A chegada de um novo ano é o melhor pretexto para falarmos de livros e de leituras. Com a pandemia, o ano que agora acaba tornou-se o pior ano das nossas vidas; mas que ninguém espere melhor mesmo com a chegada da vacina. Não podemos dar tréguas aos políticos nem aos seus secretários.
A chegada do Ano Novo é sempre um bom pretexto para olharmos por nós abaixo e encontrarmos aquilo que ao longo do ano não vimos por causa do movimento acelerado das nossas vidas pessoais e profissionais. Na noite de Natal reparei que os meus dedos estavam feridos por causa de alguns dias na banca de ourives a brincar com as ferramentas. Mesmo a brincar o trabalho magoa o corpo e, às vezes, o espírito. Na manhã do dia 26 descobri que este ano li mais livros que nos dois últimos dois. A mudança de aldeia obrigou-me a escolher da biblioteca os meus quinhentos livros preferidos para levar para a nova casa; e isso deu-me alento para ler e reler livros que me avivaram a memória: “nem sempre se pode ver de olhos abertos”.
Ainda não foi desta que reli a Odisseia e a Eneida, mas reli, ou li pela primeira vez, vários romances de Ana Miranda, Paul Theroux, Aquilino Ribeiro, Mário de Carvalho, Baptista Bastos, Marguerite Yourcenar, Rosa Montero; Agustina Bessa Luís, e muitos poetas que estão sempre presentes nas minhas leituras diárias como Kavafis, Pierre Louis, Raul de Carvalho, Virgílio Alberto Vieira, Paul Éluard, Rui Bello e João Rui de Sousa; muitas biografias, de que destaco as sobre Picasso, e dois livros marcantes que foram “Diarios 1984-1989” de Sándor Márai, numa edição em espanhol, e “Camilo Intimo”, que me mostraram a crueldade da vida e a força da literatura. Os meus livros do ano foram as releituras da obra de George Steiner, que morreu no dia 3 de Fevereiro de 2020, e todos os livros de Claúdio Magris, que nasceu e vive em Trieste, uma das minhas cidades de eleição, também por ter sido morada de Rainer Maria Rilke.
Os livros são o melhor pretexto para falarmos da escravidão do trabalho e dos sentimentos. Há quem nasça e morra agarrado ao mesmo pau; é com ele que batem e é com ele que levam nos cornos desde que nascem até que morrem. Este ano dei por mim a fazer uma listagem de pessoas que viveram, à minha frente, situações que a mim me fariam despir a pele e oferece-la aos cães, e que, para eles, não passaram de simples episódios da vida.
Não estou a falar dos políticos, nem dos parasitas que vivem nos gabinetes dos políticos, que por cheirarem os seus peidos acham que são íntimos ou ainda mais íntimos que os respectivos cônjuges ; estou a falar dos gaudérios que vivem aqui ao nosso lado, controlando organismos públicos com as suas manhas de carneiros mal mortos; os activistas culturais que se acham no direito de viverem à custa do erário público por saberem disfarçar-se, em cima de um palco, com uma simples barba postiça; os directores e assessores de vários organismos do Estado e da municipalidade que, mal pensam em usar a boca para dizerem em público aquilo que pensam, levam nas orelhas porque foram contratados para ficarem calados e serem apenas a voz do dono: os “cães” que nunca são vacinados contra a raiva porque precisam do vírus activo para sobreviverem.
O ano de 2020 ainda não terminou mas basta estar atento a algumas alterações que aconteceram em algumas instituições da região e do país para concluirmos que o problema da pandemia provocado pelo coronavírus é uma pequena desgraça comparado com o mal do analfabetismo que nos vai levar ao descrédito e à inacção, ao desprezo e, principalmente, à insignificância. A pandemia matará ainda muitos de nós mas a ignorância de certa gente, que faz a gestão da coisa pública, fará muitas mais vítimas a curto e médio prazo, com menos dor mas de certeza com mais sofrimento. E é certo que também, a curto prazo, vamos todos ficar livres da pandemia com a vacina que já começou a ser distribuída. Para o mal da ignorância e da prepotência dos governantes e dos seus acólitos jamais os cientistas descobrirão vacinas eficazes JAE .
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