quarta-feira, 16 de julho de 2008

Um dia vou deixar de fumar (2)


A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Salvaterra de Magos entrou numa pobre casa de família à uma e trinta da madrugada para levar para um orfanato três crianças de 3, 7 e 12 anos a pretexto das más condições de habitabilidade do casal e dos seus três filhos.
Tenho amigos que me dizem que a comissão é composta por gente boa e muito responsável. Fico ainda mais surpreendido como é possível alguém, humano e bondoso, reunir-se a um aparato policial enorme e levantar da cama, quase às duas da manhã, três crianças que já dormiam desde as nove da noite. Imagino a cena e não posso deixar de ver a Marília e o Joaquim Manuel, gente pobre mas honrada, a perguntarem a Deus mas afinal que gente é esta que por bondade leva os filhos dos outros às horas em que os lobos atacam sabendo que o que os espera são cordeirinhos indefesos.


Num breve poema de meia dúzia de versos Mário Quintana escreveu que “Deus é muito mais simples que as várias religiões”. Eis como um verso nos diz quase tudo sobre os que usam e abusam da palavra de Deus. Como a Obra Poética de Mário Quintana é a minha leitura de cabeceira, e é rica em versos sobre as coisas mais simples roubadas à palavra de Deus, fiquei a pensar como é possível alguns filhos da mãe acharem que o uso do preservativo é contra a vontade do Senhor, ou outros filhos da mãe, por causa de uma suposta vontade de Deus, preferirem ver um filho morto do que salvo por uma transfusão de sangue, ou ainda outros filhos da mãe, como eu também sou, só se lembrarem de Santa Bárbara quando faz trovões.


Recentemente um Juiz olhou-me nos olhos durante um julgamento e, em jeito de provocação, perguntou-me se não era já tempo de mandar imprimir as páginas do jornal à medida dos processos judiciais de forma a facilitar o manuseamento e a respectiva consulta. Respondi com um sorriso mas tomei boa nota. Um dia conto mais. Estamos a falar de um processo, que o Ministério Público acompanhou, onde não existe mais do que o mais livre e inocente exercício do direito à informação e à critica. O problema é que o Ministério Público tem vários rostos e nem sempre se interessa pelos valores mais altos da democracia, pela defesa dos valores consignados à sociedade civil antes de os escrutinar em nome de políticos inábeis e ignorantes, oportunistas e irresponsáveis, que são a vergonha do poder democrático.


Como sei que os leitores desta coluna são fiéis aqui vai o parágrafo que não saiu no final do texto da passada semana e que dava título à crónica.
Há pessoas para quem o vício de fumar é uma tragédia. Para mim não; fumo pouco mas com muito prazer e cada cachimbada sabe-me que nem ginjas. Tenho a certeza que vou deixar de fumar muito antes de chegar à idade da minha amiga Maria Teresa Gama.

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