Camões dá nome ao dia de Portugal o que é caso único no mundo. Este é o país de Armando Vara, que de bancário passou a banqueiro, e de Idália Serrão que acabou de cair do cavalo depois de as autoridades terem posto em causa a sua competência para o lugar que desempenha no banco Montepio.
“Este país fica-me apertadinho nas cavas*. Não é preciso citar Alexandre O’Neill nem Fernando Pessoa, muito menos Álvaro Cunhal ou Mário Soares, para termos uma boa frase sobre a questão de ser português. Uma citação de uma das muitas entrevistas de O MIRANTE serve às mil maravilhas para nos revermos na fotografia. Realmente este país é pequenino para tanta truta, e para tanto peixe graúdo, que sonha para a sua vida o que Camões sonhou para Portugal ao transformar “factos históricos numa epopeia onde a História do nosso povo anda de mãos dadas com os desígnios e a vontade dos deuses”.
Camões dá nome ao dia de Portugal. Caso único no mundo. Foi um poeta desconhecido no seu tempo, morreu em data desconhecida, não há notícia dos seus parentes, onde viveu e, por fim, onde foi sepultado (muito provavelmente em campa comum e sem a dignidade de um lençol embrulhado no corpo).
É próprio dos portugueses estes actos de homenagem depois da morte: as honrarias depois do desprezo e da desumanidade. Hoje, como ontem, os artistas não são os que escrevem, pintam, esculpem, filmam ou simplesmente dão cor à vida colectiva; os artistas, os verdadeiros artistas, são os que dominam o poder financeiro, os que governam os impostos do povo e podem, sem qualquer vigilância, conceder empréstimos de milhões com a garantia que o gato dá ao rato quando o deixa correr mais uns centímetros entre dois buracos.
Armando Vara, um banqueiro do regime que nasceu com o 25 de Abril de 1974, ganhou esse estatuto por ser socialista e amigo de José Sócrates. Só por isso chegou a administrador de vários bancos, entre eles a Caixa Geral de Depósitos, banco do Estado, para assinar pedidos de crédito como se toda a sua vida tivesse sido dedicada a estudar financiamentos bancários e avaliações de risco. Armando Vara foi empregado bancário no início da sua vida; depois chegou a banqueiro por ser filiado num partido político e ter amigos influentes.
Há cerca de 10 anos o Banco Central Europeu apertou as regras de forma a que não voltem a acontecer situações como a de Armando Vara. Os banqueiros estão cada vez mais sujeitos a uma escrutínio que tenta impedir que os espertalhões da política se aproveitem do emblema do partido para roubarem dos impostos dos portugueses os financiamentos para as aventuras empresariais dos seus amigos.
Foi por isso que Idália Serrão acabou de perder, na Associação Mutualista Montepio, o estatuto de administradora com os pelouros financeiro e de contabilidade por intervenção da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Idália Moniz passou de presidente de Junta de Freguesia de Almoster, em 2010, a deputada e depois banqueira em 2017. A sua formação foi adquirida em cursos de Educação Musical. Quando chegou a vereadora da Câmara de Santarém parecia a amazona de Rui Barreiro, seu parceiro na cavalgada autárquica que acabou mal.
Há três anos, quando saltou da Assembleia da República para o lugar de banqueira, sem qualquer experiência no mundo dos negócios, nem por conta própria, nem qualquer tipo de formação, poucos se indignaram. A classe política dirigente a nível nacional está toda do mesmo lado, ou seja, do lado oportunista das conquistas de Abril de 1974. JAE
* Entrevista a O MIRANTE com Rui Sommer de Andrade, edição 15/03/92.