quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Carlos Moedas vai perder a Câmara de Lisboa; Só ele é que ainda não sabe

É surreal a classe política não ter vergonha desta falta de sentido de Estado. Morreram 18 pessoas num acidente que podia ser evitado se o elevador da Glória estivesse a funcionar como devia, ou seja, em caso de avaria de um sistema haveria mais três para evitar a tragédia. A verdade é que não houve, segundo sabemos e foi amplamente noticiado.

Carlos Moedas é o responsável político pelo desastre do elevador da Glória que matou 18 pessoas e fez muitos feridos graves. O mundo inteiro soube deste acidente que podia ser evitado se a Carris tivesse um acompanhamento muito mais profissional aos elevadores. Na hora em que avariou não funcionaram os travões e tudo aquilo que o elevador tem para funcionar na hora em que se parte um cabo, como foi o caso. Se num caso como este os políticos responsáveis não se demitem, então é certo que a culpa vai morrer solteira. A prova de que Carlos Moedas é um político de outros tempos não deriva só de não se ter demitido; é exemplo também o facto de não ter obrigado o presidente da Carris a demitir-se, e a empresa que faz a manutenção a justificar-se ou, pelo menos, a dar a cara. Neste último caso o que se sabe é confrangedor, revela gato escondido com o rabo de fora, o que compromete ainda mais os responsáveis políticos e os administradores da Carris. Uma vergonha para Portugal, para Lisboa e para os políticos em geral.

É surreal a classe política não ter vergonha desta falta de sentido de Estado. Morreram 18 pessoas num acidente que podia ser evitado se o elevador da Glória estivesse a funcionar como devia, ou seja, em caso de avaria de um sistema haveria mais três para evitar a tragédia. A verdade é que não houve, segundo sabemos e foi amplamente noticiado.

Se Carlos Moedas voltar a ganhar a Câmara de Lisboa é caso para dizer que estamos perdidos; que os políticos podem continuar a gerir sem serem chamados a dar contas das administrações das suas empresas; que para eles tanto faz que o desastre seja a queda de um muro como a avaria num elevador que causou a morte a 18 pessoas.

Portugal tem uma classe política que em muitos casos parece de terceiro mundo. Veja-se o caso recente do cartel da banca: os bancos foram apanhados a fazer joguinhos entre eles e foram multados em quase 300 milhões de euros, que já não pagam porque os tribunais não funcionaram a tempo e o processo prescreveu. É exactamente assim que também funciona o Tribunal Administrativo onde o Estado se esconde quando um cidadão recorre à justiça. A maioria dos casos demoram eternidades a serem julgados, e o Estado ganha por cansaço dos queixosos, por, entretanto, morrerem as pessoas queixosas, ou por tantas outras razões como a falta de dinheiro para continuarem a pagar a advogados.

A ascensão da direita pífia em Portugal só se explica com as políticas pífias dos partidos políticos que dominam o Sistema. Há sondagens para as próximas eleições autárquicas na região do Ribatejo, só para falar da nossa região, que a confirmarem-se 

vão deixar muita gente de boca aberta. Não vou à missa, mas se fosse rezava pela democracia e pelo funcionamento das instituições do Estado de forma que a direita pífia voltasse para dentro da farda onde se escondia. Temo que nem Deus nos salve se continuarmos a ser governados por democratas cuja missão de vida parece ser desacreditar André Ventura, que já faz da Assembleia da República o palco político para chamar a todos os seus adversários políticos a “Corja”, um termo que só abrindo o dicionário conseguimos avaliar para percebermos também o que vai ser o futuro. JAE.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Uma visita ao antiquário e a arte para conforto espiritual

Um dia visitei um antiquário no Porto cuja loja desconhecia. Fui seduzido por um livro de capa dura de um autor de que gosto muito. Perguntei o preço do livro que estava por perto do lote de livros que me interessavam ( : ) alguns eram-me familiares, e o antiquário respondeu-me com uma visita guiada a todos os livros que faziam parte daquela caixa/estante.


A minha relação com a cidade de Santarém é parecida com a relação que tenho com a cidade do Porto. Gosto mas nunca me apaixonei. O mesmo com os nativos, nunca participei em tertúlias nem tão pouco fui convidado. Embora sejam bem diferentes são cidades pequenas, se nos queremos manter independentes dos bairros e dos bairristas ficamos quase sempre a falar sozinhos. Há ainda em comum o facto de serem cidades com longas tradições. Os seus nativos não gostam de abrir a porta do coração a estranhos. Podem ser simpáticos mas sem muitas confianças.

Um dia visitei um antiquário no Porto cuja loja desconhecia. Fui seduzido por um livro de capa dura de um autor de que gosto muito. Perguntei o preço do livro que estava por perto do lote de livros que me interessavam para começar a minha peregrinação pelos objectos que me surpreenderam, alguns eram-me familiares, e o antiquário respondeu-me com uma visita guiada a todos os livros que faziam parte daquela caixa/estante. De repente comecei a ouvir as histórias de cada um dos livros conforme ia perguntando pelos preços, mas à segunda descrição já tinha descoberto a quem os livros pertenciam, ou seja, já tinha a certeza de que não estava com visões; eram de uma amiga de longos anos, filha de pais riquinhos, que herdou o bom gosto, mas também muita coisa que lhe enche a casa e que vai ocupando o lugar que não sobra para as novas bugigangas.

Cada vez que cantava um preço para um livro, ou outro objecto, descrevia-me as partes mais importantes da biografia da antiga proprietária, minha amiga, muitas vezes provocado pelas perguntas que de forma provocadora lhe ia fazendo à procura de perceber até onde chegava o paleio do antiquário.

“Tem bom gosto”. “Vou confessar-lhe: isso era de uma arquitecta do Porto que é meio louca”. “Vê-se que é uma mulher inteligente, e pode comprovar por esses livros todos que ela me vendeu”. “Casou com um dinamarquês há pouco tempo, ainda é uma mulher interessante”. “Sim, é rica o suficiente para se desfazer de património que lhe enche a casa. Tem uma pancada medonha”. “Desculpe, mas não posso vender mais barato. A minha cliente obrigou-me a dar-lhe um bom preço pela peça. Ela sabe o valor do que me vende”. “É meio desapegada dos bens materiais, mas informada o suficiente para não se confundir com os herdeiros que, por não saberem o valor da dádiva, vendem a qualquer preço”.

Omito outras considerações mais pessoais e íntimas, que ele me ia contando para me entusiasmar a comprar toda a mercadoria que me interessava, e deixo à imaginação do leitor o que um negociante é capaz de romancear para fazer negócio com um provinciano, que ele primeiro confundiu com um médico de profissão, depois com um empresário endinheirado, mais tarde com um coleccionador daqueles que ele sabe que vão comprar se o preço baixar até ao valor justo.

Saí da loja com meia dúzia de objectos e não tive a sorte de encontrar um livro que eu próprio ofereci à minha amiga há duas dezenas de anos: um livro ilustrado que já quis encontrar para me prendar a mim próprio, e que por mais que procure não consigo encontrar nem no mercado de segunda mão.

A história acaba aqui: nunca mais voltei à loja porque alguns meses depois desta aventura no antiquário reencontrei a minha amiga e contei-lhe uma parte da história. Tive que fazer jus à nossa antiga amizade. Os verdadeiros amigos devem ser as últimas pessoas a quem devemos trair. Já os negociantes têm uma vida toda para ir aprendendo a viver com coincidências, clientes mais ou menos loucos que ou vendem ou compram. Os que compram, e que meia dúzia de dias depois já não sabem onde guardaram a mercadoria, e os que vendem, e ainda nesse mesmo dia gastam o dinheiro numa mala de marca ou numa serigrafia do Artur Bual ou do José de Guimarães, que nas paredes da sala servem de companhia e de apoio espiritual nas horas mais solitárias. JAE.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Os caciques não vão à escola

Hoje quase que não há jornalistas com carta de condução, porque Lisboa tem uma excelente rede de transportes e o jornalismo é caro, os governos fazem-no ainda mais caro, um jornalista que queira contar a epopeia do Parque do Relvão tem que falhar as idas ao Snob, os encontros com os Escárias desta vida.

Pensar globalmente e agir localmente é a frase que fica de um momento cimeiro dos tempos recentes que só é comparável noutras dimensões à queda do muro de Berlim e a tudo o que desmoronou a seguir, a tudo o que se ergueu também mas não é disso que quero falar aqui neste cantinho, neste jornal local/regional, editado para servir uma região e uma comunidade com a voz sumida, muitas vezes afónica, organizada como se fosse um grande quintal, dividido por cercas de arame farpado, num território onde os caciques compram com facilidade as propriedades de muros altos, daqueles a quem serviram, embora nunca cheguem a conquistar o mérito e a humanidade daqueles a quem conquistaram o mesmo estatuto, embora nunca o respeito e a dignidade, porque cacique não vai à escola, não lê, ignora o poder transformador das artes e de todas as ciências, o que ele sabe é o que dá a terra que nunca foi lavrada e semeada; 

local e regional é o mesmo que dizer charneca, aldeia, ruína, floresta, municipal, entre tantos termos que dão significado à nossa História, que Alves Redol, José Saramago, Joaquim Veríssimo Serrão e tantos outros homens de letras souberam interpretar e deixar escrito, embora poucos de nós saibamos interpretar o que lemos e muitas vezes nem saibamos sequer ler, quanto mais interpretar, foi por isso que na morte de Sérgio Carrinho ninguém falou/escreveu sobre o Parque do Relvão, todos os jornais locais/ regionais incluíndo os de Lisboa e Porto, fizeram o obituário como se Sérgio Carrinho tivesse trabalhado 40 anos no exercício de um cargo público como um simples artesão de fazer colheres de pau, quem é que sabe o que é verdadeiramente o Parque do Relvão? e dos que sabem quem é que quer escrever nos jornais sobre a derrota e a humilhação de que a Chamusca foi vítima depois de Sérgio Carrinho ter sido o único autarca do país a pensar primeiro no interesse nacional e só depois no interesse do seu concelho e do bem-estar da sua população? 

todos sabemos que sem omeletes não se fazem ovos, José Sócrates e antes Mário Soares e Álvaro Cunhal quiseram ter a comunicação social na mão, porque os jornalistas são os únicos intérpretes da realidade que a podem explicar ao mundo chamando os bois pelos nomes, por isso é preciso ter os jornais controlados, hoje quase que não há jornalistas com carta de condução, porque Lisboa tem uma excelente rede de transportes e o jornalismo é caro, os governos fazem-no ainda mais caro, um jornalista que queira contar a epopeia do Parque do Relvão tem que falhar as idas ao Snob, os encontros com os Escárias desta vida, não tem tempo para ir à televisão fazer um comentário em horário nobre, isto está mau para a democracia, para o interior do país onde o grande negócio é o eucalipto, e logo a seguir as estufas no Alentejo, onde o território já se equipara a Marrocos, por isso, em homenagem ao Sérgio Carrinho, fiquem lá com o aeroporto, com todos os aeroportos que quiserem construir, um dia destes há-de aparecer outro Sérgio Carrinho que bata com a mão na mesa e faça ver a estes merdosos dos políticos do Reino que os provincianos aceitam levar com o lixo em cima, com os camiões a entrarem pela casa adentro, mas alguém tem que ajudar a sustentar o Centro de Apoio Social da Carregueira, a construírem outra ponte sobre o rio Tejo ao lado da que já existe, que o resto nós fazemos, cá nos desenrascamos; 

isto de viver por perto dos sobreiros não é assim tão mau como parece, temos pena é que a nossa gente continue a desprezar a educação dos filhos e nos saiam na rifa políticos locais que estudaram para caciques, sacanas que estão sempre prontos para se meterem a jeito de levarem umas palmadas, gente ordinária que não tem um mínimo de noção das suas tristes figuras, e para rematar que a prosa já vai longa, temos pena que o texto seja editado com uma pontuação à Saramago mas foi o que saiu, e como esta crónica não é para convencer ninguém, é muito provável até que a maioria dos leitores fique a meio do caminho, pois que se danem os falsos reformadores do Governo, os caciques que andam por aí a viver à custa do orçamento, e já agora que vou embalado que quem sair presidente da Câmara da Chamusca nas próximas eleições leve o Parque do Relvão em folhetos para o Rossio de Lisboa e faça uma campanha junto dos turistas nacionais e estrangeiros que certamente faz desabar a caliça do Carmo e da Trindade. JAE.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Morreu Sérgio Carrinho: a sua vida dá um romance

Não há melhor forma de falar de Sérgio Carrinho que recordar o seu gosto pelas velharias, o prazer de conversar enquanto partilhava um cigarro e um copo meio cheio, a facilidade com que metia a mão ao bolso e enchia a mão de quem lhe pedia ajuda.

A minha manhã de hoje, dia 31 de Agosto, em que Sérgio Carrinho adormeceu para sempre, foi passada numa feira de velharias a regatear preços de livros, a saber como vai o preço do ouro e da prata em segunda mão, a ouvir histórias de gente que anda com a casa às costas, almoça e lancha fazendo uso de uma mão, trabalhando com a outra a mostrar a mercadoria ou a receber o dinheiro das vendas.

Não há melhor forma de falar de Sérgio Carrinho que recordar o seu gosto pelas velharias, o prazer de conversar enquanto partilhava um cigarro e um copo meio cheio, a facilidade com que metia a mão ao bolso e enchia a mão de quem lhe pedia ajuda para comprar tabaco, mas também muitas vezes dinheiro para comprar o pão, a botija do gás ou pagar a factura da luz.

A vida de Sérgio Carrinho dava um livro; um romance para ser mais exacto. O autor deste texto pode dar uma ajuda a quem se propuser romancear a vida do autarca da Chamusca que vai ficar para a História. Foi ele que me convidou para entrar na política, e foi já como presidente da câmara que o acompanhei durante alguns serões de trabalho no salão nobre dos Paços do Concelho.

Foi sol de pouca dura porque tínhamos tanto em comum que depressa nos cansamos um do outro. Não rima mas é verdade. Nunca deixamos de ser amigos, mas ele era um mouro de trabalho e eu era um jovem irresponsável que queria era putas e música, como se dizia na altura, e acho que ainda hoje se diz, mas sem a palavra puta.

Sim, se alguém escrever um romance e misturar no enredo a vida de Sérgio Carrinho, vai ter que usar muitas palavras chulas, porque ele não as evitava em qualquer circunstância, aliás, quem o conheceu sabe bem que os seus olhos riam quando lhe saía um palavrão que originava quase sempre uma gargalhada.

Soube da sua morte quando cheguei a casa carregado de livros, que ele também adoraria ter na sua estante, com excepção de dois ou três temas que não lhe interessavam, nomeadamente comunicação social e poesia. Sérgio Carrinho era tudo menos um poeta ou um leitor de poesia. Para ele os poetas eram uns chatos, embora fosse amigo de muitos poetas populares, nomeadamente da sua terra, o que não retira verdade ao que acabo de escrever. O seu gosto era pela História, nomeadamente política e social.

A vida que levou como autarca durante trinta anos não lhe deu tempo para fazer uma grande biblioteca ou ler a maioria dos seus autores preferidos. O que mais deixou na memória dos que com ele conviveram foi a ideia de que o mundo só anda para a frente com a força das ideias e do trabalho. Por isso ganhou todas as eleições em que foi a votos. E saiu da política devido à lei da limitação de mandatos que coincidiu, quis o destino, com a sua queda física e mental, embora não simultânea, mas quase, para sua tristeza e desgosto.

Nada disso o impedia de continuar a gargalhar, a gostar de conversar, continuar a queimar cigarros, de vez em quando com as lágrimas mais à flor dos olhos, mas sem mesuras, que mesureiro é coisa que ninguém lhe podia chamar, nem agora que já morreu e não está cá para se defender. JAE