quarta-feira, 21 de março de 2012

Para que tome emenda


Quando tinha 16 anos inscrevi-me num curso de técnico de rádio por correspondência. Não passei da primeira fase de aprendizagem mas ainda dei uns toques num rádio velho da Grundig que comprei para as experiências.
Aprendi a arte de ourives durante dois longos anos em que caminhei para a Ribeira de Santarém para junto do Martins que à força de me obrigar a fazer serão com ele me ensinou o que eu precisava saber da profissão.
Não renovo a minha carteira profissional de jornalista há três anos. Ganhei-a depois de dez anos de profissão. Hoje não sinto vontade nem necessidade de ter uma carteira profissional de jornalista. E, confesso, até me dá um certo gozo trabalhar sem ter que dar contas a uma classe profissional desacreditada e nas lonas em termos associativos e sindicais.
Foi a profissão de ajudante de Guarda-Livros que mais me proporcionou o conhecimento da vida e a descoberta das muitas artes de viver e trabalhar.
Durante cerca de quatro anos, entre os 22 e os 26, não fiz ponta de corno atrás de uma secretária, dando apoio a um Guarda-Livros que tinha pouco trabalho para me dar.
Olhando para trás tenho a certeza que os melhores anos da minha vida foram os que passei atrás de uma secretária bocejando certos dias em que as horas custavam a passar mas em muitos outros aprendendo a olhar a rua pela janela; a fazer contas de cabeça; a cimentar uma personalidade que, boa ou má, só consegui moldar porque tive tempo e pessoas ao meu lado que me dedicaram o seu tempo.
Lembro-me muito bem do tamanho da descoberta do mundo quando deixei o balcão onde me fiz homem dos 11 aos 22 anos. Guardo religiosamente os textos dessa altura, alguns poemas e textos diarísticos que são mais a minha cara, vejo agora, que o retrato do bilhete de identidade dessa época.
O facto de ter aprendido e trabalhado em várias profissões, todas elas aprendidas na tarimba, sem possibilidade de escolher os meus mestres, não evita que ainda hoje me sinta um aprendiz; aliás, não impede que ainda hoje me caguem em cima como na altura em que eu tinha pouco mais de vinte anos.
Mas é bem feita, para que tome emenda, como diriam os antigos.

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