Para alguns o nosso sucesso editorial é uma
desgraça. Para outros é uma alegria. Para alguns as nossas histórias são
de esfregar as mãos; para outros são histórias que tiram o sono.
Não há vidas perfeitas, não se pode servir a Deus e ao Diabo; quando
trabalhamos de forma séria e responsável e temos orgulho no que fazemos
só paramos no Samouco, como é costume dizer-se na minha terra.
Os 25 anos que vêm contados na edição de
aniversário de O MIRANTE, textos que o Alberto Bastos escreveu, com
pessoas que eu conheço desde menino, algumas delas até mais novas do que
eu, são a parte mais bonita da história. As histórias que ficaram por
contar são bem mais dolorosas e provavelmente nunca serão contadas.
Algumas delas vão e vêm à memória e nem sequer são já matéria que valha a
pena aproveitar para fazer caminho.
Assim como nunca sonhei que podia vir a ser
ourives, como fui durante alguns anos, ourives de trabalhar à banca como
se me tivessem nascido os dentes na profissão, também nunca sonhei ter
uma carteira profissional de jornalista como é o caso desde há quase
duas dezenas de anos, embora nunca tivesse frequentado uma universidade
nem sequer um simples curso do CENJOR ou de outra qualquer organização
ligada a esta profissão.
Já estou numa idade em que se pode dizer tudo. Mas
quando se chega a esta idade aprendemos muito rapidamente que é muito
mais fácil calar certas coisas que andar com elas na ponta da língua
como se tivéssemos urgência em demonstrar que nunca deixamos de ser
parvos.
( : )
Já
disse e repito que o maior gozo deste projecto é a possibilidade de
fazer jornalismo de qualidade fora de Lisboa para uma das regiões mais
ricas do país. Mas nem isso devemos só a nós próprios. Tivéssemos à
nossa volta uma sociedade civil bem organizada que não precisasse de nós
e O MIRANTE nunca teria crescido o que cresceu. Tivéssemos jornais
editorialmente fortes e com jornalistas competentes a fazerem a sua
missão e O MIRANTE nunca teria passado da Chamusca. O problema é que não
tínhamos. A imprensa regional e o local sempre esteve ao nível do
correio da paróquia, com todo o respeito pelos paroquianos. Até posso
ser o maior filho da mãe para certos camaradas da profissão que não
gostam da forma como trabalhamos e como fazemos jornalismo. Mas a
verdade é que eles andam há 25 anos a editar o mesmo jornal com as
mesmas ferramentas e sempre com os seus rabos pelo chão a pedirem
publicidade de joelhos para pagarem as despesas e os vencimentos sempre
atrasados.
Não falo em nomes pois seria uma vergonha e uma
desconsideração e até uma falta de respeito para com a nossa própria
equipa. Mas já tenho idade e estatuto e temos trabalho feito e
demonstramos que, afinal, é possível haver jornais de referência fora da
Grande Lisboa e que as pessoas de Santarém, de Vila Franca de Xira, da
Chamusca e da Golegã orgulham-se de ouvir falar do jornal da sua terra e
do prestígio que o jornal ganhou junto das populações e daqueles que
falam de nós noutros lugares distantes e até para lá do outro lado do
Atlântico.
Esta é a parte que me dá mais gozo embora me custe a
maior parte das rugas. Sempre que ajudo a fechar uma edição sinto-me
cansado, não como jornalista mas como empresário. Sempre que o Mário
Cotovio envia o jornal para a gráfica sinto-me exausto não por ter
exercido o ofício de jornalista e um pouco de editor mas por ter que
começar logo no minuto seguinte a preparar as coisas com uma equipa
muito maior do que a dos jornalistas para que nesse mesmo dia, e no
outro, e no outro, o jornal volte a ter outra vez dimensão para acolher
as notícias que muitas vezes chegam frescas outras vezes refrescadas por
novos episódios.
Não é por acaso que nesta sala há mais empresários
que políticos. Não é por acaso que eu e quem trabalha comigo sempre
tivemos muito mais próximos dos empresários do que dos políticos. Não é
por acaso que é muito raro ver um empresário maltratado nas nossas
notícias. O MIRANTE procura ser um jornal com notícias felizes. Quando
não conseguimos vamos entrevistar pessoas que são felizes e que ajudam a
esconder as notícias amargas. Mas empresários maltratados, como alguns
políticos, jamais encontrarão no nosso jornal. Não é só uma questão de
linha editorial: é uma questão de princípio, uma questão de defesa de
valores, de defesa até da nossa própria pele e da nossa própria
identidade.
Os melhores parceiros deste jornal sempre foram os empresários; os pequenos e os médios empresários acima de tudo. ( : )
É
como jornalista que gostava que os meus filhos me lessem um dia que
precisassem de referências para se guiarem na vida. Mas é como gestor
que eu trabalho todos os dias e dou de mim o sangue e o mijo que vai no
meu sangue quando tenho que dar a cara e a veia e as costas para lutar
com os tipos dos bancos, com as gráficas, com o infortúnio dos acidentes
com os carros, com o uso imoderado dos telemóveis e do gasóleo, entre
outros; tudo aquilo que um gestor conhece bem, sente na pele todos os
dias e muitas vezes mais do que na pele sente no coração quando ele dá o
estoiro e lá se vão os dedos e ficam os anéis para quem não os merece.
Por último, duas ou três coisas que sei que vos interessam ou julgo saber que interessa a alguns.
O
MIRANTE é um projecto editorial que pretende estar do lado dos mais
fracos. Não me vejo a fazer jornalismo defendendo os banqueiros ou os
empresários reaccionários. Há uma luz vermelha imaginária na redacção
que se acende quando os jornalistas escrevem muitos textos sobre
política. Todos a conhecem embora nem todos a respeitem. Mas esse é o
nosso desígnio.
Fazer um jornalismo comprometido com as classes
mais desfavorecidas. Trabalhar para os leitores que valorizam as
notícias da sua terra e da sua rua. Não é por acaso que incentivamos as
páginas dos leitores; não é por acaso que mais de metade das nossas
histórias chegam à redacção através do telefone. Temos essa sorte ou
esse mérito de termos conquistado ao longo dos anos o respeito dos
leitores que sabem que na nossa redacção não existem gavetas onde se
escondam histórias por serem inconvenientes ou desagradarem a este ou
aquele.
JAE
*Texto
lido no jantar do 25º aniversário de O MIRANTE que se realizou na
Quinta da Feteira em Fazendas de Almeirim, na noite do dia 16 de
Novembro 2012.
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