quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ano novo vida nova


Os peixes vivem no mar como os homens na terra; os grandes comem os pequenos. Citação de Shakespeare.

Um amigo de longa data recordou-me recentemente o privilégio de termos um amigo comum, também de longa data, que conquistou recentemente o fundo dos mares. Quem diria, Joaquim Emídio, que íamos ter um amigo comum com tanto poder sob as estrelas, desabafou, enquanto partilhávamos rente à noite os restos de um dia de trabalho de que só tinham ficado as espinhas. Recorro às notas do meu caderno para recordar este episódio. E concluo: quanto mais alto sobem os nossos amigos mais distantes deles devemos ficar para que nunca nos falte o chão nem os olhos vejam para lá do horizonte.

O lançamento de um livro de Alves Redol com a chancela de O MIRANTE proporcionou um encontro amistoso com a presidente da Câmara de Vila Franca de Xira (Maria da Luz Rosinha) no Largo do Seminário, em Santarém, ao cair da noite, quando a cidade fica mais triste que um altar de uma igreja. “Foi aqui que ouvi Sá Carneiro pela primeira vez e lembro-me de olhar para ele e ver um homem muito pequeno, com umas botas grandes demais para as suas pernas e pés. Quando começou a falar conquistou-me de tal forma que o reconheci muito maior do que era”.

“Há uma velha, sagrada, e inquebrantável tradição em Inglaterra de que os noivos devem escrever-se todos os dias, algumas linhas que sejam, devendo mesmo, na ausência absoluta de sentimentos a comunicar, copiar o jornal”. Excerto de uma carta de Eça de Queirós para a noiva Emília em 7/10/1885.

Melhor do que deixar para trás os apontamentos de um caderno diário, escrito ao longo do ano, é suar a camisola a jogar ping-pong; nadar; jogar snooker; ler um livro ou ver um filme com os filhos por perto. O Natal é só uma boa altura para os exercícios do espírito.

Se não pudesse voltar a escrever nesta coluna escolhia para me despedir dos leitores esta frase roubada ao livro “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar, que reli este ano: A memória da maior parte dos homens é um cemitério abandonado, onde jazem, sem honras, mortos que eles deixaram de amar. Toda a dor prolongada insulta o seu esquecimento”.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Horas extraordinárias na saúde


“Sindicatos médicos ameaçam com greve às horas extraordinárias”. A notícia parece de outro mundo mas não é. Os médicos são a única classe profissional em Portugal que está protegida por um escudo invisível. Só é médico quem as organizações profissionais querem. E o acesso à profissão é controlado como se controlam os membros admitidos nas sociedades secretas, como é o caso da Maçonaria e da Opus Dei.
Numa época em que o mercado de trabalho está em mudança, em que nada voltará a ser como dantes, seria lógico ver o Governo português a abrir as universidades aos jovens que aspiram chegar ao curso de medicina. Bem ao contrário os médicos são uma classe profissional à parte e ameaçam parar as urgências iniciando uma greve às horas extraordinárias.
Para as horas extra, no trabalho dos médicos, servirem para convocar uma greve, que pode paralisar o sistema, imagine-se o que elas representam no horário laboral destes profissionais da saúde. E o Ministro da tutela vai continuar a assobiar para o lado no que respeita ao acesso de mais estudantes aos cursos de medicina. Pois claro! Quem manda são os interesses instalados.

Na inauguração do Hospital Privado de Santarém conversei com um médico amigo que me contou esta história extraordinária. Nos últimos dias esteve no concelho de Coruche a realizar consultas e uma das doentes desfez-se de tal forma em agradecimentos e gratidões que o meu amigo perguntou-lhe porque estava tão comovida e agradecida uma vez que a consulta até tinha corrido bem e não havia muito para agradecer. A resposta chegou de forma surpreendente: o senhor doutor foi tão bom! nem precisou de ralhar e de ofender.
É extraordinário como a crise de profissionais da saúde está a afectar a relação entre médico e paciente principalmente nas aldeias mais distantes e junto das classes mais pobres e desprotegidas. Os casos em que os médicos são agressivos para com os seus doentes, comportando-se como azémolas, são a prova de que é preciso mudar a política de saúde e acabar com a falta de profissionais neste sector, tão importante para a nossa qualidade de vida e para a economia do país.
No dia em que ouvi contar esta história passada em Coruche soube também que um médico amigo dos tempos de escola mandou estudar para uma faculdade da República Checa o seu filho que não conseguiu entrar no curso de medicina em Portugal por uma diferença de duas décimas de valor nas notas do final do ano. É gente de bem e com boa posição social e financeira. Terão um filho médico como realmente desejam. E não haverá interesses instalados que os impeçam de investirem numa profissão para o qual o filho também se sente vocacionado.
Estamos numa grande encruzilhada. Mas nada disto se justifica tendo em conta que acabamos de ter como Primeiro-ministro um engenheiro com diploma passado a um domingo; que deixou correr rios de tinta sobre a sua vida de trabalhador estudante e nunca assumiu as facilidades do sistema que ele próprio alimentou como governante.
É muita gente hipócrita para tão poucos metros quadrados de território, diria o meu avô se ainda fosse vivo e tivesse oportunidade de conhecer estes manhosos que nos governam a saúde.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Uma estrela afiada


De vez em quando mudo-me duas ou três semanas para uma cidade do mundo. Deixo a terrinha e vou viver e dormir em lugares desconhecidos que me renovam e ajudam a renascer. Um dia fico por lá? É provável. Mas, até hoje, as minhas viagens foram sempre programadas incluindo as emoções do dia marcado para o regresso.
A minha vida é a minha família, a minha terra e a defesa dos meus hábitos e costumes; a minha casa comprada aos herdeiros do senhor Manuel Moedas, a casa dos meus pais, o Tejo, que é todo meu, e uma boa parte da charneca e da lezíria que ainda não está vedada à circulação dos cidadãos que gostam de andar a pé, de moto ou de bicicleta, pelos caminhos da infância, como é o meu caso. Tudo isto são razões mais do que suficientes para viajar com regresso marcado.
Na minha aldeia ainda se dorme com a porta no trinco; o padeiro deixa o pão na maçaneta da porta às seis da manhã; o vizinho toca à campainha ao fim do dia para pedir uma pitada de sal; os amigos juntam-se a um fim-de-semana para se ajudarem na horta, no quintal ou na recuperação de um telhado; o padre, o farmacêutico e o médico de família são convidados de todos os casamentos e baptizados; na maioria dos quintais ainda se criam coelhos e galinhas, e o relógio da torre da igreja marca a hora a que se deitam e levantam a maioria dos habitantes.
Mas nem tudo são rosas; e as promessas feitas ao Senhor, na noite da procissão, que junta ricos e pobres, velhos e novos, muitas vezes são compromissos com o diabo que as pessoas trazem dentro de si.
Na paz de um lugarejo, nos bairros que cheiram ao fumo das chaminés; ao fundo dos quintais onde ainda há fornos a lenha para cozer o pão e confeccionar trouxas-de-ovos, é sempre possível, como nos tempos da pedra lascada, encontrar gente ruim como cobras.
O meu avô paterno passou os últimos anos da sua vida sentado à porta de casa, ao fundo do meu quintal, com uma bengala por perto para substituir as pernas que ficaram trôpegas numa idade em que a generalidade dos homens regavam sozinhos uma seara de milho. Aprendi com ele, vendo como fumava, comia e bebia deitado na cama, que a cada minuto que passa os homens precisam de decidir o que vão fazer da vida no minuto seguinte, o que quer dizer que a vida dos homens é um problema permanente. Principalmente quando não estão a dormir e sentem um friozinho na barriga derivado da proximidade de uma lâmina ou de uma estrela afiada.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Memorial da Spalil


A mulher que ao longo da minha vida vigiou o meu sono durante menos tempo é aquela que recordo mais vezes.
Com dez anos, num início de turno nocturno, na fábrica de tomate da Spalil, caí de costas, desamparado, de uma altura de cerca de dois metros. Estava no cais a dar caixas de tomate aos homens que as despejavam na linha. Sem saber como nem porquê caí no chão como um passarinho sem asas. Como os turnos começavam à meia noite, e nessa altura não havia serviços de urgência, levaram-me em braços para um canto da fabrica, deitaram-me em cima de uma manta e puseram uma mulher a tomar conta de mim. Lembro-me que vomitei três ou quatro vezes durante a noite; que a mulher me tratou com carinho, e, como não preguei olho, tenho a memória física dela assim como de todas as conversas das pessoas que, nessa longa noite, passaram por lá para saberem como é que eu estava de saúde.
De manhã, o senhor Manuel Barriga, que ainda é vivo e vende saúde, foi comigo num carro da fábrica para Torres Novas onde consultámos um médico. Nunca soube se fiz traumatismo craniano. Lembro-me do médico ter feito algumas recomendações mas ainda hoje devem estar dentro do saco roto para onde ele as mandou. A crer na minha falta de juízo (embora nem sempre) de certo que fiz um traumatismo qualquer. Mas os tempos eram outros e quem aos dez anos não resistisse a uma queda, mesmo de costas e de dois metros de altura, não era homem nem era nada.
O “Pégancho”, que entretanto desapareceu da Chamusca, andava a tentar namorar a mulher que nessa noite me meteu a mão por baixo da cabeça para eu vomitar com mais conforto. Foi a minha visita mais regular. A “barroa”, como se chamava naquele tempo às mulheres do norte que vinham trabalhar para o Ribatejo, era uma mulher silenciosa, sofrida, ainda jovem mas com aspecto de quem já tinha nascido velha. O “Pégancho”, nessa altura já na casa dos trinta, se bem me lembro, só queria uma mulher que o ajudasse a endireitar o pé.
Lembrei-me dele e dela recentemente ao ler o Memorial do Convento de José Saramago. Se Saramago tivesse conhecido o Pégancho e a Maria, na altura em que eu os conheci, de certo que encontrava muito mais cedo a inspiração que o fez criar a Blimunda e Baltazar personagens centrais do livro Memorial do Convento.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

A energia da revolta


O mundo muda todos os dias. Está aí a mudança de mentalidades e a crise, a malfadada crise, que não me deixa mentir, embora me apeteça gozar com certa gente que não fala de outra coisa por desconhecer, no fundo, o que é viver em tempos de pobreza, sem recursos nem misericórdia, sem tecto entre ruínas.
Um amigo de quase oitenta anos, com casa aberta na avenida de Roma, em Lisboa, conta-me de cada vez que o visito a História de Portugal dos últimos cem anos. Desta vez tudo começou por causa da azeitona que fica nas oliveiras até cair para o chão porque as jornas estão caras e hoje já ninguém aceita apanhar de terço quanto mais de meias. Nem dada.
Para comer uma galinha de capoeira tem que vir uma senhora de Tomar aqui vender-ma, conta-me o meu amigo, a quem de seguida arranco o resto da história, que é exemplar, para percebermos os segredos dos antigos que, parecendo resignados, muitas vezes são um exemplo de vida que nos passa ao lado enquanto choramingamos por tudo e por nada.
A dona Maria vai uma vez por mês de Tomar a Lisboa visitar uma dúzia de clientes, a quem telefona antecipadamente para receber encomendas de galinhas, galos e patos, criados nas suas galinheiras que vende já amanhados e temperados.
Vai de comboio e leva a mercadoria dentro de uma mala de viagem que depois carrega por Lisboa em cima de um carrinho de duas rodas que se transporta no comboio como uma mala mais pequena.
Vive sozinha numa pequena freguesia de Tomar. O marido deixou-a há muitos anos para ir viver com uma rapariga mais nova. Foi assim que ela descobriu que tinha que fazer pela vida. Tem uma horta mas não arrisca levar as couves e as batatas para Lisboa. Com os galos e os patos ganha a vida. Trá-los já em condições de irem para o frigorífico. Custam muito mais que ir comprá-los ao supermercado. Mas é tão bom saber que estamos a comer carne do galinheiro, confessa, comovido e sempre com os olhos húmidos, o meu velho amigo da avenida de Roma.
A conversa não ficou por aqui. A certa altura disse-me que em setenta anos de trabalho sempre encontrou uma solução para os seus problemas. Desta vez acha que não vai conseguir. A mercadoria não sai da loja porque não há dinheiro fresco no mercado.
Qualquer dia em vez de comer os galos do galinheiro de Tomar começo a comer a mercadoria da loja, disse, sem se rir, chamando mil vezes gatunos aos políticos, corruptos aos advogados e criminosos a todos aqueles que têm governado o país nos últimos anos.
Aproveitei o desabafo para me safar de mais uma visita ao velho Senhor e, pensando na dona Maria de Tomar, disse para com os meus botões: de uma pessoa com quase oitenta anos, viúvo e sem filhos, que toda a vida viveu do negócio e para o negócio, o que seria dele se não fosse a energia que vai buscar a tanta revolta!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Os políticos pobres e os pobres da política


A grande maioria do povo português é anti-salazarista mas pensa como Salazar. Dou um exemplo: quando os jornais e as televisões resolvem com uma certa engenharia trazer a público o património da nossa classe política é uma algazarra que não há paciência que aguente. Tudo exprimido, a começar no ministro Miguel Relvas (PSD)  e a acabar no ex-deputado António Gameiro (PS), esta gente é a mais remediada da classe média. Os homens que eu gostava de ver no Governo e no Parlamento eram aqueles que já têm património que chega para dez gerações; quem eu gostava de ver no Governo era os homens que já ganharam fortuna (ou o que tinham a ganhar na sua vida profissional) e ficaram livres e disponíveis para servirem a causa pública. Com este povo e com esta opinião pública, que morre de inveja de quem estreia um fato novo, quem é o homem sério, que gosta de ver o seu nome respeitado, que arrisca servir o país ou a sua terra correndo o risco de ser enxovalhado por causa do valor que amealhou do seu trabalho de muitas décadas ou, eventualmente, das boas heranças que lhe calharam em sorte?
Desde o dia 25 de Abril de 1974 que o país é uma causa perdida ao nível do que é mais essencial a uma democracia; não há justiça cega; não há certeza de que vamos gozar o direito à reforma mesmo depois de tantos anos de contribuições; e quem se deitar a adivinhar que temos o nosso dinheiro seguro no banco pode estar bem enganado.
Foram os políticos pobres e os pobres da política que nos meteram nesta alhada. Foi sempre assim desde o 25 de Abril de 1974. Ninguém com fortuna pessoal foi para o Governo para dar de volta ao país, em serviço público, aquilo que o país lhe deu a ganhar. Todos, salvo raríssimas excepções, foram pobres para o Governo e saíram de lá ricos, quando não foi o caso de enriquecerem depois à custa dos lobbys. Há milhares de exemplos de políticos que entraram nos governos com uma mão à frente e outra atrás, e muitos ainda por lá andam, a desempenhar cargos relevantes ao mesmo tempo que têm escritórios abertos nas avenidas principais de Lisboa, com tabuletas à entrada da porta anunciando o negócio com o seu nome próprio, e apelido, exactamente como na República das Bananas.
Os homens ricos, os homens que tiveram sucesso na vida pessoal e profissional, que poderiam pôr ao serviço do país a sua experiência, dão lugar desde o 25 de Abril de 1974 aos políticos pobres, socialistas e comunistas, inaptos mas espertos, que de emblema partidário na lapela conseguem esta proeza inolvidável de transformarem o país numa casa de velharias do tempo dos nossos avós.
Com a crise vão aumentar os negócios manhosos que puseram o país de pantanas e acabaram com os recursos mínimos nas instituições públicas. Não há políticos do contra que não sejam os velhos comunistas, gente do mesmo circo, sempre os mesmos e com o mesmo discurso de sempre, todos cúmplices do publicitário que inventou aquela verdade sem espinhas de que “o Omo lava mais branco”.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O sexo na política


A vida dos homens públicos está cheia de sexo e erotismo. Dos políticos aos artistas, dos empresários aos dirigentes de topo, o sexo mistura-se com o dia a dia de trabalho como o fermento com a farinha de trigo nas mãos madrugadoras do padeiro.
Na maior parte dos casos (que sei eu meu Deus!!) os casos de assédio vão muito para além da fornicação e resultam ainda, na sua grande maioria, em escravidão sexual mais do que em casos amorosos.
Quando não está em causa a manutenção do emprego está a suposta importância pública da pessoa; o interesse material na relação; a comunhão da vida privada; o acesso a informação preciosa e, talvez na maioria dos casos, o conhecimento do que cheira bem por cima da pele mas também do que é abominável nas entranhas.
Desde que me lancei nesta profissão que, à boca pequena, ouço histórias de sexo sobre os homens e mulheres públicos que, com mais ou menos verdade, se mantêm ao longo dos anos.
Somos um povo que adora cornear um amigo com uma insinuação, fazer passar por puta a nossa melhor amiga só porque ela estreou uma saia curta e ficou aparentemente mais bonita; e não é preciso ir lavar as mãos ao Tejo para de um dia para o outro lançarmos sobre a mais cândida das pessoas a notícia de que foi vista algures com as cuecas na mão.
Há, no entanto, casos que fazem a diferença e onde as pessoas são mais ousadas. Conheço, de ouvir contar, inúmeros casos em que a troca de afectos deverá ser mais importante que a relação sexual. O Poder e o desgaste da visibilidade pública criam fraquezas em algumas pessoas que precisam de trocar confidências; chorar no ombro; sentir a adrenalina do engate; a comunhão dos afectos; a cumplicidade em tudo o que é mais importante; enfim, gente sábia e com um sentido prático da vida que gosta de praticar com arte a máxima de que a felicidade é o único meio decente de procurarmos sobreviver.
Descobri recentemente que uma das pessoas que mais admirei na vida pública é um predador sexual; é o que dizem as más línguas, e eu, pobre criatura, ainda não tenho informação suficiente para confirmar ou desmentir. Sensual como um rinoceronte; belo como um crocodilo; espadaúdo como um sapo, não faltam atributos a este meu velho amigo para deitar em cima da sua secretária, ou no sofá, as mulheres (ou os homens, que sei eu!!) mais bem casadas da Península Ibérica, assim como as mais belas solteiras do universo. Falta contar que quando nos conhecemos, e até sermos amigos do peito, foi a primeira pessoa que me deu a conhecer o cheiro a farinheira e a couve lombarda.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Chatos ao quadrado


Conheço imensas formas de viajar: uma delas é sentar-me à secretária a ler ou a escrever e fumar o meu cachimbo. Tenho meia dúzia deles comprados nas minhas viagens pelo mundo. E sempre que me apetece deixo-me ir pelo prazer da cachimbadela e pela recordação dos momentos que passei em cada cidade que conheci.
Depois de passar duas horas sentado numa cadeira a olhar para uma mesa, onde pontificava um conferencista chato e cinco outras figuras públicas que, em cinco minutos, despacharam palavras de circunstância, tomei boa nota da minha falta de paciência para continuar a contribuir para este peditório.
Uma conferência deve ser uma viagem em primeira classe e de preferência em boa companhia (mesmo que seja proibido fumar ou mascar pastilha). Ao contrário, e pelo que vou assistindo, a maior parte das iniciativas que pretendem discutir a nossa vida socioeconómica e cultural são dinamizadas por indivíduos que adoram ouvir o eco da sua voz; que têm o umbigo maior que a testa; que por serem autores de um livro, ou titulares de um cargo importante, repetem até à exaustão lugares comuns para auditórios rendidos à suposta importância institucional dos oradores.
Mal comparado, um sujeito que passa uma hora a discursar para depois abrir um debate, e só então dizer alguma coisa de interessante, faz lembrar aqueles jornalistas que depois de ouvirem uma excelente conferência, sem tirarem uma única nota para o papel, esperam pelo final da sessão para fazerem as mesmas perguntas de sempre, deixando escapar, por preguiça e falta de profissionalismo, o que de importante o orador ofereceu durante a sua palestra.
Somos cada vez menos nas conferências e nos debates porque são cada vez mais os chatos que se sentam nas mesas de honra e nas cadeiras do público à espera da vez para nos debitarem mais do mesmo. Regra geral é assim; fala o chato e depois a seguir abre-se o debate que não é debate mas a possibilidade dada aos convidados, que são quase sempre os mesmos, de eles próprios darem também a sua opinião sobre o tema.
Quando se dá o caso de alguém fazer perguntas incómodas aos chatos, arrisca-se a sair da sala enxovalhado. Se houver um moderador, e ele se lembrar de proibir intervenções que não sejam perguntas directas e sucintas aos elementos da mesa, corre o risco de ser considerado fascista ou comunista, conforme o ambiente e as cores das camisolas. Sim, não é normal numa conferência, ou num debate, ter mão firme com os assistentes de forma a não se tornarem, também eles, uns chatos ao quadrado.
É muito chato o texto desta crónica. Percebi isso assim que comecei a escrever sobre o tema. Há alturas em que a palavra não rende. Parece o euro face ao valor do ouro.
Enfim, não é por isso que vamos fechar a loja. A semente está na terra. É preciso deixar que o tempo faça a sua parte.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Um espírito vencedor *


Há poucos dias sentei-me a um sábado de manhã à mesa de um café com um pequeno empresário a falar da realidade laboral do país de há uma dúzia de anos atrás. Dizia ele que a esquerda política eram os milhares de operários a calcorrearem as estradas dentro de carrinhas dormindo pelo caminho entre o ponto de partida e o ponto de chegada, muitas vezes do norte para o sul e vice-versa. Todos a dormirem pelo caminho até ao trabalho menos o condutor que, regra geral, era quase sempre o patrão.
O mundo mudou. Sentimo-nos felizes por sermos testemunhas privilegiadas. Sabemos que em cada reunião de amigos, o tema principal é a crise. Não sei se vos desiludimos mas gostava de transmitir que não sentimos angústia pelo trabalho acrescido que a crise está a provocar. Estávamos mais preocupados se as condições do país se mantivessem da forma que permitiu que os berardos da vida, por serem amigos dos políticos e dos banqueiros, se mantivessem na mó de cima.
Os pequenos e médios empresários são o grande motor da nossa economia, os grandes obreiros de qualquer sociedade. São eles, acima de tudo, que aqui representamos. É com eles que fazemos o nosso percurso. É com orgulho que partilhamos esta responsabilidade de premiar pessoas e empresas que geram riqueza e emprego, pessoas que são importantes, cada um à sua maneira, no crescimento económico da sua terra, da sua região e do seu país.
Nesta altura os problemas na imprensa são tão discutidos como a generalidade dos problemas do país. Há muita turbulência por causa das televisões e da fraca economia que não chega para sustentar os grandes jornais. O MIRANTE está entre os dez maiores jornais do país com mais tiragem e maior sustentabilidade. Temos uma vantagem em relação aos outros. Estamos muito mais próximos dos nossos leitores e dos nossos anunciantes.
Como todos sabem em cada jornal importante há várias agendas. Em O MIRANTE só há uma agenda. É a agenda da redacção. E é com essa que todos trabalhamos. Editamos um jornal para o nosso público e não um jornal para os leitores de uma determinada classe política ou empresarial. A primeira coisa que aprendemos neste ofício é que se o produto não for bom para consumo dos leitores acaba endividado e descredibilizado e nunca passará da cepa torta.
Com as várias edições, com a nossa tiragem, com o aumento da equipa de profissionais, com as parcerias que temos vindo a fazer, temos provado que mais do que um caso de estudo somos um projecto jovem e com futuro.
O Galardão Empresa do Ano é, em parceria com a NERSANT, a nossa iniciativa mais feliz porque nos aproxima da comunidade em que vivemos e trabalhamos. Enquanto jornalistas a nossa obrigação é passar despercebidos antes da publicação de qualquer trabalho. Hoje aqui estamos naquela posição em que nos mostramos como o mensageiro credível para que, no futuro, todos possam acreditar ainda mais na nossa mensagem.

*Excerto do texto lido na cerimónia da entrega do Galardão Empresa do Ano que é notícia nesta edição.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

As portas que Abril abriu


“Se vem escrito no “almirante” é porque é verdade”. A frase é do antigo padre da minha terra e respondia, no final da missa dominical, à preocupação de uma paroquiana a propósito de uma notícia publicada em O MIRANTE que a senhora tratou pelo nome dado ao mais alto cargo da hierarquia da marinha.
Este episódio tem tantos anos quanto a primeira grande campanha de assinaturas por toda a região que começou a fazer deste jornal um projecto de referência. Enquanto os governos financiavam a cem por cento o envio pelo correio dos jornais de paróquia e associações de classe, entre outros de propriedade duvidosa, resolvemos dar valor ao dinheiro e, já que havia financiamento, que se fizesse bom uso dele. E assim, de campanha em campanha, vendemos e divulgamos este projecto editorial que se tornou um caso único no país pela área de abrangência e pela qualidade e diversidade da sua informação de proximidade.
Os que mordiam as nossas canelas e passavam o tempo a ladrar e a fazer queixinhas ao Arons de Carvalho ( secretário de estado da tutela durante muitos anos), e continuaram a trabalhar sempre dentro dos mesmos fatos de cerimónia, apertados nas cavas, esses , estão hoje mortos e enterrados. E os que não estão mortos andam por aí moribundos, de joelhos, tentando incentivar investidores para os seus projectos empresariais distribuindo as edições por cafés e supermercados de forma a manterem uma tiragem que não os envergonhe de vez. Enfim; antes de morrerem estrebucham que é a sorte de todos os moribundos.
Vivemos um tempo em que as grandes empresas começam a pagar para lermos as suas publicações. Acabo de pagar 15 euros pela assinatura de uma publicação de distribuição nacional cuja assinatura custa realmente 150 euros. É uma campanha de assinaturas dizem eles para me fidelizarem como leitor e mais tarde cobrarem o investimento. Nas bombas de gasolina oferecem-me um diário, no supermercado um semanário, nos hotéis as new magazines de prestigio. Com a crise dos mercados e a falta do investimento publicitário está tudo a fazer pela vidinha de forma a conquistarem leitores para disputarem junto das agências o reduzido bolo de publicidade. Nesta como noutras situações tivemos razão antes do tempo. O preço que pagamos está agora a ser-nos descontado.
O que mais me espanta neste mundo da comunicação não é a falta de visão dos empresários e dos jornalistas do mercado regional. Não é numa década, nem em duas ou três, que se acaba com o caciquismo e o analfabetismo de muitas classes profissionais. O que me incomoda é o Partido Socialista, um dos partidos mais importantes da nossa democracia, continuar a ter em Arons de Carvalho o rosto para a comunicação social do país. Lá vai ele para a ERC como se o PS não tivesse mais ninguém à altura de desempenhar um lugar bem renumerado. Esta gente não se enxerga. E já não se lembra das críticas que faziam aos velhos do Restelo do antigo regime de Salazar. Hão-de ser cadáveres e ainda hão-de ter fome das pétalas dos cravos de Abril.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Mudar a lei da caça


Recentemente enterrei um cão, matei as saudades de montar a cavalo, viajei para Salzburgo e Viena, e fixei uma frase de Steve Jobs que mal conheci e cuja genialidade de pouco me serviu uma vez que sou um fraca roupa a servir-me das novas tecnologias. Jobs dizia que a sua empresa só tinha alcançado o êxito por “uma feliz reunião de músicos, poetas e historiadores que, por acaso, também eram excelentes cientistas de computadores”. Seria uma boa homenagem ao homem da Apple se deixasse o resto da coluna em branco e fizesse render a força das suas palavras e o que elas nos ensinam nesta arte de aprender a gerir equipas.
Embora não me sinta o mais azarado dos homens tenho muito que penar no inferno quando um dia me pedirem contas dos momentos de fraqueza em que acreditei ser capaz de passar a mensagem de que “os anos ensinam muitas coisas que os dias desconhecem”.
Bendita crise. Tenho consciência da miséria em que vivem algumas pessoas que não sabem adaptar-se aos tempos difíceis que vivemos. Mas acho-me um sortudo por poder levantar-me todos os dias com saúde e genica para mais um dia de trabalho que sei que vai ser bem preenchido.
O meu problema é de consciência. Agora que preciso de comer menos; tenho menos fôlego; contento-me com a metade mais pequena; já não sinto que os parentes me caiam na lama; agora, que devia abrandar, tenho que manter o ritmo para dar o exemplo.
No sábado fui assistir à antestreia de um documentário sobre Alves Redol assinado por Francisco Manso. Saí do auditório do museu do neo-realismo com uma folha cheia de apontamentos e com o coração aos pulos. Uma das personagens mais emocionantes da Obra de Redol ainda é viva. E nunca foi entrevistado para O MIRANTE. Como é possível?
Às quatro da tarde de um dia desta semana atravessei a cidade de Vila Franca de Xira do parque de estacionamento a norte da cidade até ao largo da câmara. Passei por cerca de meia dúzia de esplanadas e contei pelo menos uma centena de pessoas matando o tempo de volta de um cigarro ou de uma bica. E não estou a contar os pichas-murchas que se sentam nos muros. É muita gente a gozar de borla este sol de Outono que Deus nos deu. Confesso a inveja. Mas falo de barriga cheia. Eu gosto dos dias sem nada para fazer mas quando eu quero e não quando me são impostos.
As queixas de Rui Barreiro contra O MIRANTE e os seus jornalistas são um tratado que davam um doutoramento na arte da asneira. Chamar-lhe tropeço é pouco para definir a personagem que desonra o PS de Mário Soares e Salgado Zenha. Foi esta gente da política, irresponsável, inculta e conflituosa, que levou o país para o estado a que chegamos. Agora vamos pagar do bolso os desvarios da classe política a que Rui Barreiro pertence. O ex-governante vai ficar na história por ter autorizado a caça aos melros. Haja alguém com imaginação e coragem para voltar a mudar a lei e incluir a caça aos corvos da política à portuguesa.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O exercício do Poder


Ao longo da minha vida assisti às mais variadas formas de exercício do Poder. Poder no verdadeiro sentido da palavra que é o exercício da autoridade. A experiência foi essencialmente no mundo do trabalho. Por boas razões estendeu-se depois à área política e associativa mas onde sempre estive também em função do trabalho.
Nos últimos anos tenho apurado mais o meu espírito critico. Cheguei à conclusão que não nasci para exercer o Poder e já tomei a decisão de, assim que puder, abrir mão de algum poder que ainda tenho em função da minha vida pessoal e profissional.
Não abdicarei do poder de viver e julgar e ser julgado. Desse ninguém se livra a não ser que se torne vegetal. Por isso resolvi escrever sobre o tema.
Sem querer dar testemunho pessoal das minhas últimas experiências junto do Poder, sobre aquilo a que assisti e tomei o pulso (jamais falarei aqui dos segredos da minha caserna), tenho o direito e o dever, enquanto escrever nos jornais, de dar conta do sabor da carne apodrecida (que tanto fez as delícias de certos povos germânicos da antiguidade) embora me sinta igualmente livre para a vomitar pois o que me interessa fundamentalmente é a experiência.
Diz a história que aqueles que não têm tempo para ouvir o seu povo não têm tempo para governar. Mas nem sempre é assim a vida dos que chegam ao Poder. Antes de se demitirem das suas responsabilidades, antes de lhes faltar o tempo para ouvirem o povo, prometem deixar de comer e de dormir só para levarem a água ao seu moinho. Depois da conquista é o trabalho de controlar o Poder. Como o Império é sempre à medida do Imperador tudo o que eles querem e desejam são favas contadas.
O talento dos poderosos não é tanto o de governarem como saberem rodear-se de pessoal de confiança. Quanto mais o poder aumenta, e o tempo falta para outras coisas, mais o poder tende a concentrar-se nas mãos dos funcionários chefes, que por sua vez já dependem dos conselheiros e delegados do soberano.  Eles, os soberanos, gritam todos os dias que são Césares. Enquanto isso o reino vai apodrecendo e todos os dias aumenta a fila de bárbaros ligados pelo pescoço às ordens dos funcionários chefes ou dos leais conselheiros. Era assim no tempo da Roma antiga, é assim no tempo da troika e do euro e do Durão Barroso.
Dantes em cada século reinava um insensato. Agora cada dia que passa é um tempo de rotina para se elegerem insensatos poderosos.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Somos todos cavaquistas


Nasci e vivo numa das regiões agrícolas mais ricas do país e provavelmente da Europa. Todos os dias passo pelo meio de pomares de laranjeiras carregados de laranjas que ninguém compra nem ao preço que pague o investimento nos adubos.
Todos os dias ao almoço vou ao restaurante e pago dois euros por um copo de sumo natural feito com laranjas que parecem que vieram da lixeira: amarelas; engelhadas; raquiticas, azedas e com um travo a podre que até arrepia. Que país é este de gente acomodada que se deixa vencer pelas organizações das grandes superfícies comerciais que vão comprar as laranjas aos países da América Latina e desprezam a produção portuguesa que já foi das mais cobiçadas da Europa noutros tempos?
Há uma multidão de políticos profissionais a conspirarem de quatro em quatro anos para ocuparem uma cadeira na Assembleia da República ou um dos milhares de lugares dourados que o Poder proporciona logo a seguir às vitórias eleitorais.
E se a política deixasse de ser esse desejo pornográfico de todos os políticos saltarem para cima da mesma vítima e começasse a ser o exercício da cidadania ao serviço das várias associações de interesses que incluem a defesa da nossa economia até à luta contra a defesa dos direitos dos animais?
O discurso do Presidente da República está quase sempre ao nível mais baixo da política à portuguesa; meias palavras, ameaças veladas; avisos à navegação, recados que quase sempre nos levam a dizer: “fala saco roto!”.
Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro, deixou escapar a grande oportunidade da reforma da administração pública em Portugal. Se ele tivesse cumprido um dos maiores desígnios da sua governação de dez anos outro galo cantaria nos dias de hoje.
Toda a minha cultura democrática é de esquerda. Agora que estou na idade de fazer o percurso de todos os bons cidadãos sinto-me em contramão sem medo de enfrentar os perigos de uma manobra perigosa.
Enquanto o Presidente da República e os governos do meu país se deixarem gozar pelo ditadorzeco da Madeira vou torcer todos os dias para que a extrema esquerda renasça em Portugal e, à parte as bombas e as armas, faça alguma coisa de sério pelo país na defesa dos que não se sustentam na gamela do Poder.
Quem olha para a pobreza franciscana dos nossos políticos, patrões e sindicalistas, alguma vez vai dizer que somos descendentes dos homens das caravelas?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

“E depois do Adeus”


Numa daquelas conversas que fazem pé a um copo de vinho, e depois a outro, e a outro, guardo uma das melhores recordações de José Niza. Estava num país distante em férias convivendo quase todos os dias com um grupo de escritores de várias nacionalidades. Um dia a conversa foi sobre o 25 de Abril, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Joaquim Pessoa, Otelo Saraiva de Carvalho e Salgueiro Maia. A certa altura alguém falou de Paulo de Carvalho e da canção “E depois do Adeus” como uma das mais bonitas da música portuguesa. E elogiou a letra da música e disse que era um poema digno dos maiores e melhores trovadores portugueses. É da autoria do José Niza, meu amigo e conterrâneo, disse eu todo vaidade e orgulho. As reacções foram luminosas. Toda a gente pensava que a letra era de uma canção popular das muitas que engrandecem as tradições portuguesas e faz jus ao ditado de que somos um país de poetas.
Não conheço melhor forma de homenagear a memória de José Niza que confundir a sua Obra com o que há de melhor na cultura portuguesa. José Niza ainda tinha muitos anos de vida pela frente, e foi autor durante muito mais tempo, e alguma da sua Obra já fazia parte do património português desligada do seu nome tal era a sua popularidade e universalidade.
Numa das melhores fotos de arquivo de O MIRANTE (que não foi usada nesta edição) José Niza mostra ao repórter do jornal a sua horta biológica no quintal da sua casa em Perofilho (Santarém). Fui lá algumas vezes roubar-lhe conversa e pôr a escrita em dia. José Niza era um homem sem qualquer sombra de vaidade do percurso feito na política e na cultura portuguesa que lhe fica a dever do melhor que engrandece a nossa música e a nossa poesia. Curiosamente, nos últimos três anos, desde que publicamos “Poemas da Guerra”(Angola 1969-1971), recebemos algumas cartas na redacção a dizerem mal dele tentando provocar polémica. Cartas que procuravam atingir o homem público e o político que nunca vendeu a alma ao diabo e só ganhou para sobreviver no exercício da política. Há pessoas que não perdoam a outras pessoas o serem discretas e humildes, tão simples e valorosas.

Rir
é uma palavra capicua
que dá sorte


rir de tudo
até da morte


in Poemas da Guerra 
edição O MIRANTE 2008

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Escrito na testa


Escrever faz bem à saúde. Comer, beber, dormir e amar deviam ser os quatro pilares da felicidade humana e exercício obrigatório a partir de tenra idade. Escrever porquê? Porque obriga a pensar, apurar o gosto, a saber dar valor às palavras, olhar o mundo com os nossos próprios olhos, enfim, escrever porque escrever foi o ofício de Sócrates, Ovídeo, Platão, Rilke, Virgílio, Homero e tantos outros autores anónimos que foram geniais e escreveram em tempos antigos como muitos esculpiram e pintaram sem gravarem o seu nome para conhecimento e fama.
A palavra escrita é o maior inimigo dos corruptos, dos hipócritas, dos intelectuais sabujos, dos vendilhões do tempo e, acima de tudo, a palavra escrita é a verdadeira arma apontada aos espertos.
Confesso que muitas vezes escrevo por obrigação. Chega a ser doloroso. Escrevo também com preguiça e com o sentimento de que “palavras leva-as o vento”. Também escrevo com prazer. Às vezes salvo o meu dia quando ajudo a escrever uma boa estória, preparo uma entrevista ou simplesmente ajudo a pôr de pé um texto que parecia uma cepa torta.
No dia em que exercitei a escrita deste texto, para chegar até aqui, levantei-me às sete da manhã e deitei-me às duas do outro dia. Comecei o dia no campo e acabei a noite na cidade. De manhã mergulhei no Tejo. À tarde mergulhei no mar. De manhã fui à drogaria, ao estaleiro, ao café do centro da vila e ao supermercado e ainda tive tempo para apanhar e comer figos maduros da figueira do do meu quintal.
A meio da tarde comi uma salada ao lado das tias e dos tios de Cascais. Nadei no mar e mergulhei do cimo de um pontão com rapazes e raparigas que pareciam deuses. À noite andei a vagabundear numa cidade cheia de turistas e acabei a noite numa esplanada a apanhar banhos de vento.
Escrever também é omitir. O mais importante que me aconteceu neste dia ninguém vai saber por mim embora esteja escrito na minha testa.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O “figurão” de Torres Novas


Num domingo muito recente S. Paulo recomendava aos cristãos pela voz do padre na missa: “Não devais nada a ninguém a não ser o amor de uns para com os outros”.
Fixo-me nestas palavras quando soube em números o valor das dívidas colossais de algumas instituições públicas e o que isso desespera, castiga, aniquila pela raiz milhares de pessoas, deixando certamente muitas delas à beira do desespero.
Não percebo como é que António Rodrigues, o autarca de Torres Novas, consegue ser um dos maiores caloteiros da região. É visível que o concelho deu um salto durante os seus mandatos. Percebe-se que os investidores que chegaram ao concelho nos últimos anos tiveram bons interlocutores nas autarquias e na comunidade para se fixarem em Torres Novas.
Mas o aparente sucesso do autarca António Rodrigues não justifica tudo e esconde, certamente, muitos segredos que talvez um dia ele consiga explicar. Não se percebe, por exemplo, como é que ele deve tanto dinheiro a pequenos fornecedores da autarquia que correm o risco de falência. Com o seu bigode de arame, a sua linguagem bestial, o seu jeitinho para a asneira, a verdade é que António Rodrigues tem conseguido alguns dos seus objectivos em termos políticos. E em Torres Novas, onde quase todos os políticos se dizem tão valentes como a espada de D. Sancho I, só António Rodrigues sabe o verdadeiro segredo da lâmina da arma do antigo Rei.
A última conquista política de Rodrigues foi a presidência da Associação de Municípios do Médio Tejo que é assim uma coisa parecida com um governo regional mas apenas com poderes para aproveitar a água da chuva.
António Rodrigues é o político das três pancadas. Cada vez que fala sai asneira; a única pessoa que o entende é o Xanana Gusmão; e tem tanto de descarado a dar para o malcriado como de medroso e traiçoeiro.
Se há coisas que eu gostava de saber por antecipação, como as bruxas, é quem vai pagar as dívidas colossais que António Rodrigues vai deixar quando largar o Poder na Câmara de Torres Novas, são e salvo, se os deuses estiverem do seu lado e for passear a sua ignorância e a sua arrogância, pessoal e política, para outras paragens, principalmente por ser muito amigo de Edite Estrela (alguns leitores não perceberão esta graça; no entanto, ela é o espelho do figurão que governa a Câmara de Torres Novas e não paga a quem deve).
Um dia, como é normal na política, António Rodrigues vai ser homenageado pelos serviços prestados ao concelho de Torres Novas e, quem sabe, alguns dos seus apaniguados vão propor uma estátua do autarca ao lado da de D. Sancho I. Na missa desse domingo, sim, a homenagem deverá ser a um domingo, o padre da terra há-de clamar que António Rodrigues foi o melhor exemplo da dedicação à causa pública. E citará S. Paulo que é um Santo que serve para todas as ocasiões.“A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros”. E o diabo há-de rir-se dos políticos, dos padres, e do rebanho tresmalhado.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Um porco e um homem


Por mais estranho que possa parecer a alguns dos meus leitores sou do tempo em que os porcos eram criados a beldroegas a mesma planta que era servida na sopa de muita boa família. Sou ainda do tempo em que se usava água das malvas para todos os males do corpo e do espírito à falta de dinheiro para a farmácia. Lembro-me de andar de joelhos no meio do olival à procura de uma erva doce que matava a fome mas já não me lembro do nome. Lembro-me ainda de roubar do balde as bolotas mais maduras e mais doces que também alimentavam porcos; e comi, mas já não me lembro do gosto, aqueles figos das piteiras que segundo me lembro também eram manjar de porcos criados em casa.
Em tempos comida de porcos não era assim uma coisa tão diferente da comida de pessoas. E em algumas pocilgas talvez se comesse melhor que à mesa de algumas casas de família.
Apesar da crise, das muitas crises que abalam o mundo de hoje, há mil razões para nos considerarmos uns felizardos; uns reais felizardos que se dão ao luxo de recusar comer carne de porco por causa das supostas hormonas que são atribuídas ás farinhas com que os produtores engordam os porcos que deixaram de ser crias de quintal.
Quanto à água das malvas e aos seus poderes curativos é certo e sabido que nem os que sofrem de hemorroidal conhecem os milagres da planta, e muito menos sabem que o dichote mais engraçado dos meus tempos de menino foi o de ouvir alguém perguntar-me se eu não queria “o cuzinho lavado com água das malvas” como a querer dizer-me que eu estava a pedir mais do que a conta.
Dantes toda a gente se esfalfava para ter casa própria e para montar um negócio. Lembro-me de trocar as ladainhas que me ensinavam para afastar os pesadelos por pensamentos positivos que giravam sempre à volta do mesmo: o sonho de construir casa própria e montar um negócio que me salvasse da escravidão do trabalho de dar serventia.
Ao conversar e partilhar com um filho de 20 anos percebo que os grandes objectivos da minha vida já não são mais os objectivos dos jovens de hoje. Comprar casa própria para pagar impostos e ficar endividado para o resto da vida? Montar um negócio para pagar impostos e dar trabalho aos outros que nem para eles sabem trabalhar? Quanto vale hoje ter uma vida liberta desses encargos e viver num mundo onde já não há fronteiras?
Deixei de ter respostas para tantas perguntas e ainda estou a sarar as feridas de mais uma queda em cima das novas realidades.
Nota. Não domino tão bem a escrita como domino o pensamento e algumas convicções que me ajudaram a formar a personalidade. Não sei por isso se esta crónica espelha o que me vai na alma. Se tivesse que resumir tudo em poucas palavras escreveria apenas que se não se desse o caso de ter criado três filhos nunca saberia o que sei hoje. E, no entanto, sou o mais desligado dos pais. E concluiria que, apesar da vida luxuriosa e ociosa que leva a grande maioria dos homens, é bom que não se esqueçam que, pelo menos no que respeita à alimentação, é muito pouco a diferença entre um homem e um porco.
Nota 2. Dedico esta crónica a um ex-amigo que esta semana me chamou cabrão numa mensagem de telemóvel e que depois foi obrigado a assumir que era engano embora se tenha esquecido de pedir desculpa.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Maria Lucília Moita


“A vida é maravilhosa mas o mais maravilhoso é pensar que ela tem um fim”. Cito Thomas Berhnard um grande autor austríaco que escreveu uma das obras mais originais da literatura europeia. A frase esconde o medo da morte que, segundo um estudioso da vida e obra do escritor, era uma das suas maiores obsessões.
Relembro-a na data da morte de Maria Lucília Moita, a pintora e poeta ribatejana por quem sentia respeito e admiração.
A grande maioria dos artistas são demasiado sensíveis às solicitações do pequeno grande mundo onde vivem. Mais tarde ou mais cedo acabam por romper com a vida familiar e constroem um mundo à parte que os salve a tempo de construírem uma obra para a posteridade.
Maria Lucília Moita escreveu e pintou durante toda a sua vida olhando o mundo da janela da sua casa sem deixar, por isso, de construir uma obra sintonizada com o seu tempo contentando-se em ser conhecida pelos da sua geração e, quem sabe, lembrada pelos que vêm a seguir, longe das grandes ilusões que fulminaram a vida de muitos artistas que foram escravos da eternidade e do desejo de construírem uma Obra que durasse no tempo.
Li muito recentemente alguns poemas de Maria Lucília Moita, escritos há muitas décadas, que achei admiráveis e tão contemporâneos como os de alguns poetas gregos da antiguidade.
O meu desejo, como admirador da obra e da pessoa de Maria Lucília Moita, é que todo o seu trabalho seja Obra deixada para depois quando o artista já cá não está (citação livre de José Saramago do livro.
O Ano da Morte de Ricardo Reis).
Nos dias que correm é normal um gerente de um banco telefonar para a nossa casa a propor a compra de uma peça de prata, um relógio de ouro ou até um anel de brilhantes. Os clientes, na sua grande maioria, confiam mas, de verdade, falo com conhecimento de causa, estão a comprar a preços pouco competitivos. Nalguns casos compram gato por lebre.
Alguns bancos, instituições que nós sempre julgamos acima de qualquer suspeita, conseguem pôr um profissional do dinheiro a negociar objectos que nada têm a ver com a sua formação profissional aproveitando-se do contacto privilegiado com algumas pessoas endinheiradas, que acabam por fazer negócio mais por atenção ao gerente do que propriamente pela necessidade da compra ou oportunidade de investimento. A agressividade comercial dos bancos em áreas de actividade que não lhes pertencem, nem para as quais têm colaboradores habilitados, é uma ofensa aos seus funcionários e uma impostura comercial.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

As mais diversas touradas


O jornal ideal não existe. Muito menos o jornal só com notícias bem escritas e felizes. Há, no entanto, limites que são muitas vezes ultrapassados pela falta de preparação dos jornalistas ou pelo simples desejo de darem voz à desgraça fazendo eco de interesses que não interessam a ninguém.
Nas localidades ribatejanas onde se realizam anualmente largadas de toiros é recorrente aparecerem notícias sobre o número de mortos e feridos durante as largadas. A ideia que fica é que quem passa essas informações acha que o prestígio da festa local aumenta quanto maior for o número de pessoas vítimas das cornadas dos toiros. E se esse número poder ser adulterado com a cumplicidade dos festeiros, e os jornais e as televisões aceitarem como verdadeiros, o que é normalmente o caso, temos o crime perfeito em nome da grandiosidade da festa e da suposta valorização do espectáculo que é ter todos os anos cada vez mais gente no meio da rua a ser literalmente massacrada nos cornos de um toiro.
Todos sabemos que, regra geral, as vítimas são indivíduos alcoolizados e pertencentes às camadas mais pobres da população. Uma boa parte dos infortunados são ainda pessoas apanhadas à traição em circunstâncias muitas vezes caricatas que julgavam só acontecerem aos outros e das quais têm conhecimento através da televisão ou dos jornais. Só uma pequeníssima minoria dos feridos ou mortos resulta do frente a frente com o toiro a ver quem leva a melhor.
Divulgar os números de feridos durante as largadas deveria ser um acto de responsabilidade e um assumir de culpas pela contribuição para a desgraça alheia dos mais infelizes e não um acto de prosápia dos organizadores das largadas e entradas de toiros.
Ratón é o nome de um toiro que nas largadas em Espanha já matou três pessoas. O dono do animal cobra nove mil euros pela sua contratação quando os valores normais se ficam nos mil euros. A última vítima foi um indivíduo de 30 anos, que os jornais garantem que estava em estado de embriaguez, oferecendo-se à morte de joelhos como os toiros normalmente se oferecem à ponta afiada da espada ao investirem para o capote.
É preciso reconhecer urgentemente que a festa dos toiros já conheceu melhores dias.
E que as organizações das largadas e das entradas de toiros, tal como recentemente reconheceu o presidente da Câmara de Benavente, não podem por em causa a vida de pessoas que querem divertir-se e depois são atraiçoadas. As autoridades devem ainda garantir a proibição de participação nestes espectáculos de pessoas embriagadas.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Dias de Deus


A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira não tem dívidas a fornecedores. A de Torres Novas e a de Santarém, só para falarmos das mais caloteiras, devem milhões a pequenos empresários que precisam de receber como de pão para a boca. Sei de muita gente que se humilha todos os dias perante estes políticos da treta a pedir de joelhos que lhes paguem o que devem. E eles assobiam para o lado como se vivêssemos numa república das bananas. Não é democrático. É uma vergonha. Mais do que vergonha é patifaria. A política é um exercício muito mais nobre que andar a gerir tesourarias com o credo na mão e a gastarem o que depois não podem pagar.Tiro o meu chapéu à presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha, que dá o exemplo gerindo o concelho mais populoso da região ribatejana. É um exemplo para o país dos políticos manhosos e caloteiros.

Este fim-de-semana fui ao Alentejo profundo e diverti-me a falar alentejano com os meus compadres. Sinto-me em casa no Alentejo. Não tenho o sotaque tão cantado como os alentejanos mas sou apanhado muitas vezes usando um tipo de pronúncia ribatejana que nem sempre me agrada. Passei por Vila Fernando para prestar homenagem a Joaquim Leal Dias de Deus que foi a primeira pessoa que me ensinou o sentido da verdadeira tolerância e o respeito pela opinião dos outros. No trabalho nunca conheci ninguém como ele. Era a bondade em pessoa. Devo-lhe a descoberta de um mundo novo no convívio com homens que sempre foram leais ao antigo regime mas eram verdadeiros humanistas. Apesar das ideologias os valores humanos estavam sempre à frente da política. Entrei na pequena igreja da vila na altura do sermão e fiquei a ouvir o padre que pregava para uma dúzia de senhoras de idade avançada e um homem com idade de ser meu bisavô. Discurso reaccionário como não ouvia há muitos anos. Primeiro foi a lembrança do demónio das mulheres que “vestem as calças lá em casa”; depois foi um chorrilho de frases a pretexto de uma cena bíblica fazendo sempre a apologia da humilhação e da subjugação da mulher. Quando saí encontrei duas freiras que andavam a bater às portas aparentemente a visitar doentes. Outra realidade da igreja que depressa me fez esquecer os padrecas reaccionários que fazem da sua paróquia o teatro do mundo como se a igreja fosse de cada um deles.

O presidente de uma instituição com quem trabalho ligou-me para me dar uma explicação. Como estava de pé atrás, porque sabia que me tinham tramado, tentei ser directo e prático. Do outro lado do telefone ninguém parava aquela voz. Ainda disse nas minhas calmas; “já percebi, o senhor gosta muito mais de falar do que ouvir”, mas o meu interlocutor teve que debitar tudo aquilo que para mim já era um castigo. Podia não ter atendido o telefone. Podia. Mas eu sou da velha guarda. Não fujo a uma boa briga. Por isso ando sempre a levar nas lonas e a aprender novos caminhos. Não sou conflituoso, nunca fui de brigas, mas sei gerar conflitos para saber sempre com o que conto.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

As negociatas de Rui Barreiro

O meu amigo Francisco Moita Flores estampou-se numa entrevista ao jornal i. Disse aquilo que ninguém deve dizer quando está na política ou está político como também soe dizer-se, ou seja, que morria de fome se ganhasse só o ordenado de presidente da câmara que são cerca de três mil euros. Quando se candidatou já sabia que era assim. Ninguém lhe apontou uma pistola para ser candidato. Ser presidente da Câmara de Santarém com a confiança de uma população que lhe deu maioria vale, pelo menos, só em prestígio mais três mil euros (ou, quem sabe, trinta mil) . Bem visto ele ganha o dobro ou o triplo do que afirma. Noventa e nove por cento das pessoas que votaram nele ganham 4 vezes menos e sobrevivem. Para um discípulo de S. Francisco de Assis esta falha é imperdoável. Mas ele saberá redimir-se. Assim o esperam todos aqueles que confiaram nele e acreditaram no serviço público que prometeu realizar em Santarém.
Serviço público, na minha opinião, é denunciar na praça pública o arrendamento ao CNEMA de instalações por verbas astronómicas. Rui Barreiro quando está político não faz serviço público; serve-se do que é público que é uma coisa bem diferente dos velhos hábitos e costumes herdados da polis.

A fonte de rendimento que Rui Barreiro proporcionou ao CNEMA (que foi notícia de O MIRANTE na passada semana na edição Lezíria) é um bom exemplo da má utilização dos dinheiros públicos e dos servicinhos que os governantes se habituaram a fazer com a impunidade conhecida. Explico melhor: o Estado é proprietário da Estação Zootécnica de Santarém que é uma autêntica cidade dentro desta velha urbe escalabitana cheia de história. Na Estação Zootécnica de Santarém decorrem nesta altura obras para a instalação dos serviços da Direcção Regional de Agricultura. Não é preciso ter um diploma para perceber que nestas obras de adaptação das instalações, ou noutras, cabiam muito bem os serviços de Veterinária e das Florestas que agora vão para o CNEMA pagar uma renda milionária e assim servirem de fonte de rendimento ao senhor João Machado para que continue a gerir o CNEMA à sua boa maneira. É desta forma, e com estes expedientes malandros, que se faz em muitos casos a gestão dos dinheiros públicos. E é com estes governantes e estes dirigentes associativos que chegamos à situação que todos conhecemos e sentimos na pele.
Quem conhece a Estação Zootécnica de Santarém, e o tamanho daquele espaço, e o número de edifícios e de instalações que estão construídas lá dentro; quem conhece esta realidade, como eu conheço e como conhecem quase todos os escalabitanos e muitos ribatejanos, não pode deixar de se indignar depois de saber desta negociata. Foi mais ou menos assim que algumas pessoas honradas da cidade me falaram e pediram que fizesse eco da sua indignação em nome de uma cidade e de uma região.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mais olhos que barriga

Na passada semana fui almoçar a um dos melhores restaurantes do país. Almoço secreto para coscuvilhar com uma das pessoas mais influentes e mais bem informadas das minhas relações de trabalho. Foi uma barrigada de comida e de conversa. Vou partilhar a parte cómica. Um dia, também bem acompanhado, fiquei à porta do restaurante por não levar gravata e a pessoa que me acompanhava calçar umas sapatilhas.
Depois de duas negas em resposta aos meus argumentos deixei de insistir. Mandei chamar o chefe e disse-lhe, à porta da sala principal do restaurante, que ia sair dali e comer uns pastéis de bacalhau na tasca da esquina que era um lugar que também conhecia muito bem e que tinha a certeza que era muito mais limpo do que aquele.
Sorri amarelo e trouxe na retina a imagem de uns árabes, sentados numa das mesas do restaurante, em família e com as camisas desfraldadas e com crianças à volta, descalças e a brincarem como se estivessem no recreio de uma escola.
Disse que nunca mais lá voltava.
Daí a duas semanas estava em Madrid a vestir um casaco, e uma gravata alheia, para poder almoçar com um amigo espanhol no restaurante e na mesa do rei, ali bem no centro da capital espanhola. Fiquei fulo mas lembro-me que aceitei as condições como uma ovelha republicana. Daí até aceitar regressar ao restaurante de Lisboa foi um passo.
Desta última vez vinguei-me e comi que nem um alarve. Não sorri para os empregados, paguei com cartão de crédito sem me levantar da mesa e recusei os salamaleques do chefe que tentou ser simpático, ignorando-o como se ignoram as melgas para lá do mosqueteiro.
Só tive um pequeno problema. Como não é hábito comer tanto acepipe, tanta coisa boa e bem cozinhada, tanto miminho a bordejar o prato, no final do almoço, ainda sentado num sofá a atender uma chamada de telemóvel, deu-me uma dor de barriga que acho que enchi um estômago com tripa directa aos intestinos.
Quem me conhece, ou quem me vê por aí ainda sem a barriga do tamanho de uma melancia, não sabe que eu sou daqueles que, onde me fazem pagar o preço dos talheres de alpaca, esvazio a travessa do peixe, dou cabo do cesto da fruta e até como o brilho da loiça do prato do pudim e do molotov, mesmo que depois tenha que correr para a casa de banho com as calças na mão.
Já não sou nem uma sombra daquela criança que adorava gemadas, que gastava as gorjetas dos recados a comprar bananas nas bancas da praça, que comia tangerinas roubadas da horta como quem come tremoços, mas ainda continuo com mais olhos que barriga.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Eu sou a favor da privatização da RTP

Tenho um desejo secreto de me ausentar para parte incerta e viver dos rendimentos. Nada de ir estudar filosofia para Paris, como José Sócrates, que eu sou de carne e osso e faço parte, com orgulho, da maioria dos portugueses que nasceram filósofos tal e qual a vida obrigava e ainda obriga.
Esta semana li no Expresso um texto de opinião de Alberto Arons de Carvalho a insurgir-se com a possibilidade de o Governo privatizar a agência de notícias Lusa. Diz ele, que mama na teta democrática do Estado desde o 25 de Abril de 1974, que a Agência só custa onze cêntimos por mês a cada português e que é a vasta rede de jornalistas espalhada por todo o país que constituiu a sua maior riqueza pelo serviço que prestam, a bom preço, aos vários órgãos de informação. A defesa é bem feita e ajusta-se ao estilo do dirigente socialista. Para esta gente que se habituou ao Poder o mundo não muda todos os dias. A Lusa foi, é e vai continuar a ser, pelos vistos, um instrumento do Governo para passar notícias boas e para encaixar jornalistas, amigos ou afilhados. O resto é a política caseira, no seu melhor, e a defesa dos tachos.
Penso o mesmo quanto à privatização da RTP. Há uma elite em Portugal que parece escandalizada com a privatização da RTP. Dão-se ao luxo até de escrever que a medida prejudica todos os jornais. Pura demagogia. Conversa de gente acomodada com a situação de serem sempre os mesmos a pagar a crise. Pior que tudo é a farsa que constitui hoje a programação das tv’s. Na grande maioria dos casos os noticiários são alinhados em cima das notícias dos jornais do dia anterior. Eles nem precisam de jornalistas; só precisam de alguém que saiba copiar e tenha uma boa voz e uma boa cara.
Esta semana ouvi dois telefonemas de dois assinantes a desistirem da assinatura de O MIRANTE. As desculpas são sempre as mesmas desde há um tempo para cá: não me posso dar ao luxo de ter este tipo de despesas fixas. Quando souber de algum assunto que me interessa vou comprar o jornal à banca.
É nestas horas de maior dificuldade que se faz maior o sonho de editar um jornal que possa ser distribuído porta a porta com a mesma facilidade que o sinal de televisão ou as ondas da rádio. Um dia todos os jornais serão (quase) gratuitos tal como a televisão, a rádio ou a internet. Falta descobrir um serviço ainda mais em conta para a distribuição porta a porta. Vamos no caminho certo. Falta cumprir também algumas etapas como por exemplo o fim do monopólio das televisões e uma lei da rádio democrática. A que existe parece feita à medida de um país do terceiro mundo.
Este caminho que fazemos todos os dias para termos uma imprensa mais livre e democrática não se faz com agências de notícias, televisões e rádios do Governo. Faz-se com serviço público mas não com funcionários públicos e empresas públicas que são, em matéria de dinheiro, um poço sem fundo.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Licença pornográfica

Não há obras que se vejam em Vila Franca de Xira, em Santarém, no Entroncamento e na generalidade das grandes urbes. O tempo das obras nunca mais será o mesmo. Por isso há concelhos onde, este ano, o serviço de licenciamento de obras poderia ter fechado. Mas há mais pessoas a circularem numas cidades do que noutras.
Muita gente que tem responsabilidades pelo crescimento das nossas cidades, vilas e aldeias, ainda não percebeu que já não é a construir novas habitações que se faz crescer e desenvolver uma urbe. Agora é a recuperar o património e a inventar formas de atrair pessoas aos centros cívicos; aos espaços públicos de eleição que são os jardins e as praças mas também as ruas limpas, e iluminadas de noite, onde os comerciantes investem e merecem os apoios, em vez de impostos, como é o caso recente da publicidade nos carros de serviço das empresas que me parece uma licença pornográfica.
São as empresas de porta aberta que dão vida às cidades, vilas e aldeias. São os bons empresários e comerciantes que fazem a diferença numa terra que parece um cemitério durante o dia, e a outra que mais parece um centro comercial a céu aberto; ou entre aquelas que têm duas lojas e um restaurante na esquina e aquelas que têm lojas para todos os gostos e restaurantes para todos os paladares.
Vou ouvindo e vou sendo testemunha de desabafos de autarcas que andam stressados por não terem gruas nos céus das suas terras. Sou testemunha da preocupação dos políticos por não terem obras em execução nos seus concelhos. Parece que o mundo continua a girar à volta da construção civil e dos negócios milionários com terrenos. E não é verdade assim como nada neste capítulo poderá voltar a ser como dantes. Veja-se o caso de Vila Franca de Xira, uma cidade histórica e com história, que tem cerca de trinta por cento do seu património habitacional ao abandono.
Há uma dúzia de anos as ruas do Entroncamento eram um centro comercial a céu aberto com milhares de pessoas nas ruas. As pastelarias estavam sempre cheias; o Entroncamento era a cidade do Marquês Vídeo, da pastelaria Ribatejo, da Tany, da Londrina, do Mateus, da Rullys, do Café Central, do centro comercial Túnel e Avenida. Hoje é uma sombra do passado. Nalguns casos é só passado já sem sombra. JAE

P.S. A Estradas de Portugal (EP) inventou forma de tributar os comerciantes em duplicado. O presidente da câmara de Benavente saiu em defesa. Eis um bom exemplo de solidariedade com os comerciantes. A EP deve ser a organização mais manhosa que existe ao cima da terra. Basta ver a publicidade selvagem que existe nas nossas estradas e perceber a forma pouco criteriosa como o negócio é gerido. A estrada nacional que liga Vila Franca de Xira a Lisboa é um terror. E a via rápida tem metade dos outdors com a inscrição “aluga-se” tal é a oferta e o negócio da china que deve estar por trás deste mundo da publicidade.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Nossa Senhora de Fátima

Há gente a viver muito bem à custa da crise. Sempre foi assim e assim será; com o mal de uns estão outros bem. Há quase meio século o meu pai deu-me umas botas tão grosseiras e pesadas que eu recusei-me a calçá-las e preferia ir descalço para a escola. Tinha vergonha de usar o raio das botas que pareciam maiores do que eu e preferia o pé descalço mesmo de Inverno.
À luz dos nossos dias parece que estou a falar de um passado de séculos mas são de ontem as memórias dos pés descalços, frios e feridos das topadas, pendurados por debaixo da carteira da escola.
Por gostar tanto de mim a minha avó, por esta idade escolar, dava-me dois tostões para aviar numa garrafa de gasosa da Ramalha um decilitro de vinho na taberna do José Pedro. Era o meu sumo para acompanhar o almoço que era quase sempre açorda quando não era batata cozida com um ovo.
Sei agora, depois de ler alguns livros, que nessa altura em que eu ia descalço para a escola e bebia vinho às refeições para ficar mais inteligente, a Europa, nomeadamente a Áustria e a Alemanha, eram países do primeiro mundo e tinham uma população a viver ao nível que alguns portugueses ainda hoje não vivem.
Não sei como é que António Guterres, Durão Barroso e José Sócrates educam ou educaram os filhos e se ainda há avós naquelas famílias que tal como a minha, entendem que o vinho ajudava a formar o cérebro das crianças. A fazer fé na forma como todos eles governaram o país nestes últimos anos não tenho dúvidas que estamos ao nível dos anos em que eu andava descalço.
Dou um exemplo: o país gastou milhões nos estudos e nas políticas para a construção de um novo aeroporto. Foram anos a fio a gastar dinheiro e a entreter a malta. Tal como se esperava chegamos à conclusão que o aeroporto de Lisboa ainda vai durar muitos e muitos anos e que ainda há muito espaço para as companhias de baixo custo mandarem baixar os seus aviões sem recorrerem aos aeroportos de Faro, Porto ou Beja.
O que eu acho extraordinário, para além destas fantasias que só servem para encher de dinheiro o bolso de alguns, é não haver na classe política alguém que bata o pé para a construção de um aeroporto em Fátima. É só fazer as contas. Fátima está no centro do país a menos de uma hora de Lisboa de carro ou de comboio. Portugal tem mais turistas por ano do que população e mais de metade desse turismo desloca-se para Fátima. Alguém tem dúvidas que a construção de um aeroporto em Fátima atraía o dobro dos turistas a Portugal? É possível ignorar para a construção de um novo aeroporto um local turístico que tem mais potencialidades que os monumentos do resto do país todos juntos?
O loby por Lisboa e pela centralização chegou à situação que todos conhecemos. Nossa Senhora de Fátima fez tudo o que devia pelos portugueses. Os portugueses agradecem no 13 de Maio mas continuam o resto dos dias do ano a irem fazer a sua mijinha diária junto à Torre de Belém e ao Padrão dos Descobrimentos.

A conversa desviou-se. A lenga-lenga não me deixou espaço para dizer que estou quase na idade de voltar à condição física e espiritual de uma criança; por isso andar descalço e ver pouca comida no prato não é ameaça que me tire o sono.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Livros para férias

Há meia dúzia de autores cujos livros compro por devoção à Obra. Tenho várias edições do mesmo livro só pelo prazer das novas capas ou das novas traduções ou da nova reunião da Obra. Raul de Carvalho, o autor de “Serenidade”, um poema único na literatura portuguesa, é um deles. Um dia destes encontrei uma edição baratíssima de “Mágico Novembro” e essa descoberta fez-me voltar a ler a sua poesia. Um dia, a mulher de Jorge de Sena, Mécia de Sena, disse-me numa conversa em família que o final de vida de Raul de Carvalho foi muito idêntico ao de um indigente. É um grande poeta literalmente fora das estantes das livrarias mas vale a pena procurá-lo nos alfarrabistas.
“Dias Comuns” é um diário de José Gomes Ferreira que vai no quinto volume. O diário só começou a ser publicado em 1990 mas percorre quase toda a sua vida. Este volume abarca o tempo de 1 de Junho a 22 de Setembro 1968. Está aqui tudo aquilo que um jovem que quer vencer na vida precisa de saber. Se não é jovem e acha que já sabe muito então também deve ler estes “Dias Comuns” escritos por um Homem e Escritor excepcional cuja generosidade nele não resultava “da naturalidade lógica de um laranjal dar laranja. Provinha apenas do seu receio de ser injusto”. Edição D. Quixote
“E se a morte dos valores te contende com os nervos toma um calmante”. “Escrever”, de Virgílio Ferreira, é um livro póstumo organizado por Hélder Godinho. Lê-se de uma penada e descobre-se o escritor mais polémico desta geração de grandes escritores que atravessaram o último meio século. Virgílio não se limitou a ser romancista. A sua “Conta Corrente” é dos diários mais polémicos escritos a seguir ao 25 de Abril. Este “Escrever” reúne textos que retratam imagens e situações sempre no limite. “Afirma com energia o disparate que quiseres e acabarás por encontrar quem acredite”. Edição Bertrand
Portugal era um país de poetas antes do 25 de Abril. Lembro-me de ver o “Correio do Ribatejo” e o “Vida Ribatejana” sempre com um canto de página dedicado aos poetas. A minha experiência na direcção deste jornal diz-me que os poetas acabaram ou então encheram-se de vergonha. Já não chegam versos pelo correio. É pena. Stephen King tem um livro que conta memórias de um ofício que é o melhor manual prático de escrita para qualquer romancista ou poeta em crise. Um curso de literatura em 250 páginas sem precisar de professor e podendo escolher as horas que melhor lhe convierem para aprender. Mas não julgue que vai ficar mestre no final da leitura. “Escrever ficção pode ser uma tarefa difícil e solitária; é como atravessar o atlântico numa banheira”. Edição Temas e Debates.
Se quiser sentir o efeito de um murro no estômago enquanto lê um livro tente encontrar nas livrarias um livrinho de Tahar Ben Jelloun “O Escrivão Público” que narra a violência da vida e a experiência da pobreza, numa sociedade dividida entre Ocidente e Oriente, entre tradição e modernidade. O autor nasceu em Fêz (Marrocos) mas vive em Paris há mais de quatro décadas.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Mula velha, advogados e mentalidades do século XVII

Vou ali a Berlim e já venho. Desculpem agora não posso falar estou no meio da civilização e aqui a rede é muito fraca e não ouço rien. Bom dia senhor presidente lamento mas não posso ajudá-lo o melhor é ligar para o seu gabinete de comunicação.
Adorava ter estatuto para chamar mula velha a um determinado político da nossa praça que acha que é cavalo lusitano mas não posso porque ainda não tenho vida para dizer vou ali a Berlim e já venho. Ai se eu conseguisse um dia chegar a vereador da Cultura de uma câmara municipal! De certo que outro galo cantaria e não andava nesta vida de escravo pior que cantoneiro de outros tempos que, agora, cantoneiro até é um trabalho mais ou menos e, que se saiba, não têm que aturar políticos nem trabalhar ao fim de semana ainda por cima a cheirar cus mal lavados.
Regra geral não me releio mas quando o faço acho que escrevo demasiado; podia dizer em meia dúzia de palavras aquilo que digo em três dúzias. Salazar tinha razão. Andar a chatear o António José Ganhão, o Paulo Caldas, o Moita Flores e o Sérgio Carrinho não facilita nada. Os jornais já nem servem para embrulhar sardinhas. Numa rádio local é que eu gostava de trabalhar: ali sim a gente nem sente que está a transpirar. E depois não é preciso muita gente para fazer bem o trabalho. Boa parte do trabalho já é bom de fazer e o resto é só abrir a boca e pôr música no ar.
Nos últimos tempos tenho aprendido muitas coisas novas com os advogados, os advogados da nossa praça para quem O MIRANTE já começa a ser uma fonte de rendimentos. Nesta altura damos trabalho a meio mundo tal é o número de processos que temos pela frente. Imaginem que ao cimo da terra portuguesa, este chão que nem precisa de adubo para dar de comer a tanto parasita, ainda há quem pense que existe uma justiça que nos pode obrigar a tratar alguém por Excelentíssimo Senhor Doutor antes de publicarmos o nome próprio num artigo de jornal. Realmente há coisas piores do que ser roubado ou agredido a murro porque sempre nos podemos defender e responder com as mesmas armas. Contra a ignorância não há remédio. E isto magoa mais do que nos chamarem filho da puta, ou cabrão, que ofensas leva-as o vento. Saber que vivemos num país miserável, onde ninguém paga o que deve e ainda se faz de parvo; onde vivem pessoas que têm a cabeça formatada para viverem no século XVII, faz um homem perder a cabeça e perguntar mas o que é que eu faço aqui se Berlim é já ali ao lado e as viagens de avião estão cada vez mais baratas?

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O fim de um ciclo

O discurso de derrota de Sócrates na noite das eleições é o retrato da maioria dos políticos do nosso regime. Depois de uma campanha eleitoral onde não se cansou de bater no ceguinho, repetindo até à exaustão aquilo que quase todos sabíamos que era mentira, Sócrates despediu-se com um sorriso dizendo que, agora, ia ter mais tempo para os filhos e para a sua vida de cidadão. Nada contra. Mas o orçamento de Estado para 2011, mais as medidas da Troika, que ele já andava a negociar, são as mais duras e penalizadoras de sempre para os portugueses que trabalham. A partir deste ano acabaram-se as devoluções com as despesas de saúde, da educação, da renda da casa, enfim, de todas as despesas que somos obrigados a fazer para não termos uma vida de indigentes.
Nunca ouvi um discurso de derrota tão satisfeito. Só os dirigentes comunistas mais os deputados do partido “Os Verdes”, o partido mais parasita que existe na sociedade portuguesa, foram capazes até agora de imitar Sócrates.
Um dia, numa viagem de trabalho, sentei-me ao lado do socialista José Lello que desancou no seu camarada Manuel Alegre como eu nunca tinha ouvido desancar num político. A conversa não era comigo mas admirador confesso do poeta e escritor saltei em sua defesa. A resposta não se fez esperar. Há mais de 30 anos que ele se senta nas bancadas da Assembleia da República e vive do sistema que tanto critica. E diga-me lá que é mentira, que ele não vive à sombra da bananeira, criticando aquilo em que ele é o maior especialista que é viver à custa do vencimento de deputado?
Manuel Alegre já não é deputado mas a recordação, que não é assim tão antiga, serve de catarse para os tempos que vivemos. Parece que agora é que isto vai mudar. Eu pago para ver. Só espero que valha a pena. Entretanto continuo admirador de Manuel Alegre, poeta e escritor, e muito pouco entusiasta do discurso redondo do ainda deputado José Lello.

Esta edição de O MIRANTE está a ser distribuída aos assinantes, na sua totalidade, pela empresa Pos Contacto. Completa-se assim um ciclo iniciado em Novembro de 2009 data em que começamos a saída do sistema do Porte Pago prescindindo dos apoios do Governo. O MIRANTE é o maior jornal regional português em tiragem e circulação. Em tempos idos fomos um dos maiores beneficiários do sistema. Como não dormimos em serviço não esperamos pelos tempos de crise e partimos para uma aventura que até agora está a resultar. Alguns colegas do sector, do Minho ao Algarve, que tanto criticaram a nossa postura no mercado, continuam presos às amarras dos apoios e estão calados que nem ratos à espera que o dinheiro estique. Beneficiaram dos apoios em igualdade de circunstâncias mas não cresceram, não investiram e não criaram condições para num futuro próximo viverem sem a mãozinha dos subsídios. JAE

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Um povo pobre e triste num país a saque

As autoridades não conseguem impedir o roubo de cobre que em alguns casos deixa populações inteiras sem luz como aconteceu recentemente no Tramagal. A EDP queixa-se de milhões de prejuízo e diz que não tem mãos a medir para repor os prejuízos causados pelos roubos.
Os assaltos a ourivesarias, estações de correio, bancos, bombas de gasolina, supermercados e casas particulares, têm vindo a aumentar de forma assustadora. Falta pouco para que Portugal seja um país a saque, quero dizer, um território de pilha galinhas já que o desgoverno e as necessidades dos gatunos um dia destes também levarão alguns a entrarem em lojinhas de esquina e, é mais do que certo, nos galinheiros dos vizinhos. Os roubos nos campos agrícolas da região estão por contabilizar nomeadamente ao nível de motores de rega e alfaias. Tudo porque os agricultores já desistiram de apresentar queixa nas autoridades por saberem que é tempo perdido.
Enquanto vai crescendo esta onda de assaltos que ninguém sabe ainda no que vai dar, a PSP e a GNR têm falta de efectivos, a maioria dos agentes trabalham horas infinitas como escravos dentro dos quartéis, e quando saem para a rua é para multarem os cidadãos que andam na estrada e pisam o risco ou deixam o carro mal estacionado.
Facturar, facturar, facturar parece a palavra de ordem do ministro da Administração Interna para as chefias da PSP e da GNR. Operações stop diárias, a horas desencontradas, à entrada das vilas e das cidades, resolviam uma boa parte deste problema dos assaltos, já que os gatunos passeiam por aí em carros roubados, com as malas das viaturas cheias de armas. Não estamos na América de verdade mas neste capítulo parece que sim: o território é tão grande para as forças da Ordem que vê-los na estrada a trabalhar é mais difícil que encontrar golfinhos no rio Tejo.
O que revolta é ver os políticos a pedirem o voto aos portugueses quando não fazem nada pela sua segurança. Há milhares de pessoas fechadas em casa a sete chaves com medo de saírem à rua depois do sol-posto. Somos um povo pobre e triste, que ainda veste de preto, da cabeça aos pés, com receio dos deuses no alívio do luto. E para que tudo seja perfeito para quem vive da desgraça dos outros as forças policiais não têm meios para saírem para a rua e garantirem a nossa segurança. Somos um povo triste por causa do passado negro que ainda nos persegue e, no futuro, seremos tristes por causa daqueles que herdaram por nós os valores da democracia. JAE

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Cornadas e beijinhos

Há um tempo escrevi uma carta aberta neste jornal a uma senhora chamada Idália Moniz, que ainda está Secretária de Estado, a propósito de um caso relacionado com uma família em dificuldades. Cerca de 24 horas antes de publicar a carta no jornal resolvi enviá-la para o seu email por uma questão de cortesia e de respeito. A resposta imediata que obtive foram dois direitos de resposta que eram pura propaganda às políticas do seu Governo. No essencial a governante mandou bugiar os bons costumes e deu-me a resposta que eu, provavelmente, merecia. Quem te manda a ti ó sapateiro ires além da chinela foi o que eu pensei de mim próprio tentando não me castigar mais do que a conta.
Passaram muitos meses depois desta desconsideração. Há umas semanas, num lugar público, a senhora viu-me a conversar com uma pessoa conhecida, bateu com os olhos nos meus e disse alto de forma a que eu ouvisse: deixa-me lá ir aqui cumprimentar estes senhores e, com dois passos na lateral, aproximou-se de mim e encostou por duas vezes a sua cara na minha como é hábito fazer-se quando se cumprimenta com dois beijos.
Confesso a fraqueza; não tive aquilo que caracteriza um Homem para a mandar beijar o primo dela, que também deve ser político, e pedir-lhe mais respeitinho numa próxima vez que finja ser parola no relacionamento comigo.
Esta gente da política, regra geral, está habituada a dizer uma coisa pela frente e outra pelas costas; hoje é beijinhos amanhã são cornadas; hoje discutem a fingir e amanhã fingem que discutem; num dia falam a sério sobre coisas a brincar e no outro dia falam a brincar sobre coisas sérias; para as luzes das televisões arrufam; nos sofás das casas uns dos outros consolam-se e trocam piropos.
Há pessoas que dão muita importância aos cargos que ocupam e julgam que transpiram dignidade por estarem protegidas por um escudo invisível. Eu abomino as pessoas tacanhas da política; desprezo os políticos inaptos que usam o poder para se promoverem; fico pálido com os políticos obtusos que acham que somos todos uns parvinhos por sermos do povo e não frequentarmos o São Carlos. Só tenho uma forma de me vingar: falar deles pelos nomes próprios e esperar que ganhem vergonha.
Domingo há eleições. Vamos votar, outra vez, mais nos partidos do que nas pessoas. Mais de três décadas depois do 25 de Abril Portugal continua a ser governado por gente menor e pouco habituada a prestar serviço público.
Os Partidos são precisos à democracia mas as pessoas são muito mais importantes que os partidos. Aliás, o tema da minha crónica desta semana não me deixa mentir: Idália Moniz apresenta-se como empresária no seu currículo mas eu gostava de saber que negócios eram os dela quando veio para a política. A verdade verdadinha é que há pessoas que nunca tiveram uma profissão.
O resto são cantigas!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O habilidoso do Oliveira Domingos

Se o ridículo matasse o advogado de Santarém Oliveira Domingos já seria um cadáver há muito tempo. A acção que resolveu interpor em tribunal contra O MIRANTE e os seus jornalistas é um atentado à liberdade de informar (ver página 27 desta edição). Estão agora explicadas as asneiras de Rui Barreiro na relação com O MIRANTE ao recusar o pagamento das dívidas que a autarquia tinha para com o nosso jornal. Acabou por pagar em tribunal mas é fácil verificar agora que quem se rodeia de advogados desta estirpe, e já é fraca roupa, depressa fica um farrapo.
Trago aqui o assunto porque este caso trouxe pela primeira vez dois inspectores da Polícia Judiciária aos nossos computadores da redacção. O advogado queixoso conseguiu que a justiça se mexesse de forma a que não fizéssemos desaparecer dos computadores os textos em que ele se sentia ofendido. O nosso pecado foi termos escrito que o dito advogado, prestador de serviços à Câmara de Santarém, tinha exigido quase meio milhão de euros. E pecado ainda maior foi termos dado a palavra ao presidente da câmara que resolveu tratá-lo como eu também acho que ele merecia.
O que me espanta nesta história é saber que ainda há gente do lado desta gente, habituada a ganhar a vida graças aos políticos amigos, e que vem clamar por justiça por publicarmos uma fotografia sem a devida autorização. Como é que é possível um tipo ter a profissão de advogado, trabalhar para uma autarquia em processos que são públicos e notórios, e depois pedir em tribunal a condenação de um jornal e dos seus jornalistas por publicarmos a sua foto sem lhe pedirmos autorização? O ridículo ainda maior é vivermos num país que tem uma justiça que permite este tipo de oportunismo. Advogados fracos, habituados a viverem de expedientes, como parece ser o caso deste Oliveira Domingos, que tem a advocacia como profissão, não faltarão por aí. Mas a justiça portuguesa, que devia ser o pilar da democracia, a referência do país com mais de oito séculos, pode ficar refém de um advogado que acha que pode incomodar tudo e todos só porque pensa que domina o sistema?
Os nomes que eu gostaria de chamar a este Oliveira Domingos estão todos nos livros de Eça de Queirós que retratam esta gente como mais nenhum escritor retratou até agora. São uns pobres coitados que vivem da miséria de não haver hoje quem lhes faça a barba nos jornais como nos tempos do Eça e do Ramalho Ortigão.
Infelizmente até Moita Flores, escritor-político de renome, habitual cronista da nossa praça, resolveu não ligar importância ao advogado. Pelo que se percebeu vai pagar multa por ter faltado às convocatórias do tribunal. O que prova também que a política em Santarém  já não é o que era dantes quando Moita Flores cá chegou com a tesão toda.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Por nada deste mundo

Sempre que escrevo esta crónica lembro-me que sou lido por meia dúzia de pessoas que conheço bem e por quem tenho estima e admiração, por escreverem melhor do que eu e serem muito mais exigentes do que eu sou antes de darem um texto por terminado.
Um dia, há muitos anos, li da pena de um jornalista brasileiro que entre dois pontos finais usar uma só vírgula é um atentado à pontuação de uma frase. Pois é o que mais vejo por aí nos livros e nos jornais. Hoje, ontem, no dia em que alinhavo esta crónica, passei as mãos pelas novidades literárias e encontrei a poesia reunida de um daqueles poetas da moda e encontrei num só poema, que nem enchia uma página, cinco “mas”. Lembrei-me logo de um outro jornalista famoso que na sua autobiografia romanceada a certa altura pede desculpa aos leitores por usar um “mas” no início de uma frase.
Cheguei aqui para deixar claro que em muitos dos meus textos sinto que não apuro a linguagem como gostava. Não sou curto e grosso, ou sensível e delicado, conforme os casos, na forma como trato o português, umas vezes por preguiça outras vezes por falta de tempo (se tenho falta de tempo foi porque preguicei já que o dia tem 24 horas que dão para tudo e mais umas botas se não nos faltar a vontade de trabalhar; mas estes pensamentos não devem ser partilhados com os leitores por nada deste mundo).
Felizmente não sou muito lido. Só assim se explica que, até agora, tenha recebido apenas elogios para além de alguns comentários manhosos que acabam por morrer na caixa do correio do jornal às mãos de quem tem a missão de cheirar o azedo dos textos anónimos.
Metade desta crónica fica no computador por razões de decoro. Nos últimos tempos alguns de nós têm dormido com programas de gestão editorial, comercial e de facturação. Estamos a querer acompanhar os melhores na gestão de O MIRANTE para podermos ter dias mais fáceis no futuro.
Sempre que entra alguém novo na equipa e não se adapta apetece-me gritar-lhe aos ouvidos o que nós já passamos para chegarmos até aqui.
O que fica no computador é o orgulho ferido por continuarmos a trabalhar num país que é só Lisboa e um pouco da linha de Sintra; num país de gente mentirosa e maltrapilha que saiu cedo das cidades e aldeias do interior e agora tem vergonha do lugar onde nasceu. São esses que lixam isto tudo. Vieram do povo mas depressa se esqueceram das suas raízes e parecem lorpas encantadas a facilitarem a vida aos sucateiros e banqueiros que são mais ou menos os homens que mandam nisto tudo.
O que nos safa é a capacidade de trabalho e de adaptação. Sabemos trabalhar e se não temos possibilidades de comer lagosta compramos carapaus. Não há um único camelo na vida pública que se arrisque a atravessar o deserto na nossa companhia; somos muito mais resistentes que esses quadrúpedes do deserto nossos irmãos no infortúnio de vivermos no meio das tempestades de areia.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Uma crónica sem importância

A notícia que na passada semana fez manchete na edição Lezíria de O MIRANTE que dava conta que Moita Flores não vai pagar cerca de dois milhões de euros a construtores civis que fizeram obra em Santarém sem projecto nem concursos é o melhor exemplo da irresponsabilidade da gestão de Rui Barreiro e dos socialistas escalabitanos.
Passaram oito dias e ninguém tugiu nem mugiu. Esperava-se uma reacção política ou, no mínimo, uma reacção dos empresários que fizeram a obra. Silêncio absoluto. A ideia que deixam é que querem que este assunto saia da agenda noticiosa o mais rápido possível. Quanto menos se falar do assunto melhor. As notícias duram dois dias e eles, os políticos e os empresários da construção civil, precisam de continuar as suas reais vidas.
Rui Barreiro anda a dar as últimas, lá, naquele lugar dourado, onde o puseram. As asneiras que fez enquanto presidiu a Câmara de Santarém já não têm solução. Moita Flores só agora lhe vai descobrindo a careca porque falta-lhe dinheiro até para pagar aos pequenos fornecedores da autarquia. Santarém precisa de ir à bruxa ou a bruxa precisa de vir a Santarém. Sem bruxas pelo meio eu acho que o melhor de Santarém vai Tejo abaixo e só ficam as encostas.
Quem se der ao trabalho de ler a reportagem de O MIRANTE sobre a tomada de posse do novo presidente da Escola Superior de Gestão de Santarém ficará com uma ideia da personalidade incompetente e do estilo arrogante do anterior presidente que deixou a direcção da Escola depois de perceber que perdia as eleições caso concorresse.
As críticas que Jorge Faria foi fazer na cerimónia da tomada de posse do novo presidente visaram O MIRANTE e, acima de tudo, o actual presidente do IPS, Jorge Justino.
Jorge Faria aproveitou o último tempo de antena que tinha na Escola para dirigir recados ao professor Jorge Justino que, no final, lhe respondeu à letra.
Mas não é por ter sido crítico ou ressabiado que trago a esta crónica o discurso de Jorge Faria e o que ele resolveu dizer na despedida de um cargo que exerceu mal e de forma incompetente. O que me leva a falar do caso foi a forma como ele ouviu, sentado na sua cadeira, a resposta por parte do presidente do Politécnico quando este teve a oportunidade de responder a algumas das suas afirmações. Qual labrego na sua melhor forma, Faria escarrapachou-se na cadeira onde estava sentado e, enquanto Jorge Justino falava e lhe dirigia a palavra, Faria esticava-se e abanava-se na cadeira numa atitude de enfado e de aparente falta de respeito que não lembrava ao diabo.
Podia haver na sala quem ainda tivesse algum respeito por Faria; mas a generalidade dos presentes demonstrava, e demonstrou ainda mais no final da cerimónia, uma alegria e uma satisfação com a mudança que só faltaram foguetes para darem um maior alarido à alegria da mudança na direcção da Escola Superior de Gestão de Santarém.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Os donos do CNEMA e a arte de gerir com o dinheiro do povo

Os donos do CNEMA são gente muito importante e respeitada junto da classe política portuguesa nomeadamente no seio dos governantes. Só assim se explica o segredo que deve estar por trás do perdão de dívida que custou ao país quase três milhões de euros e que foi notícia muito recentemente em O MIRANTE.
Os donos do CNEMA, que são ao mesmo tempo líderes da CAP, a maior e mais influente associação de agricultores, têm sobre os políticos um poder de influência que não está ao alcance de qualquer associação de caridade ou de solidariedade das milhares que existem em Portugal e que, nas ruas, nos mercados, nos postos de gasolina e onde há circulação de pessoas, estendem a mão para nos sacarem um euro de forma a ajudarmos os meninos vítimas de cancro ou de SIDA.
Cada vez que compramos um porta-chaves para ajudar as instituições que tomam conta de crianças abandonadas, ou compramos uma rifa para ajudar os bombeiros, ou contribuímos para o peditório em nome de alguém que precisa urgentemente de uma assistência médica no estrangeiro, estamos a contribuir para a edificação de uma sociedade mais solidária, para minorarmos o sofrimento daqueles que o Estado despreza como se vivêssemos os tempos da pobreza e da indignidade salazarenta.
Se um perdão de dívida de quase três milhões de euros a uma empresa, como é o caso do CNEMA, não é motivo de notícia nem de indignação por parte dos cidadãos organizados; se toda a gente aceitar como normal que os donos do CNEMA equilibrem as contas das suas empresas com o dinheiro público, bem merecemos que daqui para a frente, com a pobreza que se adivinha, nos obriguem a depositar em nome do Estado, como condição para continuarmos a sermos livres, os anéis de ouro dos nossos avós.
Não vejo razão para grandes admirações se, daqui a um tempo, algum do dinheiro que ainda temos no banco não possa ser requisitado pelo Governo para ajudarmos a pagar a má gestão do CNEMA e os prejuízos com a contratação de artistas para animarem a denominada Feira do Ribatejo.
De vez em quando entro numa igreja e sem olhar para o rosto de sofrimento dos santos pergunto-lhes dirigindo-me ao Deus que tudo abarca; vedes todas estas injustiças como verdadeiros Santos ou a vossa cara de sofrimento é para disfarçardes o medo que tendes dos visitantes que não entram para rezar mas para cobiçarem o outro e a prata dos altares? Quem vos esculpiu assim tão martirizados e sangrentos já estava a pensar na hipótese de um dia o ouro das igrejas poder ser necessário para que os empresários amigos dos governos possam pagar as dívidas dos CNEMAS que existem por este país fora ?
João Machado e Luís Mira são, de certo, os grandes obreiros desta negociata com o Governo. Eles merecem que os seus nomes não sejam esquecidos. Quem sabe um dia destes, num 10 de Junho, um qualquer Presidente da República se lembre deles para uma medalha por tudo o que têm feito pela agricultura portuguesa, pelos interesses dos agricultores e pelo CNEMA, esse santuário privado onde existe o maior espaço relvado da região do Ribatejo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A verdade é uma invenção

Estou a ler um livro em tempo de férias que diz que os galgos morrem sempre do coração. E os que não morrem mas perdem as corridas importantes são mortos sem dó nem piedade.
Ponho o livro de lado para ler uma mensagem de telemóvel que chegou a meio da noite enquanto procuro o sono. Mensagem simpática de agradecimento. Retribuo com um obrigado pelo gesto de agradecimento. Continuo a ler Cabrera Infante mas já não consigo deixar de pensar nos galgos de corrida que por não serem vencedores acabam mortos sem honra nem glória.
A vida dos homens de hoje é um pouco assim; os que não vencem na vida rapidamente são trucidados quando não é o caso de terem que resignar para poderem sobreviver.
A mensagem de agradecimento é única e faz-me pensar que já ninguém agradece nada a ninguém. O mais normal é as pessoas servirem-se umas das outras pagando apenas o preço de terem que morder a língua de vez em quando.
Abro o email para desligar do mundo, finalmente, depois de um dia a viajar e reencontro-me com uma outra pessoa amiga que resolveu partilhar afectos a propósito de um gesto simples. Não lhe dei mais do que duas palavras elogiosas e em troca recebo uma carta de afectos que me volta a surpreender.
Hoje estou à beira de um rio longe de casa mas ainda ontem percorri alguns quilómetros do rio Tejo num barco a motor com o Abel e o António. Viagem de reconhecimento desde a Ponte da Chamusca até quase à foz do Almonda, procurando na memória os lugares onde dantes havia salgueiros no meio do rio e aprendi a saltar para a água, e vivi muitas vezes a emoção de atravessar o Tejo para o outro lado sempre a pensar que me faltariam as forças nos braços para o regresso. Nunca faltaram porque eu também era dos que arriscava pouco. A maioria das vezes o Tejo atravessava-se a pé, ali junto ao Porto das Mulheres, e a viagem ao outro lado não passava de um gesto de valentia de miúdos que não tinham mais nada para provar diante da vida que não fossem as aventuras proibidas e perigosas.
Nesse tempo éramos todos galgos de corrida e competíamos por nossa conta. Ganhávamos sempre o mesmo: experiência e algumas vivências que se tornavam em conquistas fabulosas.
Volto ao início; como vivemos num tempo em que já ninguém sabe agradecer, e só temos inspiração quando é para dizer mal, resolvi registar as mensagens simpáticas e amigas que recebi da Maria e da Helena, Mas não acabo sem voltar ao Cabrera Infante. “Poderia estar aqui a escrever mentiras, bem sei, mas a verdade é uma invenção suficiente”.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Eu já sei em quem não voto

Dou a mão à palmatória. Os assuntos políticos não me interessam como tema principal para este espaço de crónica mas um homem não é de ferro. Esta gente da vida política à portuguesa anda a dar razão, ainda a tempo, àqueles velhos nostálgicos dos tempos de Salazar que não se cansam de chorar por ele e pelos valores que ele representava.
Sou anti-salazarista até à raiz dos cabelos mas não sou parvo para perceber que os políticos que governam Portugal, no poder e na oposição, não são gente de palavra e muito menos de confiança. O que se está a passar com os socialistas, e só agora começou, é uma vergonha; um circo que nos deverá mobilizar para que não deixemos que o passado se interponha naquilo que foram as esperanças conquistadas com o 25 de Abril de 1974.
Para não passarmos pela vergonha de voltarmos a ter um primeiro-ministro que acabou de fazer figura de parvo, e quer que façamos todos figura de urso, deixo aqui o meu sentido de voto para o dia das próximas eleições; vale tudo, desde o Bloco ao CDS, menos votar em quem goza com a nossa cara.
Um dia, como cidadão sem filiação partidária, espero ajudar a criar forças de intervenção política que sirvam as regiões portuguesas menos favorecidas e que não tenham sede nos castelos e palacetes de Lisboa.
O país merecia ter como membros de um Governo os nossos melhores autarcas. Quem ficar atento à constituição das próximas listas a deputados vai reparar como a grande maioria dos candidatos são gente sem valor, sem trabalho que se veja, gente que nunca fez nada pela sua terra nem tem onde cair morta; gente que não sabe alinhavar uma ideia, escrever um texto em bom português. E haverá certamente os mesmos de sempre a encabeçarem as listas. Se os partidos do Poder não se renovam nas direcções nacionais muito menos se vão renovar nas distritais e concelhias.
O Ribatejo tem centenas de autarcas, com provas dadas no governo dos seus concelhos, disponíveis para governarem o país. São gente séria que não enriqueceu com a política e sabe o que é um compromisso de honra com o seu povo.
Como não sei falar sem dar o exemplo aqui deixo alguns nomes ao acaso: António Mendes de Constância; Dionísio Mendes de Coruche; Joaquim Sousa Gomes e Joaquim Sampaio de Almeirim, Maria da Luz Rosinha e José Fidalgo de Vila Franca de Xira; José Ganhão de Benavente; Emídio Cegonho da Chamusca; Vítor Guia da Azinhaga; Corvêlo de Sousa de Tomar.
Sabendo que toda esta gente que acabo de nomear é filiada em partidos muito diferentes deixo aqui um apelo; façam mais alguma coisa pelos partidos políticos que representam. O país agradece.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Uma justiça de navalhadas

Três jornalistas de O MIRANTE foram acusados em tribunal por gozarem com os suspensórios coloridos das calças de Rui Barreiro na altura em que ele era presidente da câmara de Santarém. A acusação obrigou-nos a termo de identidade e residência. Todos os processos que Rui Barreiro moveu contra O MIRANTE e os seus jornalistas e administração não tiveram acolhimento nem fizeram mossa mas foram resolvidos de forma célere pelos tribunais.
Atente-se no que aconteceu esta semana em Rio Maior para percebermos em que país vivemos e quem é esta gente que nos governa o país e a justiça. O Comandante da GNR de Rio Maior foi esfaqueado por um cidadão de nacionalidade estrangeira. O homem foi capturado a seguir ao acto criminoso e depois de presente a tribunal foi mandado para casa exactamente como os jornalistas de O MIRANTE acusados de gozarem com os suspensórios coloridos das calças de Rui Barreiro; termo de identidade e residência.
Este caso ilustra bem a falta de organização e de prestígio que assola a magistratura portuguesa. Os jornalistas são perseguidos por dá cá aquela palha. Os criminosos que andam por aí a saquear lojas e os indivíduos que esfaqueiam polícias são mandados para casa depois de capturados, e de os polícias que os perseguiram terem posto a vida em risco em defesa dos cidadãos, muito mais desprotegidos do que eles, que até podem usar uma arma à cintura.
Não é provável, e oxalá que nunca aconteça, o juiz presidente do tribunal de Rio Maior apanhar um criminoso pela frente com uma faca na mão. Era engraçado vê-lo sentado no seu próprio Tribunal a ouvir um colega Juiz a mandar para casa, com termo de identidade e residência, o suposto agressor que de faca na mão resolvesse tentar pôr-lhe as tripas à mostra.
Almeirim tem um tribunal que não funciona. Ou funciona mas à velocidade dos anos da pedra lascada. Não se percebe este país e a forma tacanha de gerir a Justiça. Os cidadãos que têm o azar de terem os seus processos no tribunal de Almeirim podem considerar-se descriminados. Há situações escandalosas de falta de respeito pelo trabalho dos advogados e pela situação dos cidadãos que recorrem à justiça para resolverem problemas que os colocam entre o tudo ou o nada. E o que faz este Governo com a complacência dos senhores do sistema judicial? Assobiam para o lado quando não é o caso de aproveitarem para nos cuspirem em cima. O que se passa no tribunal de Almeirim é demasiado grave para um país que se diz da Europa democrática.