quinta-feira, 12 de abril de 2012
As meias dos jornalistas
“Che Guevara era um guerrilheiro que tinha prazer em torturar e matar”. Segundo outros testemunhos “era o mais destemido e corajoso de todos os guerrilheiros que combateram a ditatura de Batista”.
Às vezes falo de Che entre amigos com as palavras e as imagens dos filmes e dos livros que fizeram dele o mito que é hoje; e recebo de volta a imagem do herói transformado num psicopata apostado em derrubar o regime cubano, muito mais do que em lutar por uma sociedade mais livre e justa.
Tomei notas sobre Che numa semana em que me sentei ao lado de um jovem jornalista que usava umas meias com a figura estampada do guerrilheiro; numa semana em que revi as imagens do Papa a abençoar as mãos de Fidel Castro; numa semana ainda em que saltei da cidade da Praia, em Cabo Verde, para Barcelona, a capital da Catalunha, e em dois momentos de conversa a figura de Che foi tema de discussão e conversa.
Apesar de todos os mitos; de todos os filmes romanceados; de todas as biografias mais ou menos inventadas, gosto da ideia do Che que sorri nas meias do jornalista; que mostra a sua boina e exibe a sua barba nas camisolas penduradas nas barracas do mercado da Praia, lado a lado com as camisolas do Benfica e do Porto; e sinto-me deste tempo ao ouvir dois amigos espanhóis dizerem que Mariano Rajoy é fascista e Fidel Castro é o herói anunciado por uma máquina de propaganda que ainda hoje realiza um filme chamado Cuba, um dos países mais pobres do mundo governado até há pouco tempo pelo líder mais patético de todos os tempos.
O ressurgimento de figuras como Hitler, que foi considerado um arruaceiro sem importância quando começou a sua actividade política, ou de figuras como Guevara e Fidel, que parecem das nossas lutas de ontem, é bem possível que nunca mais se repita, quando olhamos os monitores das televisões que mobilizam as nossas atenções; lemos os jornais e ouvimos a rádio; ou somos parte de auditórios cheios de fiéis, uns mais obedientes que outros, mas quase todos fidalgos de berço de uma sociedade capitalista que, sem precisar de Colombos, dia sim dia sim anuncia ao mundo a descoberta de novos el dourados, seja na forma de viajar em low cost para o deserto de Atacama, seja na compra de um novo telemóvel que permite dormirmos e acordarmos com o mundo aos nossos pés.
Há momentos sublimes e inesquecíveis na História da Humanidade que já não se ensinam nas escolas. Hoje não há quem não conheça os papagaios que falam nas televisões à hora do jantar; todos somos íntimos das aves raras que se beijam na boca e apalpam no rabo nos filmes caseiros produzidos em série; pela certa ninguém ouve falar do padixá que conquistou Bizâncio em 1453, um homem piedoso e cruel, que lia César em latim mas era um bárbaro capaz de verter sangue como água.
“Os déspotas, quando preparam uma guerra, falam muito de paz, enquanto não estão devidamente armados”.
Cito ao acaso para me livrar deste espaço em branco que me desafia a reescrever tudo de novo e a falar do que acontece em frente do degrau da minha porta ou à beira da estrada que faço todos os dias do trabalho para casa e de casa para o trabalho. Que vontade de não querer saber o que vai agora pelo Tejo abaixo depois de aprender um pouco da música da língua crioula e catalã.
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