusão ao pobre meio literário e cultural português. JAE.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Morrem mais crianças e mais idosos devido aos problemas da falta de médicos

Não são só os políticos que merecem figurar numa lista onde sejam responsabilizados pela morte dos nossos doentes mais frágeis. Os médicos que ocupam lugares de decisão são tão criminosos como eles.


Ontem ouvi dizer que a CUF em Santarém parecia um hospital público. No dia anterior fui à CUF Descobertas, em Lisboa, ao piso cinco, e a acumulação de gente era incomum, o que não impediu que a minha consulta não se realizasse à hora marcada. Anteontem a espera nas urgências dos doentes urgentes no Hospital de Vila Franca de Xira era de quatro horas.

Esta questão da saúde e da falta de médicos para salvar os infelizes que ficam quatro horas numa urgência e acabam por morrer na maca, e quando não morrem ficam às portas da morte, indigna e é indigno dos tempos que vivemos.

 Os políticos que mandam nisto tudo não sabem que os nossos velhos não aguentam 4 horas numa urgência se lá chegarem numa situação periclitante? E não resolvem os problemas da falta de médicos porque querem acabar com os idosos pobres para livrarem o Estado do custo de os sustentarem e ainda terem que ajudar no pagamento do Lar?

Um tipo que é ministro da saúde, ou foi ministro nos últimos anos, não sabe que um dia vai para uma lista dos criminosos que deixaram morrer muitos portugueses valorosos com bactérias hospitalares ou de bruços nas marquesas dos bombeiros que se acumularam e acumulam nas urgências?

Eu ajudo a pagar do meu bolso a um investigador universitário que se meta num trabalho destes. Dou de boa vontade uma parte do custo de uma investigação que aponte o dedo aos governantes que contribuíram e continuam a contribuir para a morte dos nossos velhos que ainda viveram o tempo da fome do antes do 25 de Abril.

Não são só os políticos que merecem figurar numa lista onde sejam responsabilizados pela morte dos nossos doentes mais frágeis. Os médicos que ocupam lugares de decisão são tão criminosos como eles, neste caso vale o velho ditado que tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica à espreita. 

No dia em que escrevo este texto ouvi da boca de um dirigente hospitalar a história de um médico que não apareceu para dar consultas e nem se justificou. E deixou cerca de duas dezenas de doentes literalmente pendurados.

Se houvesse justiça e a maioria de nós exercesse a cidadania, outro galo cantaria.

Dou outro exemplo que roubei da vasta informação sobre o regime democrático da nossa República: mortes de fetos e recém-nascidos quase duplicaram em 2023 na região de Lisboa e Vale do Tejo. Trata-se de um aumento significativo de óbitos, que não se verifica no resto do país. As explicações para este fenómeno podem encontrar-se na idade das grávidas e também na falta de acompanhamento médico durante a gravidez. Diz ainda um responsável, administrador hospitalar, que as dificuldades na rede de urgências de obstetrícia podem ter contribuído para este aumento, mas há outros factores a ter em conta.

Enfim, estamos entregues aos bichos. Entretanto António Costa saiu do Governo depois do seu  ex-chefe de gabinete lhe ter feito a folha e foi eleito presidente do Conselho Europeu, ou seja, recebeu o prémio Nobel da política por nos ter desgovernado e ter deixado a Saúde e o Sistema da Justiça e o mais que sabemos pior do que encontrou.

Nota: Nesta edição contamos na página 15 uma história que é um bom exemplo do desprezo a que hoje são votados as grávidas que precisam dos serviços de urgência, neste caso do Hospital VFX. JAE .

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Quem aceita cargos no Governo ou é tolo ou é muito rico

Portugal tem uma lei vergonhosa que impede que os melhores sejam escolhidos para nos governarem. Não há político honesto que não saiba que a nossa democracia não resiste à mediocridade instalada, mas todos assobiam para o lado e fingem que não se lembram que o 25 de Abril já foi há meio século.

Quando a imprensa regional e local tinha importância, na generalidade, temos que recuar pelo menos três dezenas de anos. Dez anos depois já se notava a diferença ainda para pior. Depois da Troika a vida das empresas editoras de jornais nunca mais foi a mesma. Os políticos, desde que José Sócrates tomou conta do Partido Socialista em 2004, começaram a fazer saldos dos seus estados de alma e venderam tudo o que havia para vender porque a máquina de produção de mentiras e actividades criminosas passou a trabalhar 25 horas por dia e com alta tecnologia. Destruir o edifício da comunicação social foi um dos objectivos mais escandalosos; sem jornalistas não há jornalismo e sem jornalismo ninguém é escrutinado, seja a receber dinheiro em envelopes em plena avenida da Liberdade, em Lisboa, seja nas empresas dos países onde o dinheiro não tem rosto nem deixa rasto.

É mais que sabido nos meios políticos, incluindo entre todos os políticos do regime com cargos importantes, seja a nível nacional ou local, que ainda há muita gente ligada a escritórios de advogados a receberem do Sistema para darem como concluída a extinção do Banco Português de Negócios (BPN), fundado em 1993, depois nacionalizado em 2008, onde terá começado a longa jornada de crimes que ainda hoje dura e que envolveu quase toda a elite dos políticos e dos banqueiros portugueses (evidentemente só uma pequena minoria foi descoberta e alguns pagaram com a vida essas aventuras criminosas). Muito antes do escândalo do BES visitei um gabinete de um banqueiro do tamanho de um campo de andebol, e nas paredes havia apenas um quadro com um grande cifrão a servir de decoração. E não direi que era obra de artista, mas sim uma boa reprodução numa moldura quase vulgar.

Não percebo como é que os líderes dos governos empossados têm que escolher a pior escória da política para formarem governos, sabendo que isso se deve ao facto de os ministros e os secretários de estado não poderem ter empresas em nomes deles. Esta falha na lei obriga os líderes a optarem pelos mais astutos, por aqueles que têm as sogras e os sogros, o cão e o gato, a gerirem o património e assim ficam livres não só para ocuparem imerecidamente lugares no governo do país, como depois para se servirem da política e enriquecem à boa maneira dos países do terceiro mundo. Os Homens sérios, que se recusam a fazerem figura de ótarios e esconderem o seu património para poderem ser membros de um Governo do país, rezam pela alma dos seus avós e aconselham os filhos a irem trabalhar para países onde, pelos menos, há vergonha.

Oliveira Salazar morria outra vez se voltasse à terra e percebesse como os políticos portugueses governam Portugal desde o dia 25 de Abril de 1974, como quase todos se dividem e andam desavindos, ao jeito das famílias sempre à briga para governarem a casa onde se aplica o velho ditado: onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.

Os funcionários superiores do Estado que chegaram ao poder depois de saírem da política, que não fazem ponta de corno e ganham milhares de euros por mês, mais os gestores incompetentes da administração da coisa pública que obedecem apenas a quem tem dinheiro e manda nisto tudo, fazem de Portugal um país bom para envelhecer, comprar umas viagens às ilhas, aproveitar as tardes de Primavera/Verão para jogar as cartas, e as de chuva no Outono/Inverno para ir ao ginásio, e quando chegar a hora da partida apanhar um avião e ir até à Suíça para uma clínica onde pratiquem a Eutanásia.  Deus me livre perder este sentimento de revolta e envelhecer num lar em Portugal a ver e a ouvir a televisão, nomeadamente aqueles canais que entrevistam os adeptos do Benfica, do Sporting e do Porto nas vésperas dos jogos, e logo a seguir passam 15 minutos de imagens de guerra ou de apreensão de drogas, quando não é de crimes passionais.

Comecei a escrever esta crónica falando do sector da imprensa em Portugal que é hoje mais pobre que Job, embora já tenhamos um patrãozinho chamado Cristiano Ronaldo que pode baralhar as contas a muita gente. Mas alguém acredita que o maior jogador de futebol de sempre tenha unhas para gerir jornalistas e gerar dinheiro sem depois vender uma parte aos Árabes, e outra aos chineses, que já são donos da nossa energia e do mais que nem sabemos? JAE.