quarta-feira, 7 de março de 2012

Cunha Simões na Livraria Portugal


O fecho da Livraria Portugal, no Chiado, em Lisboa, deu brado em todas as televisões e jornais como se um grande drama tivesse acontecido e a sociedade portuguesa mais uma vez tivesse caducado na caminhada para o progresso e a revolução de mentalidades.
Conheço a Livraria Portugal há mais de 30 anos, num tempo em que ainda não conhecia Lisboa, porque o local onde trabalhava recebia o célebre boletim onde o professor José Pedro Machado escrevia uma crónica que ficou célebre. Muitos anos depois comecei a ser visita frequente e nos tempos mais recentes conversava regularmente com um dos proprietários.
O senhor Joaquim, com quem falei a primeira vez  a propósito de uma edição da livraria Portugal do poeta Álvaro do Amaral Neto, dizia-me frequentemente que não vendia a montra a nenhum editor porque isso seria turvar o negócio e a sua forma de trabalhar. Nos últimos dez anos, em alguns momentos que passei por lá, ouvi gemer mil vezes que as vitrinas eram para os livros que eles queriam e não para os que os editores impunham e queriam impingir.
Uma vez, num aniversário de O MIRANTE, tentei comprar uma das vitrinas para mostrar cerca de meia centena de livros que já editamos. A resposta foi uma desilusão como se pode concluir. Resumindo; os donos da Livraria Portugal deram um destino à loja que mais se ajustava à sua mentalidade e forma de trabalhar. A livraria nasceu com eles e foi gerida para morrer com eles. Ver os jornalistas a darem conta da forma como a livraria morreu atribuindo a culpa a todos os portugueses é a mesma coisa que culpar Oliveira Salazar pelo facto de ainda hoje haver muitos portugueses saudosistas.
Muitos dos livros da minha biblioteca foram comprados na Livraria Portugal por encomenda, e chegavam à minha casa pelo correio. Tenho gravado a alegria de desembrulhar os pacotes e o prazer do primeiro contacto com os livros. Há trinta anos não havia tempo, nem dinheiro, nem carros, nem estradas para viajarmos a caminho das livrarias de Lisboa. E de certo que o grande negócio da Livraria Portugal era a encomenda de livros pelo correio. O que o senhor Joaquim e os seus sócios não perceberam foi que o mundo mudou e até eu, pobre leitor e comprador de livros, já não dispenso o conforto das mesas e das cadeiras da Livraria Almedina ou os sofás da Fnac e, quando é caso disso, as encomendas na internet onde sei que encontro o que procuro à primeira tentativa.
A Livraria Portugal era nos últimos anos um lugar bafiento, sem condições para ficarmos a namorar um livro, sem clientes que dessem ao espaço calor humano e familiaridade suficiente para ficarmos lá dentro mais do que cinco minutos.
Fica aqui um registo que me parece valer esta crónica tão pessoal. O mais prejudicado com o fecho da Livraria Portugal é um autor ribatejano chamado Cunha Simões que escreve muitos livrinhos sobre Sousa Martins, as plantas que curam doenças, Salazar, afrodisíacos, entre outros temas. Os livros de Cunha Simões são edições verdadeiramente artesanais, não fazem parte de catálogos de editoras de prestígio mas deviam ser boa fonte de receita para os livreiros pois tiveram lugar garantido ao longo dos anos na montra principal na parte superior a toda a largura do escaparate.

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