Estive em Paris nos dias a seguir ao actual estado de guerra e cumpri a minha agenda com um ligeiro desvio da Rua Taillandiers onde o Fernando Graça tem um bar que, segundo me contou na altura da inauguração, está decorado com postais antigos de Lisboa.
Por enquanto não troco a minha aldeia por qualquer outra aldeia do mundo. Não troco o Tejo pelo Sena nem morto. Viajei atrás de duas exposições das muitas que se realizam pelo mundo e que nunca chegam a Lisboa, a Santarém ou a Tomar, só para falar de três cidades que fazem parte da minha vida. Uma delas tem por título “Esplendores e Misérias - Imagens da Prostituição de 1859 a 1910” e permitiu-me ver filmes pornográficos no Musée d’Orsay, porventura um dos melhores museus do mundo, ao lado de respeitados senhores e senhoras de todas as idades e nacionalidades, que aceitavam um pequeno desvio das salas onde se exibem pinturas centenárias de Edgar Degas, Edvard Munch, Henri de Toulouse-Lautrec, entre muitos outros autores da época. O desvio é para dentro de uma sala com cortinados vermelhos onde o cinema pornográfico da altura é exibido como obra de arte. São pequenos filmes de autores anónimos que coincidem com o início da era do cinema e que demonstram bem o quanto teria sido importante para nós, cidadãos com o mundo do lado de lá de um computador, que já houvesse cinema no tempo de Sodoma e Gomorra.
Quatro dias de Paris chegam e sobram para ficar com saudades de Lisboa ou da Chamusca, da mota, do cinema à porta de casa, dos livros à mão de semear, dos caminhos da lezíria e da charneca ribatejana.
Esta crónica foi escrita no aeroporto de Orly, enquanto lia o El País, edição de sábado, e tomava outras notas. Ainda não tinha saído da cidade e já viajava para a Feira do Livro de Guadalajara, no México, com os 12 escritores ingleses recomendados por Alberto Manguel; e lia sobre a correspondência de Gabriel Garcia Marquez com Gonzalo Rojas, um poeta chileno que conheci na sua casa, no Chile, e que um dia tenho que ajudar a traduzir para português; e ainda em Paris, lendo o Babelia, continuo a tomar boa nota da situação de guerra que ainda se vive na cidade de Balzac e Zola mas ligado ao mundo pelas palavras de Ian McEwan que em entrevista tenta explicar “o mistério” de haver tanta gente de boas famílias da Europa ligada às causas terroristas que chegam da Arábia. O título da entrevista diz tudo: “Lá utopia es una de las nociones más destrutivas”. JAE
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