A marca Ribatejo perde força a cada ano que passa. O Alentejo é cada vez mais uma marca mundial. Contradições dos burocratas que mandam mais do que deviam.
Comecei o ano novo como acabei o ano velho: a ler, a escrever, a projectar, a mobilizar, a repetir, aos 65 anos, a frase mais conhecido de Picasso: “Demora-se muito tempo para ficarmos jovens”, ou aquela outra ainda mais (des)conhecida: “Concordo com D. Quixote: o meu repouso é a batalha”.
Com esta conversa quero trazer aqui o nome do escritor turco Orhan Pamuk, que tem vários livros traduzidos em português, entre eles “O romancista ingénuo e sentimental” que, embora não seja o melhor dos seus livros, é aconselhado para aqueles que fazem da escrita e da criatividade um modo de vida. Ignorá-lo numa altura em que os livros podem ser a melhor prenda de ano novo seria injusto para o escritor que também é leitura obrigatória na vida do autor desta coluna.
II
O Ribatejo, designação do território onde vivemos, que tem vindo a ser abandonada pela maioria dos organismos do Estado, em favor do Vale do Tejo, Lezíria do Tejo e Médio Tejo, é a maior derrota dos nossos políticos e estrategas locais e regionais. Dou um exemplo que não pode ser ignorado por quem diz que tem dois dedos de testa: o Alentejo, muito mais longe de Lisboa, muito mais desertificado que o Ribatejo, muito mais pobre por causa da agricultura intensiva, o Alentejo, dizia, é uma marca nacional e internacional que ninguém foi ou será capaz de derrubar. O Ribatejo também era, ou parecia ser, mas a verdade é que caiu estrondosamente depois de algumas almas iluminadas acharem que a região não tinha força para se unir à volta do seu estatuto. E ganharam a aposta porque, de verdade, o Ribatejo tem rostos distintos que nunca se entenderam, ou pouco se entendem, não por causa da proximidade com Lisboa mas por causa da proximidade com Coimbra, a norte, e com Leiria, a oeste. Nem o facto de sermos a região do país com o maior potencial para a produção de bens agrícolas, com os solos mais férteis, o de maior qualidade e variedade de recursos naturais, foi suficiente para combatermos a divisão e a perda de identidade que se tem vindo a agravar com as divisões entre quem manda e governa e quem verdadeiramente tem poder.
Dou como exemplo o caso dos vinhos; a indústria do vinho engarrafado do Alentejo é em boa parte alimentada pelas uvas que se produzem nos campos do Ribatejo. É assim há muitas décadas; o Alentejo nunca teve produção de uvas suficiente para alimentar o seu mercado. E o que é que fizeram os iluminados da região para combaterem a concorrência da marca Alentejo?; criaram a marca Vinhos do Tejo que quase fez desaparecer dos mercados o prestígio e a verdadeira importância da cultura da vinha nas terras ribatejanas.
III
Por ainda vivermos o espírito de Natal deixo aqui sinais da minha paixão pelos doces tradicionais do Ribatejo que este ano voltaram a atraiçoar-me (nem imagino quantas pessoas poderão estar desencantadas como eu): não encontrei nos lugares por onde andei as azevias da minha infância com recheio de abóbora ou de tomate; só encontrei azevias com o enjoativo e maçudo doce de grão. Fica aqui o apelo do jornalista ingénuo e sentimental, título inspirado no livro de Orhan Pamuk, aos profissionais de pastelaria do Ribatejo: não se deixem ir em modas: ajudemo-nos com espírito de missão a combater a pandemia das azevias de grão de bico, e, sem brincarmos com as palavras, aproveitemos a embalagem para combatermos os burocratas regionalistas que se parecem com o doce de grão das azevias. JAE.
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