quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

José Niza e o exemplo de uma vida


José Niza acabou de ser homenageado pelas gentes de Santarém numa iniciativa do Centro Cultural Regional do qual também foi membro da direcção durante muitos anos. Nas comemorações do 25 de Abril deste ano a Câmara de Santarém, em iniciativa já anunciada há muito tempo por Francisco Moita Flores, vai organizar nova festa de homenagem associando o nome do músico, compositor e poeta à data histórica e à cidade de onde Salgueiro Maia partiu com as suas tropas.
José Niza é médico de profissão mas a sua vida foi dedicada à política e às artes. Não conheço político na reforma que, como ele, tenha servido o país. Este homem de bons costumes e de carácter faz parte da ínfima percentagem de políticos que conseguem dedicar uma vida inteira ao serviço público sem se meterem em negociatas, ou aceitarem cargos de administração em empresas públicas e privadas, que mais não são que formas ordinárias de enriquecerem à custa dos dinheiros dos contribuintes.
Segundo sei, e não quero aqui adiantar-me muito, só a solidariedade de um amigo das lides políticas evitou que José Niza chegasse ao último terço da sua vida sem a possibilidade de ganhar uma reforma digna e de acordo com os serviços que prestou aos portugueses. Conheço bem o seu desapego ao Poder, a sua vasta cultura, um pouco da sua Obra cultural; conheço da sua vida o suficiente para arriscar que daqui por muitos anos será dos poucos nomes que ficará na História. O seu exemplo como cidadão e homem de cultura ajudará a pagar o retrato medíocre de muitos que o acompanharam em lugares mais distintos mais devido à esperteza que à inteligência. Mas será o seu nome e o seu exemplo que os homens de amanhã procurarão para conhecerem melhor o país em que nasceram.
José Niza é o meu herói vivo. Todos os dias lamento não ter mais tempo para conviver com ele durante mais tempo, esfumaçar e comer e beber na sua casa, ouvir e partilhar episódios da vida de um Homem que, não sendo dono de uma Obra tão conhecida como a de José Saramago ou Joaquim Veríssimo Serrão ( dois grandes da nossa região felizmente também ainda vivos) não lhes fica atrás em sabedoria, Obra realizada, intervenção cívica e amor às causas mais nobres. Assim como não existem grandes artistas sem rigor nos seus princípios, sem empenhamento, sem dignidade, também os grandes políticos são aqueles que ao longo da vida deram sempre mais do que receberam. Não conheço melhor exemplo de amor à terra, ao país e à cultura portuguesa que a lição de vida que me é dada pela figura ímpar de José Niza.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Uma boa lei para subverter



Tenho três amigos que fumam desalmadamente. Quando estou com eles fico com dor de cabeça. Aquela morte lenta em que os vejo afundarem-se deixa-me pensativo. São três homens cultos, bem informados e trabalhadores incansáveis. Um é abstémio. Os outros bebem uma garrafa de uísque por semana. Os três fumam mais num dia que eu durante um mês. A sofreguidão com que os vejo a puxar dos cigarros só a conheço altas horas da noite quando fico a trabalhar. Acontece-me meia dúzia de vezes por mês. No outro dia acordo ressacado. Se o trabalho foi inglório fico doente todo o dia. Se deu frutos sinto-me tonto, como se andasse nas nuvens.
O meu vício vem da infância. Mas sempre mantive o hábito controlado. Tive que adaptar o vício à largueza que me era dada pelo meu pai ao lado de quem trabalhei dos 11 aos 20 anos. Mesmo depois da maioridade nunca puxei de um cigarro à sua frente. E consegui manter o vício controlado até aos dias de hoje. Mas considero-me tão viciado fumando um pacote de tabaco por semana como os meus amigos que fumam um maço enquanto o diabo esfrega um olho.
Nunca puxei de um cigarro num restaurante. Não fumo à mesa na minha casa ou na casa dos outros. E sou incapaz de andar na rua a fumar. Excepto se estiver de férias. Nessas alturas até me apetece fumar na cama antes de adormecer. E se estiver em grupo fumo nem que seja nas urgências de um hospital. Em rebanho salto o valado como a mais comum das ovelhas.
Estou a ler um livro de Sándor Márai, cuja primeira versão data de 1941, em que o personagem principal aborda o vício de fumar de uma maneira interessante: “Não hei-de renunciar a este veneno amargo porque não vale a pena. Dizes que não é assim tão difícil desacostumarmo-nos?... Claro, é lá agora difícil. Eu também consegui, e não foi só uma vez, enquanto valeu a pena. O mal é que pensava todo o dia no cigarro que não acendera (...). Temos de nos render, face à nossa fraqueza, e, se precisamos de uma droga, convirá pagar o preço (...). Dizem-me: Não és um herói. E eu respondo: É bem possível que não seja um herói, mas também não sou um cobarde, porque tenho a coragem de viver as minhas paixões”.
Não acho que o vício de fumar seja uma paixão. Quanto muito é um pequeno amor. Fumar um cigarro ao ritmo de quem respira, como diz um personagem do último livro de Francisco Moita Flores, é um suicídio que a nova lei do tabaco vem ajudar a controlar. E bem. Embora seja uma lei para qualquer um de nós subverter quando nos der na real gana.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A Adega do Zeca e os princípios do Vereador

Um dia destes entrei num café e casa de petiscos da Ribeira de Santarém. Depois de estar lá dentro a tomar a bica reparei que estava no local onde a minha vida ganhou um certo rumo. Há mais de 20 anos caminhei para ali ao fim da noite, um dia por semana, durante mais de dois anos, para acompanhar no petisco um ourives que me fazia os consertos no próprio dia e que tinha oficina montada numa velha casa da Ribeira. Depois de um dia de trabalho e de fechar a porta da ourivesaria, na Chamusca, vinha a correr para a Ribeira e passava horas e horas a seu lado, na oficina mas também no petisco, sempre na esperança de trazer na mala os consertos de ouro e prata que os clientes deveriam ir levantar no dia seguinte ao balcão da minha loja.
De tal forma levei a sério este método de trabalho que, de tanto ver trabalhar, aprendi a arte de ourives. Até que um dia, já muito depois de só aparecer à noite na Ribeira de Santarém com os trabalhos mais difíceis, o ourives descobriu-me a careca e pôs-me na rua dizendo que se eu já tinha arte para consertar o que era fácil que procurasse aprender a resolver também os problemas dos consertos mais difíceis.
Entretanto mudei de ofício e há muitos anos que não me sento à banca de ourives. Hoje devo ser tão bom a soldar como era, já na altura, a beber e a comer na Adega do Zeca. Aquilo fazia parte do meu trabalho e só muito raramente juntava o útil ao agradável. Sempre tive mau vinho e só com o cheiro ficava (e ainda fico) com a cabeça à roda.
Ter entrado na Adega do Zeca e não ter reconhecido o lugar deixou-me um sabor amargo na boca e uma tristeza na alma. Devia ser mais fiel às minhas memórias de ofício.


Um jornalista da Redacção de O MIRANTE pediu ao vereador do Partido Socialista na Câmara de Santarém, Rui Barreiro, uma entrevista para fazer o balanço destes dois anos de oposição a Moita Flores. O ex-presidente da câmara e agora vereador recusou desculpando-se com questões de princípio porque, disse ele, tem processos em tribunal contra O MIRANTE.
Foi à Redacção deste jornal que Rui Barreiro, durante a sua presidência, só respondia por escrito. Foi a este jornal que Rui Barreiro cortou a publicidade. Foi a O MIRANTE que Rui Barreiro boicotou a informação. Foi aos profissionais desta casa, a todos, sem excepção, que Rui Barreiro tentou complicar a vida não pagando as dívidas durante quatro anos (algumas só recebemos ainda mais tarde depois de ganharmos os processos em tribunal). Agora que lhe queremos dar voz Rui Barreiro desculpa-se com questões de principio.  A Direcção Nacional do Partido Socialista devia pagar aulas de ética a alguns dos seus militantes. E aos que não passassem no exame final deveria reformá-los. Para que o povo não sinta vergonha dos políticos que vai elegendo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A cultura portuguesa numa barraca de farturas

O rali Lisboa-Dakar foi suspenso devido às dificuldades criadas pelo Governo francês. Tenho a certeza que o assunto não interessa à generalidade dos leitores. O rali é uma prova para gente endinheirada. Serve os interesses do mundo do espectáculo que, por sua vez, se alimenta das televisões e dos milhões da publicidade. O facto de uma parte da prova se realizar em território ribatejano e ter defraudado as expectativas e os orçamentos de muita gente da região não me deixa indiferente. E apetece-me partilhar a convicção de que a União Europeia é uma treta (um pequeno negócio entre países) e que se o rali tivesse a partida marcada em Paris  nem que a vaca tossisse a prova havia de se realizar.
Portugal é um país de anões em matéria de política internacional. Curiosamente, a notícia da suspensão do rali surgiu no mesmo dia em que o Partido Comunista interpelou o Governo sobre as condições que determinadas marcas tiveram para se publicitarem durante a assinatura, em Lisboa, do Tratado Europeu. Outro caso de falta de vergonha dos nossos governantes que, à míngua de orçamentos, aceitam que os gigantes de certas marcas imponham a sua força. Tudo à custa de supostas economias. Tudo controlado pelos anões que vestem fatos de gigantes ou pelos gigantes que conhecem bem a importância histórica do país dos anões.
Basta saber ler para perceber como Portugal é um país sem importância. Somos uma das línguas mais faladas no mundo e a nossa política cultural é um atraso de vida. Os institutos espanhóis gastam milhões a promoverem a língua de Cervantes nos certames ligados à cultura que se realizam nos países de língua portuguesa. Portugal faz-se representar pelo Instituto Camões quase sempre numa barraca onde um comerciante local aproveita para promover também os galos de Barcelos, as queijadinhas de Sintra, os pampilhos e os celestes de Santarém. Na última Bienal do Livro do Rio de Janeiro, onde estava mais de um milhar de expositores, nem uma única editora portuguesa se fazia representar. E lá estava o nosso Instituto Camões ao nível de uma representação dos poetas de Nitéroi. E a realidade não é diferente se visitarmos os mais importantes certames do livro noutros países da América Latina. Na última feira do livro de Buenos Aires, que tem uma média de visitantes que chega quase ao milhão e meio de pessoas, o Instituto Camões estava instalado numa barraca de farturas e tinha em exposição meia centena de livros na sua grande maioria edições vindas directamente dos alfarrabistas.
Devia aproveitar este espaço para escrever sobre o problema da beterraba, do tomate, do trigo e do milho nos campos da lezíria e da falência do nosso mundo rural. Gastei as palavras a escrever sobre o rali Lisboa-Dakar e as memórias de dois acontecimentos culturais onde percebi a falência da cultura portuguesa no mundo devido a meia dúzia de sacanas que nos governam. Espero que me perdoem a vaidade e a falta de horizontes das minhas palavras. 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Um ano para redescobrirmos a internet

Para o ano, por esta altura, O MIRANTE vai ser uma plataforma de comunicação na internet com dez vezes mais qualidade e conteúdos. Se não for vai ser um ano mau.
Cada vez que descobrimos uma nova história, gravamos uma entrevista, escrevemos uma notícia, sentimos a necessidade de partilhar essa informação de novas formas procurando chegar a novos públicos.
O MIRANTE é o maior semanário regional português. Mas o nosso sucesso não basta para satisfazermos as necessidades do mercado. Apesar de sermos os únicos da região que verdadeiramente interagimos com os leitores, sentimos, a cada dia que passa, que isso não é suficiente e que não estamos a aproveitar da melhor maneira os meios que temos ao nosso alcance.
Não será fácil aumentar em número de páginas a nossa edição em papel. Não queremos nem podemos ser um jornal dentro de um saco de plástico com um grande número de suplementos. Podemos, para já, crescer mais oito páginas e pouco mais. Mas falta-nos fazer tudo ao nível da televisão e do vídeo. E, na Internet, o que fazemos é muito pouco para as potencialidades do meio. Somos uma região cheia de História e rica de personagens. Precisamos de aprender mais e melhor a contar o que nos faz ser diferentes no mundo, o que nos caracteriza, o que nos empobrece, o que nos revolta, o que é ser português e ribatejano.
Queremos ter, em termos profissionais, um ano de 2008 como tivemos o ano que agora acaba. A região tem pessoas de valor. O país real não começa nas televisões e nos jornais ditos de referência e não acaba nas programações idiotas das rádios locais. Há outro mundo a nascer no meio da imprensa escrita e no território do audiovisual português. O MIRANTE vai ter que acompanhar a evolução. É tudo uma questão de arte e engenho. Dez por cento de inspiração e noventa por cento de transpiração. Vamos suar no próximo ano para continuarmos a merecer o respeito dos nossos leitores e para conquistarmos o título de operários do multimédia.
NOTA: 2007 foi um ano de nojo para o país. O escândalo dos banqueiros, que ainda está aí para durar, e as mortes por assassinato ligadas aos negócios da noite, espelham o país que vamos ser no futuro: Por cada BCP teremos menos saúde pública, menos regalias sociais. Por cada CGD provaremos mais o amargo do aumento das contribuições e o policiamento dos nossos sonhos.