O meu avô Manuel Emídio trabalhava há cinquenta e muitos anos a roçar mato nas propriedades da Casa Amaral Netto. Eu era seu companheiro de jornada. Saíamos de casa de manhã bem cedo, ele a pé e eu em cima da albarda da burra, e íamos pela charneca adentro para onde era preciso roçar o mato para proteger a floresta dos fogos. Lembro-me como se fosse hoje. O meu avô cortava em média cerca de setenta paveias de mato pagas a meio tostão, que ao sábado de cada semana ia receber ao escritório da Casa perante o meu olhar luminoso por estranhar que lhe pagassem sem conferir. No dinheiro que o meu avô recebia havia uma pequena parte que era minha. Embora passasse o dia com o olhar espantado perante a beleza das saramântigas, havia uma pequena roçadoira para mim de forma a que eu também pudesse ganhar o meu dia. O meu avô não queria mas eu fazia questão de cumprir as seis ou sete paveias por dia.
Partilho esta lembrança na semana em que morreu a Anita do José Ceboleiro. O esgoto que sai da casa de família para a rua está a metro e meio abaixo do chão de barro e uma boa parte fui eu que a abri com lágrimas nos olhos porque a picareta faz doer a carne e os ossos.
Sou muito feliz ao recordar os tempos antigos e se fosse possível registava todos os dias as memórias da vida na infância e fazia um monumento de palavras à Anita do José Ceboleiro, que acabou de morrer, mas também à Júlia do António Serôdio que está no Lar da Misericórdia da Chamusca e parece uma alma do outro mundo a sofrer o que ninguém merece. E ainda dizem que há Deus!! JAE
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