quarta-feira, 30 de março de 2011

Só ficaram as galinhas

Portugal é uma espécie de África da Europa; temos fome como em África; corrupção ao nível dos países subdesenvolvidos; um sistema de justiça que não sendo controlado pelo governo é dos mais corporativos do mundo democrático; o nosso mercado é uma língua de gato e por isso as empresas europeias vendem-nos os produtos essenciais para a modernização das nossas empresas ao preço que vendem para os países africanos; o Estado português é tão castigador nos impostos como os estados africanos são usurpadores; e para não variar os organismos do Estado são tão relapsos como os piores  governos dos estados africanos.
José Sócrates vai abandonar funções governativas e leva com ele para o desemprego político os  secretários de Estado que eu não queria nem para secretariarem a minha associação cultural preferida.
Acabou o banquete socialista. E agora vai começar que caldeirada?
Os secretários do actual governo preparam-se para regressarem às secretárias dos gabinetes nos organismos públicos onde nunca trabalharam nem vão trabalhar.
Ser ex-ministro ou ex-secretário de Estado em Portugal é muito mais importante que desempenhar o lugar governativo. É público e notório que a grande maioria dos políticos começam as suas carreiras quando ganham o estatuto de ex-governantes.
Depois do caos, da loiça partida, da bebedeira geral, chegou a hora dos ex-governantes festejarem com a família e com os amigos todas as vitórias políticas. Muitos deles agradecem ainda os aplausos do povo que os tratou como sábios; embora eles saibam que são uns imbecis; muitos deles ainda hoje saem de casa logo pela manhã para governarem o Estado e vão a cheirar a  limpeza quando o que mais perdura neles e nos políticos enfermos que os acompanham é a sujidade.
É certo e sabido que nos próximos anos os ex-ministros e os ex-secretários vão dormir todas as noites com a sensação de que se deitam na cama com Portugal e com a sua História. O que eles sonham a dormir só o saberemos quando algum deles cair da cama abaixo, o que é de todo improvável já que quem lhes faz a cama e vigia o sono também lhes mete a mão por baixo.

Chama-se Rui Barreiro, é o mais idiota dos políticos que conheço, e foi durante este último ano e meio secretário de Estado da Agricultura e Florestas, do governo de José Sócrates. É certo e sabido que um dia será ministro das Finanças, ou da Educação, ou da Justiça de um qualquer governo, a confiar no aparelho partidário do Partido Socialista, onde parece que toda a gente boa foi de férias e só ficaram as galinhas.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Um escritor eterno

Uma visita à aldeia de Glória do Ribatejo no passado domingo serviu para recuar uns anos e perceber melhor o tempo que vivemos. Na companhia dos camaradas mais novos da redacção vivemos um dia de trabalho e de lazer que deu pano para mangas. Conto um episódio que me fez rir e ao mesmo tempo me deixa a pensar no que ando eu a fazer que outros não tenham já tentado sem sucesso.
No museu etnográfico o organizador compôs uma moldura com uma mula em várias posições. De pé, a cair, e no final outra vez de pé. Chamei quem estava mais perto de mim e fiz o desafio de me explicarem que cena era aquela que as imagens nos tentavam ensinar.
Está a dar à luz, começou por explicar a primeira camarada. Não, está a morrer disse a segunda; Eu acho que o animal está a cair para descansar e a levantar-se porque entretanto já descansou disse um outro. Estava com os copos, diz outro a brincar com a situação. Está doente e não se aguentou nas pernas disse por fim a mais jovem das camaradas depois de algumas risadas pelo meio principalmente da minha parte ao perceber que nenhum deles conseguia explicar a situação. E o que nos mostrava afinal a representação das fotos? Uma mula a deitar-se no chão para se espojar e de seguida a levantar-se como fazem todas as mulas depois de se sentirem satisfeitas.
Ora é por isso que a minha mãe me diz, quando quer embirrar comigo, que eu estou sempre espojada no sofá lá de casa. Afinal está a chamar-me mula e eu não sabia, concluiu uma outra camarada provocando a risota geral no grupo dando-me ao mesmo tempo o pretexto que precisava para contar esta história nada exemplar.
Tenho respeito e devoção pela memória e pela Obra de Alves Redol. Foi dos primeiros escritores a formar a minha personalidade e a criar consciência de classe. Nunca esquecerei a emoção ao ler Gaibéus, Avieiros, Olhos de Água e Barranco de Cegos. Encontrar num romance a história dos homens e das mulheres da minha terra foi das coisas mais emocionantes da minha juventude. Revejo agora as edições da Europa América, num papel amarelecido pelo tempo, e lembro-me das vezes em que procuro um livro na minha estante e dou conta que, afinal, li-o quando ainda não tinha dinheiro para comprar livros e recorria à biblioteca itinerante da Gulbenkian.
“Não há como a juventude para espantar receios”. Foi, também, esta frase assinalada em Gaibéus que me levou a escrever esta crónica e a expor-me, a mim e a alguns dos meus jovens camaradas de trabalho, a esta coisa tão simples de descer à terra e concluir, como Redol, que “é bem certo que o tempo goiva os homens”.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Geniais e generais

Anda por aí um zumbido que pegou moda na caneta dos nossos melhores cronistas: nem Sócrates nem Passos Coelho têm estatuto de grandes líderes. É verdade. Parece verdade. Mas para pôr um pequeno país na ordem todos os líderes políticos têm que ser geniais (ou generais)? Apetece-me concluir que a crítica nos jornais se banalizou com algumas raras excepções que não me canso de citar como é o caso de Miguel Sousa Tavares e de Baptista-Bastos só para dar dois dos melhores exemplos.
Quem manda no Governo são os grandes grupos económicos; quem manda na nossa pobre economia e política de saúde e educação são os lobbys das grandes associações. Quem está à frente dos lugares de maior decisão dessas instituições são, na grande maioria dos casos, homens de direita, gente retrógrada, comprometidos com as ideias mais conservadoras, nostálgicos da velha ordem, que lutam contra tudo que cheira a direitos humanos, distribuição de riqueza, reforma do Estado e por aí fora.
Não vejo ninguém a esmiuçar as direcções das grandes associações patronais e sindicatos, e a apontar o dedo aos cérebros que, conjuntamente com os governantes, sustentam esta espécie de república dos corvos.
Conheço dezenas de empresas que precisam de trabalhadores e no entanto o país é notícia porque o desemprego já passou os onze por cento da população activa. Alguém percebe este circo? Quem é que não sabe que a grande maioria dos licenciados que aguardam uma oportunidade no mundo do trabalho não sabe escrever uma carta de apresentação para enviarem juntamente com um curriculum-vitae para se candidatarem a um emprego? E quem é que é capaz de denunciar o escândalo e mandar outra vez os jovens para as universidades nem que seja para se redimirem do tempo em que andaram por lá a passear os livros debaixo do braço?
Quem é que já ouviu falar de um senhor chamado Joaquim Rosa do Céu que é presidente de uma Região de Turismo? Quem é que sabe do que é que ele se esconde para não vir a público defender-se da suspeita (enfim, como lhe chamar?) de que se reformou a correr aos 57 anos para apanhar ainda mais à pressa um lugar de administrador de uma entidade pública que qualquer reformado ilustre gostaria de presidir sem ganhar um cêntimo? E o que é que faz esta gente que não seja gastar o orçamento público e passear comendo e bebendo à nossa conta?
Já lá vai o tempo em que os escritores, os jornalistas e os artistas em geral tinham a força que têm hoje os camionistas quando resolvem encostar os carros à beira da estrada. Só assim se explica que os encontremos sempre nos mesmos lugares, a baterem sempre nos mesmos ceguinhos, como os idiotas de que falava Aristóteles, que ficam em casa e se recusam a intervir nos assuntos e responsabilidades da sua pequena cidade.

quarta-feira, 9 de março de 2011

As obras completas

Ao passar junto a um contentor de lixo vi um sem-abrigo agachado e debruçado com a cabeça enfiada em dois sacos de plástico. São livros, disse de mim para mim. Aproximei-me com o jornal do dia na mão e deixei-me ficar durante cerca de dez minutos a observar a azáfama do homem velho e barbudo de volta dos dois sacos. Tentando não dar nas vistas observei os seus movimentos depois de ter a certeza que as suas costas não tinham olhos nem ele queria que tivessem. Eram dois sacos cheios de livros antigos que ele ia vendo um a um mostrando-me ao mesmo tempo as capas e os critérios da sua escolha.
Dez minutos é muito tempo para quem está no meio de uma rua a observar e a ser observado. Quando vi três ou quatro títulos que me interessavam no monte que julguei ser o da sua escolha tomei a decisão de abortar o trabalho dele e pensei: ofereço-lhe uma nota de vinte euros e tomo o seu lugar. Fiz uma tentativa para ele reparar em mim e não resultou. O homem não era um leitor esclarecido e muito menos alguém habituado a negociar com alfarrabistas. De certo que não vai aceitar o meu dinheiro e perco a oportunidade de ficar com os seus restos que, com alguma sorte, serão melhores do que as suas escolhas, pensei melhor. Bem o pensei e mais depressa o fiz. Afastei-me do contentor e fui ao meu destino que era uma farmácia do outro lado da rua. Com um olho no burro e outro no cigano só tive que esperar cerca de mais dez minutos para tomar o seu lugar. Nos sacos já meio vazios estavam ainda muitos dos livros que eu tinha cobiçado nas suas mãos nomeadamente livros de poesia e ensaio. Acabei por levar para o carro oito títulos e ainda lá deixei  cerca de duas dezenas. Mais importante que os livros que lá ficaram, foi a vergonha que eu lá deixei quando, sob o olhar atento de alguns transeuntes, tomei o lugar do sem-abrigo. Sei quantas pessoas me olharam e quantas sorriram nas minhas costas mas não desisti de levar debaixo do braço, melhor dizendo, no colo, os livros que alguém despejou em dois sacos junto a um contentor do lixo.

Na semana passada andava no campo a abrir covas para plantar árvores de fruto. Depois do trabalho feito (abrir as covas e enfiar lá dentro uma forquilha de esterco)  fui arranjar a terra de volta das árvores plantadas o ano passado por esta altura. Havia por lá uma meia dúzia de árvores que pareciam mortas. Há muito tempo que percebia que estavam mortas mas faltava-me ter a certeza e reconhecer o fracasso (o meu, que as plantei, e o da terra que não foi capaz de as fazer vingar). Telefonei a um amigo que vive da agricultura e no meio de uma conversa que tinha servido de pretexto para o telefonema perguntei-lhe como resolvia o meu problema. Ó Joaquim, com uma navalha faz um pequeno corte na árvore; se estiver verde é porque está viva; se estiver cinzenta então a árvore está morta, explicou, assim sem mais palavras.
Tão fácil não é? E acabei eu de ler a Obra Completa do Carlos de Oliveira e não sabia esta coisa tão simples de usar uma navalha que não seja só para cortar o pão.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Uma vida perfeita

Sou obrigado a comer em restaurantes durante quase toda a semana de trabalho. Confesso que me sinto muito melhor em casa, à minha mesa, a comer um petisco que num restaurante a devorar o melhor manjar. Mas quem é que tem uma vida perfeita?
Na passada semana sentei-me à mesa pela primeira vez num restaurante a poucos metros do meu local de trabalho e fiquei surpreendido com a qualidade da comida. O restaurante tem uma clientela reduzida pelo que posso observar. Espreito quase todos os dias lá para dentro e pergunto-me certas coisas que agora não interessam para esta crónica. O assunto vem à baila porque eu já teria experimentado uma visita muito mais cedo se os donos do restaurante fizessem aquilo que eu chamo o marketing de vizinhança. Não tenho dúvidas que, logo a seguir à publicidade nos jornais, é a melhor forma de vender.

Um dos melhores restaurantes do Ribatejo mudou recentemente do Carregado para Arruda dos Vinhos e chama-se Kottada. Já lá fui algumas vezes em almoços de trabalho e posso confirmar a excelência do serviço e da comida. O seu proprietário, Fernando Arguelles, faz exactamente aquilo que eu mais aprecio num empresário destes tempos; sabendo que não é fácil telefonar a todos os amigos e conhecidos, aproveita a comunicação social para chegar aos seus clientes. O anúncio que tem sido publicado no nosso jornal não é nada comum e mostra o empenho e o prazer de alguém que sabe que não basta ter bons cozinheiros e excelentes chefes de mesa para manter um bom restaurante.

A meio da passada semana fui almoçar a um restaurante de Lisboa com um amigo dos jornais e da televisão.
É um daqueles restaurantes onde os ministros e ex-ministros ocupam noventa por cento das mesas. Quase no fim do almoço, já com a nossa conversa em dia, o meu amigo perguntou-me baixinho se eu estava a seguir a conversa de três marmanjos que estavam atrás dele. Eu disse que não e ele contou-me que os tipos tinham passado o almoço a formar o próximo governo do país. Ficou completo agora, disse-me ele com um sorriso, íamos já na sobremesa.
Escusado será dizer que a estrela da companhia era um ex-ministro que eu há 20 anos já ouvia ressonar no meio daquelas sessões muito chatas nos congressos da imprensa.
Ah! Falta escrever que comi uma posta de peixe grelhada. À mesa sou o mais perfeito dos cobardes; com uma ementa picassiana pela frente acabei por me render ao prato mais clássico.

Esta crónica é dedicada aos senhores Rui, Cândido e Aníbal, que nos últimos tempos me servem o almoço num restaurante do centro da cidade de Santarém, e conseguem, umas vezes com a comida e outras vezes com o atendimento, fazer passar a sensação de que almoço na minha casa.