quarta-feira, 9 de julho de 2008

Um dia vou deixar de fumar


Coruche é a minha segunda terra. Sempre que me vejo perdido algures no mundo lembro-me de Coruche por ser uma vila tão cheia de luz e ao mesmo tempo tão secreta. Dizem que Cachoeiro, no Brasil, é a cidade mais secreta do mundo. Para mim ainda é Coruche.
Passei os últimos vinte anos a atravessar a vila a caminho do Alentejo e em visitas pontuais de trabalho ou de lazer. Mas, sempre que penso num lugar para descansar, passear de mão dada ou reencontrar-me com as memórias da infância, lembro-me de Coruche e invento uma história.
Há 22 anos que foi morar para Coruche a minha amiga Maria Teresa. Reformou-se com 62 anos do emprego de escriturária da Casa Amaral Netto e fixou residência em Coruche onde vivia e ainda vive a sua filha e genro.
Há mais ou menos vinte anos que sei onde ela mora e vigio a sua casa à distância. O tempo passou e bater-lhe à porta foi sempre um projecto adiado. Na passada sexta-feira cumpri o prometido. Seria hipócrita se dissesse que me lembrei dela todos os dias durante mais de duas décadas. Há certos dias que até me esqueço de mim próprio. Mas durante todos estes anos não só vigiei a sua porta à distância como fui sabendo regularmente como a Maria Teresa andava a fazer as curvas da vida que nada têm a ver com as curvas da estrada que nos levam até às terras de Nossa Senhora do Castelo.
Foi por ser seu amigo e admirador, e por querer prestar-lhe uma homenagem com um pequeno texto, que tomei consciência que tinha capacidades para fundar um jornal na minha terra, que fosse uma alternativa ao jornal local.
Há mais de vinte anos que visitava Coruche, ou passava por Coruche, e não tirava os olhos da porta da minha amiga Maria Teresa. Desta vez bati à porta e entrei. E estive com ela de mão dada conversando sobre o que é possível as mãos dizerem umas às outras.
Não foi um reencontro emocionante confesso. No meu coração ainda vive a Maria Teresa de outros tempos. A Maria Teresa sempre foi uma mulher discreta, tão ou mais discreta que um malmequer do campo. Com ela, que sempre me fazia lembrar a fragilidade dos malmequeres, aprendi também que andar em bicos dos pés é coisa para bailarinos e não para gente comum como eu e ela sempre fomos.
Na passada sexta-feira, depois de almoçar com um amigo no melhor restaurante de Coruche, que por acaso foi inaugurado recentemente, sentei-me à camilha com a minha amiga Maria Teresa Gama e conversei com ela sobre personagens de romances que é disso que a nossa cabeça se enche quando já não aguenta mais esta vida de ficção em que a maioria de nós anda metido uma vida inteira para nada.

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