Tive um amigo de escola que tinha a mania de roubar. Assaltava lojas, casas particulares e especialmente os bares das colectividades que exigiam esquemas fáceis. Quando havia um assalto na vila a GNR já sabia quem era o gatuno; era quase sempre o Joaquim já que ele carregava a culpa de ser sempre o ladrão fosse ou não o autor do roubo. Ouvi-o prometer algumas vezes, entre dois dedos de conversa, uma cerveja e um cigarro, que um dia venceria o vício de roubar. Até ao dia em que a prisão de Alcoentre começou a ser a sua residência permanente.
A primeira e única vez que entrei numa prisão foi para o visitar. Fui carregado de cigarros e de um espírito de Natal que só Deus poderá explicar. De verdade não acredito em Deus mas dá-me jeito que ele exista para personagem desta crónica e para justificar a lembrança do Joaquim num tempo de grandes bebedeiras e barrigadas.
Quando saiu da prisão o Joaquim voltou à velha vida de índio sem tenda. Não voltou a roubar, se bem me lembro, mas a sua vida era a de um animal feroz. Um dia entrou na igreja de Nossa Senhora das Dores, onde dormia algumas vezes sem que se soubesse, e pendurou uma corda onde enfiou o pescoço. O suicídio foi durante a noite e Nossa Senhora das Dores estava no altar a confeccionar o jantar para consolo das almas dos pobres e aflitos. Na altura em que terá ido à sacristia buscar salsa para temperar o refogado o Joaquim aproveitou para se fazer de morcego com uma corda presa ao pescoço.
Não acredito na reencarnação nem na vida depois da morte mas, a existir, seria uma grande alegria saber que o Joaquim anda por aí, disfarçado de Pai Natal, a distribuir brinquedos às crianças e esperança aos homens poucos iluminados que estão na cadeia, embora nunca tenham roubado por precisarem de dinheiro para o pão, ou para o tabaco, ou para esses vícios ainda mais comezinhos como o jogo e a vida licenciosa. JAE
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