quarta-feira, 4 de julho de 2012
O azul do quotidiano
Fui ao teatro, ao “Recreios da Amadora”, ver a peça “Laurel e Hardy vão para o Céu”, de Paul Auster, com encenação de Jorge Silva, um actor nascido e criado na Chamusca que tem feito um percurso interessante como actor no teatro português e, nos últimos anos, também como encenador. A certa altura um dos personagens (são apenas dois e fazem muito bem os seus papéis) deixou cair um dos adereços para a plateia. Percebi que o actor não podia continuar a representar sem ele e fui, curvado, apanhá-lo do chão e atirá-lo para cima do palco. Na altura o personagem choramingava; e mais choramingou, entretanto, exagerando um pouco para fazer render a cena, enquanto aproveitava para alterar o guião e agradecer-me com um obrigado igualmente choramingão para não destoar. Depois de ver a forma como ele se safou, e no regresso ao meu lugar na plateia, fiquei a pensar que razão me levou a atirar o objecto para cima do palco, uma vez que tinha a hipótese de o entregar em mão. Estava a menos de meio metro dele e, mesmo assim, resolvi atirá-lo em vez de o entregar em mão. Que coisa estranha… penso agora. Fui involuntariamente o terceiro personagem de uma peça só para dois actores e não soube estar à altura. Para quem está proibido de representar na azáfama do seu dia-a-dia de trabalho, anos e anos e décadas seguidas, nada acontece por acaso. E tudo se pode explicar com estes pequenos incidentes que ajudam a conhecer melhor o chão que pisamos.
Conduzia de vidro aberto numa fila de carros entre vários semáforos e numa avenida apinhada de automóveis. A certa altura alguém parou do meu lado e perguntou: “o senhor condutor precisa de ajuda para ler o jornal”? Estava parado na altura e nem precisei de pensar. Disse que não, obrigado, e pedi desculpa. Enquanto levantei os olhos para verificar quem era, embora em consciência tivesse adivinhado assim que ouvi a voz, repeti o pedido de desculpas e atirei o jornal para cima do banco do lado. “O que os senhores condutores inventam para fazer enquanto conduzem”, disse o polícia com um olhar sério mas já com a mota engatada para prosseguir viagem deixando-me seguir caminho. Assim que o vi de costas perguntei-me. Mas eu podia dizer que estava parado. Podia dizer que não estava a ler; estava só a folhear. Podia ter inventado uma desculpa já que o jornal tinha sido atirado para dentro do carro alguns metros antes. Mas não fiz nada disto. Pedi desculpa como se fosse uma criança apanhada com a boca na botija. E acho que foi isso que me safou. Mesmo parado num semáforo não deixo de estar a conduzir um carro, conclui, sem tempo para pensar, enquanto o polícia ainda teve tempo para me avisar que a multa de ler a conduzir é a mesma que falar ao telemóvel.
No próximo fim-de-semana vou usar o lenço vermelho que comprei há dez anos em Vila Franca de Xira e vou viver, nas ruas, a Festa do Colete Encarnado. Gosto daquela festa e o ambiente nas ruas de Vila Franca de Xira faz toda a diferença.
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