quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A viúva e o alfarrabista

Os portugueses estão espalhados pelo mundo mas é no Brasil que mais se sente a presença portuguesa nos quatro cantos da terra. Um dia entrei num sebo do nordeste brasileiro e visitei um livreiro que é poeta, músico, tradutor e coleccionador. A conversa durou uma tarde inteira sentados a uma mesa ao ritmo que os clientes iam deixando; Chama-se Marco de Faria Costa e durante horas citou de cor versos cantados por Amália Rodrigues e Francisco José; poemas de Mário de Sá Carneiro, Antero de Quental, Camões, Camilo Pessanha, Bocage, Vitorino Nemésio, entre muitos outros
Dona Sónia, com uma trança loira que chegava à cintura, acompanhava a conversa respondendo a perguntas de circunstância mas sempre com um sorriso do tamanho do Atlântico.
Comprei três livros e dois foram oferecidos e com direito a autógrafo. Todos os autores que gosto e cujas edições procuro sempre que viajo eram familiares ao livreiro. 
Sempre que falava do Castelo de Abrantes, do túmulo de Pedro Álvares Cabral, do Convento de Cristo ou das muralhas dos nossos castelos, o livreiro levantava-se, tirava um livro de uma prateleira e acabava a conversa completando a informação sobre a nossa terra e a nossa cultura de oitocentos anos.
O Estado onde ele nasceu e vive é do tamanho de Portugal. A cidade onde mora tem mais habitantes que todo o Ribatejo. Mas ao citar Camões e ao cantar os versos da canção “Olhos Castanhos”, Marco parecia mais português do que eu, mais apaixonado por Portugal que o português que o visitava.
Deixei-o já com o sol a pôr-se na praia de Pujaçara e regressei ao hotel para me preparar para uma noite de leitura. O reencontro numa livraria de um centro comercial numa tarde de domingo proporcionou mais uma longa conversa onde José Saramago foi pretexto para outras viagens pela cultura portuguesa e paixão pelos livros e pela música. Antes de um último abraço quis saber mais sobre a sua vida de comerciante de livros usados: Não tem nada que saber, disse-me, a sorrir; “a viúva é a padroeira do alfarrabista; O resto você já sabe; e está com sorte por me ter encontrado numa fase da vida em que não bebo”.
JAE

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