quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Natal é poupar no azeite


Para quem tem uma família feliz e unida, como eu tenho a minha, esta quadra natalícia é um bom pretexto para viver de barriga cheia. Sei que a imagem da barriga cheia, associada ao Natal, pode não ser feliz para muitos leitores. Para mim o Natal simboliza isso mesmo: a oportunidade de encher a barriga de doces e de felicidade.
Ora aqui está uma boa oportunidade para usar um termo na verdadeira acepção da palavra e em sentido figurado.
Como não sinto no coração não sou capaz de disfarçar nas palavras que o Natal não me comove nem inspira. Se há alturas em que não me apetece repetir o prato de comida nem variar a ementa é nesta altura do ano. Se há dias em que me sinto culpado por ver os meus companheiros de mesa deixarem comida no prato para guardarem espaço na barriga para outros acepipes é na época de Natal.
Comigo não funciona ainda, por enquanto, aquela máxima de que nascemos comunistas, vamos ficando social - democratas e acabamos fascistas. Nas coisas mais urgentes da vida sinto-me comunista como quando tinha 16 anos.
Claro que sei, vou sabendo, sobreviver nesta pequena selva que é a nossa vida nos dias de hoje. Tenho uma vida desafogada, um bom carro e uma boa casa. E hoje já não telefono aos gerentes dos bancos a pedir pequenos favores com a alma pelo chão; são os gerentes dos bancos que me telefonam para que eu seja cliente deles. Mas tudo isto é obra de há pouco tempo e foi conquistado sem eu dar por isso, passando muitos natais e anos novos a trabalhar até tarde, poupando no azeite e a divertir-me até às tantas da noite com um livro aberto em cima dos joelhos.


A Chamusca é um presépio todo o ano. Entalada entre a Charneca e a Lezíria, de um lado tenho o rio e o campo para me render aos valores da terra e da sua fertilidade. Do outro tenho os montes e as pedras, os ribeiros e os sobreiros, a urze e o rosmaninho, uma grande natureza onde acontecem alguns dos maiores milagres da existência.
Para que o presépio possa ser habitado e cuidado todos os dias do ano, guardo as melhores recordações dos meus tempos de infância, quando os meus avós iam à charneca à lenha para nos aquecermos no Inverno, e ao campo ao rabisco da azeitona, do milho e das uvas.
Habituei-me durante muito tempo a viver a época do Natal como se fosse o meu dia de anos. E a ver a minha terra como o presépio de Natal que me foi oferecido pelos meus avós. Se para alguns o Natal é o tempo da família para mim é só mais um dia do ano. Um dia diferente, apesar de tudo, porque tenho cada vez mais saudades dos tempos em que os meus filhos, por serem ainda crianças, me amansavam até eu ficar da idade deles. 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A luz ao fundo do túnel


Por favor quero falar com o senhor presidente. O segurança riu-se descaradamente e nem abriu a boca como quem diz quem é este tipo. Notando a cara de gozo perguntei-lhe; fiz-lhe alguma pergunta ofensiva? Percebendo que começava a ficar entalado respondeu que o assunto não era com ele e indicou-me uma colega que se encontrava na sala ao lado. Quando me dirigi a ela fiz-lhe a mesma pergunta com o à vontade de um munícipe que vai a um organismo público e em vez de pedir para falar com os anjos diz que quer falar com Deus nosso senhor. Por favor o senhor presidente está ? Quem é você ? Não sou eu que lhe posso responder. Então passe-me a quem me possa responder. E há terceira tentativa lá consegui chegar à fala com alguém que me disse que o presidente estava fora do edifício numa sessão pública em Lisboa. Resumindo: algumas autarquias não são lugares onde um cidadão entre e possa perguntar pelo presidente da câmara. Se perguntar é gozado com o maior descaramento. Estamos a voltar ao antigamente em certos organismos públicos. O povo é tratado abaixo de cão por funcionários acomodados e mal preparados para o seu ofício. Alguns são arrogantes e malcriados com pessoas da sua classe que, em muitos casos, procuram desesperadamente solução para os seus problemas. Não era o caso. Mas é nossa obrigação falar em nome de quem tem razões de queixa.


O arquitecto Ribeiro Telles é um romântico. Ouvi esta frase antes e depois de participar como assistente em mais uma sessão das Conversas do Vale do Tejo que a NERSANT organizou na aldeia do Arripiado, na Chamusca. Como sou um admirador do arquitecto, homem de ideias grandes e de combates justos, fiquei desiludido com o debate. O ex- homem da Quercus, José Manuel Palma, com a complacência da jovem moderadora, não deixou falar Ribeiro Telles. Muitas, muitas vezes, atrapalhou o seu discurso, interrompeu e impediu os presentes de ouvirem a voz mais autorizada deste país a falar de ambiente. A oportunidade podia ter sido melhor aproveitada se a moderação fosse mais profissional.


A Feira a preto e branco, um livro de fotografia da autoria de Dinis Ferreira, juntou na Sala de Leitura Bernardo Santareno cerca de uma centena de pessoas. Há muito tempo que não via reunidos a fina-flor da cidade. Aqueles rostos são os mesmos que vemos há muitos anos no mesmo tipo de iniciativas. Estava ali a maioria das pessoas que mais contribuem para o espírito crítico desta cidade e para o valor que ela tem entre portas e lá fora. Esta terra não se renova disse-me alguém, entre dentes e sorridente. Temos que nos contentar com o que existe. E ainda bem que temos esta gente bairrista e solidária. Bem pior era termos tudo isto e não vermos a luz ao fundo do túnel, respondi. O texto de Francisco Moita Flores que serve de prefácio ao livro de Dinis Ferreira é uma das luzes ao fundo do túnel. 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Crónica de uma noite de jazz


Estou há duas horas no cimo do morro Tavares Basto, na cidade do Rio de Janeiro, dentro de um espaço de arte e música de um ex-jornalista inglês reformado. Vim com gente amiga. Uma vez por mês o Ben abre a porta da sua casa aos amigos e conhecidos. O meu grupo é de gente ligada ao cinema e à literatura. Depois das apresentações da praxe, jornalista para ali, editor para acolá, amigo de fulano e sicrano, os meus novos amigos não descansam enquanto não percebem quem sou e o que valho.
Como se eu não estivesse ali, e não falasse a mesma língua, ouço-os pelo canto da orelha a perguntarem o que faço, se estou em férias ou em trabalho, onde nos conhecemos, em que lugar da cidade estou hospedado, se conheço outras cidades do Brasil, enfim, uma lista de perguntas a meu respeito que não me são estranhas de outros encontros noutras cidades e noutros lugares com gente do mesmo meio.
Português no Brasil é sinónimo de piada. É verdade que os brasileiros têm um certo fascínio por Portugal mas as honras são devidas ao espaço europeu onde nos integramos. Mesmo para aqueles brasileiros que já visitaram o nosso país, e andaram a correr entre Lisboa, Sintra, Cascais e Fátima, Portugal continua a ser para eles um país de homens e mulheres baixinhos, vestidos de preto, com bigode, que educam os filhos à paulada e escarram para o chão.
Como não sou taxista, nem padeiro, nem barbeiro, os meus novos amigos querem ter a certeza de que eu estou ao nível deles e não desistem de me observar como se eu fosse um marciano.
Desta vez o teste durou cerca de duas horas. Terei passado no exame mais facilmente do que seria previsível devido ao meu amigo Bruno. Tinha 24 anos quando aportei ali na baía de Guanabara, diz, apontando com o dedo lá de cima do morro com a cidade aos nossos pés. Vinha de Itália, num barco de mercadorias, à procura de fazer uma carreira no cinema, e com tudo isto já lá vão 37 anos.
Enquanto os brasileiros, apesar da camaradagem, não largavam o tema dos descobrimentos, o desencanto com Portugal, a grandeza do Brasil e a vaidade das suas vidinhas, o Bruno vai contando como estão a correr as filmagens dos Capitães da Areia, uma adaptação do famoso livro de Jorge Amado.
Saímos do bar/estalagem por volta das quatro da manhã e atravessamos a pé o morro Tavares Basto como se estivéssemos a caminhar no Leblon a meio da tarde. A minha alma está parva, vou dizendo baixinho com os olhos fixos, lá do alto, na baía de Guanabara, enquanto o carro faz as curvas. A voz do Ben e dos seus saxofonistas ficou entre paredes. Escrito nas estrelas estão estas palavras atribuídas ao padre português Fernão Cardim (fins do século XVI): dentro da barra tem uma baía que bem parece que a pintou o supremo pintor arquitecto do mundo, Deus Nosso Senhor.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Deus nos livre do PSD


Sou amigo de um jornalista da velha guarda que ao longo de meio século de trabalho como jornalista foi director de várias publicações de âmbito nacional.
Numa conversa recente confidenciou-me que deixou de aceitar cargos de direcção há cerca de 5 anos por causa do tempo que perdia a caminho dos tribunais. Ou trabalhava naquilo que gosto e que é a minha profissão e a minha vida ou andava todos os dias a caminho do Ministério Público e dos tribunais, confidenciou-me.
A conversa veio a propósito, porque sinto cada vez mais por parte dos políticos a vontade de condicionar o trabalho dos jornalistas fazendo queixinhas por tudo e por nada ao Ministério Público com o argumento de que têm o seu nome e a sua honra em causa.
Mesmo que o Ministério Público faça bom trabalho e não acompanhe as queixas, como acontece na grande maioria dos casos, os políticos queixosos vão para a frente com acusação particular só para chatearem e, com os problemas que nos criam, condicionarem o nosso trabalho.
O caso Rui Barreiro é, até agora, o melhor exemplo na nossa vida de mais de 20 anos. Neste caso com a colaboração do Ministério Público, aliás, de uma magistrada, já que confundir a instituição com o mau trabalho de uma pessoa seria uma injustiça.
O caso mais recente, ou para falar mais verdade, um dos casos mais recentes, passou-se com uma senhora chamada Paula Carloto, ex-dirigente nacional do PSD que, em tempos, também foi autarca no Entroncamento.
O MIRANTE publicou uma notícia relacionada com uma inspecção aos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, que envolvia o seu marido e arquitecto no município lisboeta, notícia que também apareceu estampada nos principais jornais do país. A senhora não gostou, fez queixa ao Ministério Público, o Ministério Público entendeu não acompanhar a queixa mas a dona Paula Carloto não se deu como satisfeita e avançou com acusação particular.
Lá vamos nós mais uma vez para o tribunal por termos cumprido a missão de informar. Lá temos andado a caminho do tribunal e dos escritórios dos advogados para nos defendermos não vá o diabo tecê-las, como diz o povo e com razão.
Paula Carloto é daquelas figuras públicas que sempre se serviu da política e nunca serviu a política. Anda pelo PSD à procura de protagonismo para depois fazer como a grande maioria dos políticos da sua raça: esperar que o partido volte ao Poder para pedir a sua parte do quinhão quando chegar a hora de distribuir cargos públicos.
Esta gente da política não presta e envergonha-nos todos os dias. Temos uma classe política, ainda temos uma certa classe política, que não percebe que vivemos num mundo livre em que o direito à informação não pode ser condicionado com ameaças ou queixinhas. Deus nos livre do PSD que esta senhora representa. 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A literatura os amigos e o trabalho


“Só quem sabe muito tem coragem para confessar publicamente a sua ignorância”. Estou a citar um jornalista que escreveu recentemente sobre o poeta, crítico e tradutor, José Paulo Paes, dez anos depois da sua morte.
Um dia quis conhecê-lo. Acordei tarde demais. Tinha morrido há pouco meses.
Foi ele que traduziu os poetas que mais gosto de ler que escreveram noutras línguas: Aretino, Kavafis, Ovídeo e Seféris, entre outros. Paulo Paes era um poeta que praticava o ofício de tradutor. Ninguém como ele escrevia sobre literatura sem os habituais maneirismos académicos. Homem e escritor humilde, assumidamente de esquerda, cumpriu um dos mitos da formação das pessoas comuns, instruindo-se por conta própria em literatura e idiomas.
Com a crise que nos esmaga parece falta de respeito ocupar este espaço com assuntos ligados à literatura. Aparentemente escrevo para mim próprio. Faço o gosto ao dedo enquanto estou afastado do trabalho de jornalista gozando férias grandes.
Não escrevo estas crónicas com a pretensão de emocionar os leitores. Dou lugar neste espaço ao José Paulo Paes como dei à Dona Luísa Moutinho do Casal do Freixo. A literatura é conversa inteligente entre gente inteligente. A crónica é outra coisa, embora reconheça que há excepções na imprensa portuguesa que fazem da crónica, ou do artigo de opinião, importantes documentos da actualidade. Mas podem contar-se pelos dedos de uma mão.
Miguel Sousa Tavares é o maior de todos. E Francisco Moita Flores, ao domingo, no Correio da Manhã, também dá o exemplo.


Reencontrei há um ano Orlando Raimundo, ex-jornalista do Expresso durante vinte anos. Foi ele que a nosso convite foi à Chamusca realizar uma palestra sobre imprensa regional, precisamente no primeiro aniversário de O MIRANTE. As suas palavras ainda duram passados todos estes anos. E é bom reencontrá-lo no mercado a trabalhar na área regional.
Como o Orlando Raimundo é uma referência do jornalismo português, nomeadamente pelo trabalho que fez no Expresso, e pela qualidade dos livros que publicou sobre a nossa profissão, temos um amigo de volta que saudamos com afecto e reconhecimento, pela amizade que nos dedicou sem nunca pedir nada em troca.


O MIRANTE foi um dos expositores da Fercab - Feira de Actividades Económicas da Beira Interior que decorreu no passado fim-de-semana. A nossa presença num certame fora de portas é uma forma de divulgarmos o jornal, o nosso trabalho e a região que nos sustenta como projecto editorial.
Há muitos anos que ouvimos dizer que uma das razões para o nosso sucesso editorial deriva do facto de trabalharmos na região mais rica e desenvolvida do país. Concordamos. Com uma pontinha de orgulho e com vontade de continuarmos a fazer mais e melhor.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

As flores estão caras


No domingo ouvi dizer que as flores estão caras. Foi numa conversa familiar. Tirei a frase do contexto em que foi dita e reconheço que devem estar. Há mais de duas décadas que não vou ao cemitério homenagear os mortos com flores. Na segunda metade da minha vida também nunca dei uma flor a uma mulher, assim como se vê nos filmes, que imitam muito bem a realidade. Julgo que sei avaliar tão bem o valor das flores em cima de um caixão como sei o valor do gesto de entrar numa florista e comprar um ramo de flores para levar para casa e oferecer, em dia especial, a quem se ama. A verdade é que não pratico. Se tivesse que me alimentar da carne dos animais que eu próprio teria de matar deixava de comer carne. Por mim as flores morreriam todas na terra onde nasceram depois de terem colorido as manhãs e perfumado o dias.


É difícil falar de dinheiro quando se tem dinheiro. Andei à volta do tema do dinheiro para uma crónica que conta uma história muito especial que gostaria de partilhar. Mas não tenho verbo nem coração para falar de dinheiro e do valor do dinheiro. Eu tenho dinheiro. Jamais serei capaz de me colocar na pele de um homem que perdeu o amor da sua vida porque não se serviu, na altura própria, do dinheiro que tinha, pensado que lhe poderia fazer falta para outra altura. Imagine alguém que poupou muito dinheiro uma vida inteira para as alturas difíceis da vida e, quando chega essa altura, não usa o dinheiro e deixa morrer a pessoa que mais contribuiu para o amealhar? Esta história é real e passou-se com um amigo meu que, passados quatro anos, ainda chora o dinheiro que tem no banco e a morte da mulher que era a única companheira da sua vida. É caso para dizer, já que vem a propósito: as flores estão caras mas é só para algumas pessoas.


Por mais que nos esforcemos há pessoas que nunca conseguirão entrar no nosso mundo. Nem com mais amizade, nem com mais atenção, nem com melhores exemplos, mesmo que as nossas palavras tivessem a sensibilidade das pétalas das flores, ou os nossos exemplos de vida fossem os mais admiráveis do mundo. Haveremos de encontrar sempre pessoas no nosso caminho que são de outro mundo. O problema é quando esse mundo não é racional. O problema é quando encontramos pessoas no nosso caminho que parece que foram arrancadas, à nascença, das raízes de uma planta e vivem literalmente num jarro cheio de água.
Conheço muita gente que me faz lembrar os objectos esquecidos anos e anos em cima do mármore das campas. E a minha vida é uma luta para nunca me sentir uma flor nas mãos de alguém que gosta de oferecer flores mas, verdadeiramente, nunca gostou de flores nem sabe apreciar a beleza das flores.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Um exemplo de cidadania


A Dona Luísa Moutinho do Casal do Freixo, em Vialonga, foi à sessão de discussão pública do PDM de Vila Franca de Xira fazer o seu trabalho de casa desfolhando o rol de problemas que afectam os moradores em que ela se inclui com orgulho, há quase meio século.
Numa intervenção cheia de pronúncia, com a memória das matérias escritas em papel quadriculado, mas com os assuntos na ponta da língua, a Dona Luísa Moutinho falou durante cerca de vinte minutos para uma plateia que enchia o auditório do clube desportivo da terra. Embora os casos problemáticos do Casal do Freixo não tivessem nada a ver com o tema da sessão, e os interesses dos munícipes, a verdade é que a Dona Luísa Moutinho marcou pontos.
Senhora presidenta para ali, senhora presidenta para acolá, Luísa Moutinho viu-se em palpos de aranha quando chegou a hora de se dirigir ao vereador Alberto Mesquita, para o qual também levava alguns recados que tinham a ver com a vida difícil de quem mora no Casal do Freixo.
Como lhe deve ter ficado no ouvido, na apresentação dos membros da mesa, que Alberto Mesquita ocupa o cargo de vice-presidente da câmara, a Dona Luísa Moutinho não esteve com meias medidas; dirigiu-lhe a palavra e toca de o tratar por senhor presidente. Não tendo a certeza de que o trato estivesse a condizer com o estatuto do vereador justificou-se dizendo alto e bom som que se ele estava na mesa, que dirigia os trabalhos, ao lado da presidenta só poderia ser o presidente.
A gargalhada na sala foi quase geral. Mas não foi isso que a inibiu de continuar a contar as desgraças do Casal do Freixo que é um lugar desprezado pelos senhores da política que não têm em conta a qualidade de vida de quem lá mora há quase meio século e viu nascer a Vialonga destes novos tempos.
É sobre a gargalhada quase geral que quero falar. Rir faz bem à saúde. Sorrir faz com que o sangue circule melhor nas veias. Uma boa gargalhada pode derrubar uma muralha. Mas há alturas em conta que o povo não sabe do que ri quando ri de si próprio. E foi com essa sensação que eu fiquei quando a Dona Luísa Moutinho chegou ao fim do seu discurso e os membros da Assembleia de Freguesia de Vialonga, que estavam presentes na sala, deixaram de abanar a cabeça e de dizer em surdina “mas o que é que isto tem a ver com o PDM”.
De verdade não tinha. Mas de todas as intervenções que ouvi nas discussões do PDM de Vila Franca de Xira esta foi uma daquelas que mais me encheu as medidas. O resto não foi palha não senhor. Mas ouvi muita conversa rasteira que em nada contribuiu para os problemas do Casal do Freixo e das pessoas como a Dona Luísa Moutinho. Se todos os cidadãos cumprissem a sua parte, como ela cumpriu à sua maneira, outro galo cantaria na organização do nosso território e na preservação de uma certa qualidade de vida que os especuladores imobiliários destroem como quem faz a vindima todos os anos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Os que fazem a diferença


Uma das crónicas publicadas neste espaço esteve na origem de um telefonema de um político de Vila Franca de Xira que ligou indignado porque eu não estava a ser justo na minha opinião.
Não costumo reagir mal quando me ligam, principalmente para o telemóvel, nomeadamente quando é para falar de trabalho. Posso não estar disponível na altura e responder com poucas palavras, ou com o silêncio, se a conversa me cheirar a esturro. Mas depressa dou o braço a torcer. Ninguém vive sozinho, gosta de ficar a falar sozinho, pode governar sozinho e jamais será feliz isolado do mundo.
Mas é curioso como os políticos aparecem só quando muito bem entendem. E quando aparecem é para contestarem artigos de opinião. Na semana em que escrevi a crónica O MIRANTE publicava três páginas sobre o assunto da crónica. Quem me ligou ignorou o trabalho editorial que fizemos no concelho. A sua grande preocupação foi telefonar-me e chamar-me injusto. Não quis deixar o assunto apenas entre mim e os meus botões porque o achei uma boa introdução para deixar aqui um elogio que me parece justo.
As federações distritais do PSD e do PS de Santarém têm nesta altura dois presidentes que fazem a diferença. Vasco Cunha é um político de excepção a dialogar e a trabalhar. Pelo que vou sabendo também faz a diferença a dirigir. É guerreiro mas não é de guerras. É bom homem mas não é parvo. É aparentemente uma pessoa um pouco discreta demais para o exercício de um cargo político mas, com os anos que já leva de trabalho, a verdade é que está a fazer a diferença. E para melhor. Foi já no seu mandato que Moita Flores ganhou a Câmara de Santarém. Foi a partir da altura que tomou conta da distrital que o partido começou a comunicar. Chegam à redacção de O MIRANTE, em média, dois press por semana. E não é só propaganda. São actas de reuniões de trabalho, informações que ajudam a perceber como vai a actividade partidária no distrito.
Paulo Fonseca tomou agora conta da distrital de um partido que não sabe o que é comunicar com os jornais. O PS não existe como partido político no contacto com os órgãos de comunicação social. Mas se quisermos falar do político Paulo Fonseca a coisa pia mais fino. Compará-lo com o anterior presidente da distrital, António Rodrigues, é comparar alhos com bugalhos. Paulo Fonseca como político é educado, um homem de respeito, um Senhor no trato, um político que também faz a diferença.
O PS é um saco de gatos há muitos anos. Paulo Fonseca tem algumas responsabilidades uma vez que já ocupou o lugar e, na altura, não fez com que se notasse a diferença. O seu percurso como governador civil deu-lhe crédito e estatuto. Não admira que tenha convencido os seus camaradas que é a pessoa certa para o lugar certo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Duas feiras... duas políticas


Vem aí a Feira de S. Martinho na Golegã. Embora tenha boas recordações da feira de outros tempos reconheço que as alterações que a Feira Nacional do Cavalo tem sofrido nos últimos anos beneficiaram o certame e deram mais dignidade ao evento.
José Veiga Maltez, o presidente da câmara municipal, conhece bem a sua terra e as suas gentes, é um homem de bom gosto, e não facilita se tiver que optar entre a vontade popular e a sua convicção de que aquilo que ele pensa e quer é o que melhor serve a terra e as tradições.
Veiga Maltez conhece bem a vizinha Espanha e sabe como os espanhóis fizeram evoluir muitas das suas iniciativas tradicionais de forma a evoluírem para organizações mais profissionais e dignas de figurarem nos calendários internacionais, como é o caso da Feira Nacional do Cavalo.
A Golegã é um dos concelhos mais pequenos da região. Tem um orçamento minúsculo em relação a outros concelhos vizinhos. Mas quando toca a trabalhar, a organizar e a mostrar obra, o bom gosto e a prática dos bons costumes, a par da dedicação e do profissionalismo, são muito mais importantes que o dinheiro.
Em Santarém, só para dar um exemplo, nunca faltou dinheiro para nada. E veja-se no que se transformou a Feira Nacional de Agricultura; veja-se a miséria que os homens da CAP instalaram no CNEMA.
A guerra surda que Luís Mira e João Machado, os senhores da CAP, fazem à gestão de Francisco Moita Flores é um caso de polícia. Santarém está a ser roubada todos os dias e aquela administração usa o dinheiro da autarquia para promover guerras contra quem a representa e a dignifica.
Se há entidades que merecem ter uma palavra a dizer na Feira Nacional da Agricultura e Feira do Ribatejo é a Câmara de Santarém. Não os políticos de quem os senhores da CAP mais gostam. Não os pacóvios da política que eles manobraram durante muitos e muitos anos, de forma a servirem-se da feira e dos superiores interesses de Santarém e da sua população.
A Feira de S. Martinho é a festa que mais e melhor dignifica a região e mostra o que de melhor existe por cá. A sua organização não depende de interesses que passem ao lado dos superiores interesses do concelho. Ali o que conta são os interesses da Golegã, a dignificação do evento e, cada vez mais, os interesses da pequena economia local que aproveita para facturar. A pequena e acolhedora vila da Golegã transforma-se por alguns dias na capital portuguesa. Passam por ali milhares de pessoas. Portugal está ali representado no seu melhor (esquecemos, por agora, que o seu pior também lá estará, embora travestido). Nos próximos dias sou goleganense do coração. E vou provar a água-pé numa adega da vila para não perder o sabor dos meus verdes anos.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Os políticos locais e as políticas de proximidade


Tenho a pior impressão dos políticos que nos governam desde o Terreiro do Paço à Assembleia da República. Na casa da democracia o que não faltam são democratas que em vez de governarem o país trabalham para escritórios de advogados e acumulam lugares de administradores em grandes empresas que vivem dos negócios com o Estado e da  influência que os deputados têm junto dos governantes.
A Assembleia da República, a casa da democracia, é um ninho de empresários e administradores de empresas. Estou certo que, com uma boa divulgação pública sobre o trabalho extra dos deputados, o país entraria em estado de choque com os políticos que temos e com a rede de influências que eles representam.
Tenho a melhor opinião sobre os políticos de proximidade, nomeadamente os presidentes de junta, os eleitos das assembleias municipais e de freguesia, os presidentes de câmara. Num e noutro caso há, como é normal, as excepções que confirmam a regra.
Tenho assistido com alguma regularidade aos debates sobre o PDM (Plano Director Municipal) que  a autarquia liderada por Maria da Luz Rosinha resolveu levar a todas as freguesias do concelho. Na primeira jornada, que decorreu em Alverca, o debate foi uma desgraça. Em Vila Franca de Xira não foi muito melhor. Os políticos da oposição e os agentes da sociedade civil em vez de fazerem o trabalho de casa, e apresentarem e defenderem casos concretos, vão para as sessões fazer política pura e dura, com discursos muito bem elaborados e muito bem pensados mas, em nenhuma situação apresentaram um caso, um único caso, em que se tenha percebido que eles representavam os interesses dos munícipes prejudicados pelos eventuais erros ou omissões do PDM.
Os políticos locais são os guardiães dos interesses das populações. O que eles não puderem fazer por cada munícipe, em cada rua e em cada esquina do concelho, mais ninguém fará. Já vamos na sétima sessão e ainda não vimos um político local a pedir  a palavra para falar em nome de um munícipe, de uma associação ou de um grupo de munícipes, com os interessados atrás de si sentindo-se representados. Não é por acaso que os políticos de proximidade ganham quase sempre as eleições quando se recandidatam. Eles sabem falar com o povo, sabem aproveitar os mecanismos que os aproximam dos munícipes. Ao contrário, os políticos da oposição só sabem discursar e divergir. O problema deles é na rua, no contacto com as populações, na interacção com os munícipes, na forma como (não) passam a mensagem para fora.
As grandes questões do PDM de Vila Franca já estão decididas. Por isso é que é triste ver os políticos da oposição e os agentes das associações mais preocupados em exibir os seus dotes de polemistas que a pedirem a palavra para falarem em nome dos munícipes de forma a levarem a Carta a Garcia. 

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Jerónimo de Sousa no meu jardim


Há vinte e cinco anos uma das mulheres mais ricas da minha terra olhou da janela da minha casa para a rua, onde a vinte metros existe um jardim público, e desabafou: vocês são uns sortudos. Que sorte a vossa terem um jardim à porta de casa, um jardim tão bonito para usufruírem quando querem, sem terem que pagar a jardineiros nem fazerem contas às despesas com a água.
A pessoa em causa tinha um jardim espectacular, que eu conheci na infância, e onde imaginei muitas vezes que era ali que se encontravam os poetas e as musas, os cães de guarda e os faisões, os patos e os cavalos brancos, todos eles a competirem para terem direito a transportarem no dorso, uma vez por dia, a criança que eu era nos meus sonhos.
Realmente moro numa terra privilegiada e num local de que não me queixo. E confesso a minha felicidade por morar paredes-meias com um jardim e não com uma estrada nacional ou uma grande urbanização. Daí que tenha tomado boa nota da observação. E que nunca a tenha esquecido. O meu jardim à porta de casa, apesar de ser público, foi motivo suficiente para que alguém, que tinha um jardim privado, muito maior e mais bonito, não escondesse um certo sentimento que nos fez rir. Um sorriso que não foi espelhado porque a pessoa em causa era nossa amiga, estava com certeza a dizer aquilo com a melhor das intenções, e a sua idade e estatuto na altura também lhe permitia meter-se connosco e com a nossa sorte.
Vem tudo isto a propósito porque o tio Jerónimo de Sousa esteve no passado domingo no meu jardim a falar ao povo da minha terra em cima de um palanque acompanhado pelo presidente da câmara, Sérgio Carrinho. Foi lá dizer com toda a autoridade que o Sócrates anda a dar aos banqueiros, que dizem que estão falidos, o dinheiro do Estado que devia ser para apoiar a crise dos pobres. Há anos que as televisões e os jornais noticiam que os bancos têm lucros fabulosos com a ajuda, é claro, daquilo que nos roubam nos juros e nos arredondamentos e nas despesas. A economia dá um tombo, os banqueiros choram lágrimas de crocodilo, e lá vai o Governo a correr financiar os capitalistas. Dinheiro para os pequenos empresários, para quem cria emprego, para quem precisa de recorrer à justiça e aos serviços de saúde, isso é só para dois mil e troca o passo. Urgente, urgente é ajudar os banqueiros com alguns milhões.
Bendito Jerónimo. Nunca estive tão de acordo com ele. Que volte ao meu jardim logo que possa. É sempre bem-vindo. Mesmo trazendo atrás de si uns tipos em festa (o encontro foi logo a seguir ao almoço) que fizeram mais barulho que os pássaros do meu jardim logo pela manhã.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Os empresários que merecem prémios


Sou a favor da regionalização, ou descentralização, como lhe queiram chamar, e acho que nunca mais seremos um país próspero e mais justo se não acabarmos com o poder excessivo do Terreiro do Paço e estas divisões administrativas que só nos embaraçam e envergonham à luz do que se passa noutros países da Europa.
Vivemos na região mais rica do país. Estamos a dezenas de quilómetros de Lisboa, temos uma centralidade invejável, um vasto território cheio de pessoas e de condições para prosperar. Se não nos unirmos e não formos um pouco melhor do que temos sido como empresários, políticos e sociedade civil, bem podemos editar jornais, fomentar o associativismo, entregar prémios, que nem assim passaremos da cepa torta.
Não quero exagerar falando de O MIRANTE mas permitam que na hora em que estamos a premiar o trabalho e o mérito demos como exemplo o nosso trabalho uma vez que O MIRANTE, a partir de determinada altura, deixou de ter medo das distâncias que separam os concelhos. Quem faz a gestão de O MIRANTE acreditou que um jornalista que viva em Tomar pode perfeitamente unir-se a um que viva em Vila Franca de Xira e trabalharem integrados numa mesma equipa, debaixo do mesmo tecto, construindo um projecto que é exemplar a nível nacional e o maior fornecedor de mão de obra para as televisões, e para os seus programas da manhã e da tarde, precisamente porque somos a voz dos cidadãos e, depois do nosso trabalho, a que se chama jornalismo de proximidade, outras portas se abrem à divulgação e visibilidade dos acontecimentos.
Temos muitas razões para acreditar no tecido económico da região do Vale do Tejo. Mas falta massa cinzenta. Dou-vos um exemplo: não há empresários, nem políticos, nem activistas culturais a disputarem um espaço de opinião nos jornais da região para falarem sobre assuntos que interessem à generalidade das pessoas e que se ouçam ou leiam fora de portas.
Não há massa crítica suficiente no nosso meio. Mas a culpa não é dos empresários. Temos obrigação de estar atentos mas não podemos ser pau para toda a obra. 
Como todos eventualmente já repararam o pavilhão de
O MIRANTE na FERSANT tem algumas imagens de homens que foram premiados nas várias edições do Galardão. Alguns receberam com lágrimas este galardão e disseram que “parar era morrer” e, por isso, trabalhavam e continuaram a trabalhar para merecerem o prémio. Há ali pessoas nas fotografias que abracei e com quem falei de projectos de vida e de sonhos, apesar da idade um pouco mais avançada do que a minha. Alguns deles já morreram. Nada disso impede que estejamos aqui a festejar a vida e o trabalho. É esta iniciativa que permite que os recordemos. É o êxito do trabalho dos premiados e, ao mesmo tempo, o êxito desta iniciativa, que permite que os recordemos publicamente e que possamos ao longo dos próximos anos continuar a prestar-lhes homenagem. 



Este texto é parte de uma intervenção realizada no passado dia 10 na entrega do Galardão Empresa do Ano, que se realizou pela oitava vez, que também é notícia nesta edição.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O crime compensa


Ando empenhado em ajudar quem me ajuda a receber uma dívida que remonta aos anos de 2002 e 2003. O que oiço para justificar o calote é de bradar aos céus. O que me dizem para justificar o tempo que ainda vamos ter que esperar para nos pagarem deixa-me de mãos a abanar e de espírito perturbado. Oiço uma voz que me diz que tenho razão em pedir que os casos sejam denunciados ao Ministério Público mas logo a mesma pessoa adianta que isso não é possível porque a instituição iria à falência com uma chuva de auditorias que a tornariam ingovernável. “Se tivesses a cabeça formatada para as questões do Direito perceberias porque não é possível partir a loiça e chamar os bois pelos nomes e denunciar os irresponsáveis e os corruptos que estragam a nossa vida pública”, diz a voz amiga que tenta resolver-nos o problema.
Estou de regresso à minha secretária no jornal e não me apetece mexer uma palha. Minutos depois começo a entrevistar dois candidatos a jornalista para reforçarem a equipa de O MIRANTE. Um deles deixa-me como novo depois de dar a perceber que tem sangue na guelra. Lá em cima, na redacção, os jornalistas trabalham os últimos textos para mais uma edição. Chamam-me ao telefone para perguntar se quero dar uma vista de olhos no texto da última página e a minha resposta é não. Já estou a trabalhar para a edição das próximas semanas.
Nunca almocei no Solar dos Presuntos nem ao balcão do Gambrinuis mas vou com regularidade ao Rossio, em Lisboa, comer uma sopa à lavrador e um lombinho magro. Como de pé como toda a gente.
Há quase trinta anos que conheço aquele corredor restaurante com um balcão ao meio. Eu bebo uma cerveja preta sem álcool mas a maioria dos frequentadores bebem imperial ou vinho tinto.
É ali que aprendo a mastigar devagar para não engolir muito oxigénio e evitar os gases. É ali, àquele balcão onde come o vagabundo, o pobre e o remediado, que gosto de treinar o estômago para os momentos difíceis da vida.

No teatro das nossas vidas, regra geral, as sessões são de manhã, à tarde e à noite. Ali, naquele espaço que mais parece um teatro de bolso que um restaurante, as sessões são contínuas, começam e acabam com o nascer e o pôr-do-sol e, na grande maioria das vezes, a peça é para maiores de idade.
Tudo o que aprendi de importante à hora do almoço foi a comer de pé ao lado de gente que paga com trocados, estala a língua depois de saborear, e não tem que olhar para o lado se um arroto mais barulhento lhe sair da boca.
Esta crónica é dedicada ao senhor Josué, o homem que na passada segunda feira, antes de mandar vir a sopa à lavrador e um pastel de bacalhau, me cumprimentou respeitosamente depois de um reencontro que já não acontecia há uns bons anos.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Um elogio a Ricardo Chibanga


Um telefonema de Ricardo Chibanga para a redacção de O MIRANTE, brincando com uma situação em que fizemos dele personagem involuntária, fez-me recordar velhos tempos em que eu e o Alberto Bastos entrevistámos algumas figuras da região. Conto entre as melhores entrevistas que realizámos essa conversa com Ricardo Chibanga. E o que me levou na altura a pedir-lhe a entrevista foi um episódio caricato que agora posso contar sem qualquer prejuízo. Um dia estava no Café Central, à espera de vez para almoçar, e vi um daqueles empregados da velha guarda tirar o telefone do descanso e chamar o Ricardo Chibanga simulando que havia um telefonema para ele. Chibanga caiu no engano, como qualquer um caíria, e o resultado foram algumas risadas em surdina de que Chibanga não deu conta.
Nesse dia percebi melhor o quanto o toureiro da Golegã era um homem bom e excepcional, embora ingénuo ao ponto de ser uma vítima mais fácil de um empregado de balcão, que sentia prazer em o ridicularizar, do que no meio de uma arena no confronto com um toiro da ganadaria de Pinto Barreiros ou Manuel Veiga.
Se tenho boas recordações das corridas de toiros foi quando vi Chibanga de joelhos na praça de toiros da Chamusca e no Campo Pequeno, fazendo com o capote e a capa aquilo que provavelmente mais nenhum toureiro português fez até aos dias de hoje.
Não sei se Chibanga foi o nosso melhor toureiro de sempre. Foi certamente um dos maiores, um dos verdadeiros meninos pobres que se tornou num grande e admirado artista.
Por ser um homem humilde, artista no verdadeiro sentido da palavra, provavelmente nunca reivindicará para si uma estátua na sua Golegã adoptiva. Quem olhar para trás, para os últimos quarenta anos do toureio a pé em Portugal, não encontra outra figura do toureio a pé que mereça tanto uma homenagem como Ricardo Chibanga.
A brincadeira com o telefone no Café Central, já lá vão muitos e muitos anos, mexeu comigo. O telefonema recente de Ricardo Chibanga para a nossa redacção, a brincar com um suposto pedido de indemnização por termos cometido um erro, ingénuo mas imperdoável, a seu respeito, fez-me perceber melhor a dimensão dos seus valores como Homem e como cidadão.
Quem conhece bem o seu percurso sabe que a sua vida nunca foi fácil. Daria a um biógrafo uma grande história de vida. Quem soubesse conversar com a sua alma de africano e menino pobre, que um dia conheceu a fama e a fortuna, escreveria de certo um livro para a posteridade.
Tal como Eusébio, que ficará para sempre na memória dos portugueses, independentemente da cor clubista de cada um, Ricardo Chibanga será recordado um dia como um dos maiores toureiros portugueses de sempre. A forma como vai ser recordado é que dependerá de outras fortunas que não pertencem nem nunca pertenceram ao mundo elitista dos toiros. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Santarém vai estar na moda


Gosto muito da minha terra, da minha região e do meu país mas gosto ainda mais de me sentir cidadão do mundo. Um dia destes iniciei uma viagem de férias e comecei por Madrid onde, logo no primeiro dia, tive uma reunião de trabalho no Instituto Cervantes numa visita ao Cervantes TV.
O canal mostra algum trabalho de uma das maiores instituições do país vizinho cuja missão é divulgar por todo o mundo a língua e a cultura espanhola. Em Portugal existe uma instituição parecida chamada Instituto Camões.
Já vi dezenas de vezes representações das duas entidades em iniciativas ligadas à cultura em vários países e cidades do mundo.
Comparar o investimento espanhol e o português na divulgação da língua e da cultura dos dois países é comparar o céu cheio de estrelas a um ovo estrelado.
Dizem que a maior editora de língua portuguesa é espanhola. Não posso confirmar mas não é difícil concluir que sim. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde se realizam duas das maiores feiras do livro do mundo, os espanhóis estão presentes na sua máxima força. A grande representação portuguesa é a barraquinha dos doces com as queijadas de Sintra, os ovos moles de Aveiro e os pampilhos de Santarém.
Nos lugares mais imprevisíveis das grandes cidades encontramos o El País numa edição para toda a América Latina, para além de outros títulos nomeadamente de revistas em língua espanhola. Encontrar um jornal português no Brasil só nos aeroportos e nas mãos dos viajantes que acabam de desembarcar.
Tenho vontade de rir da cara que fazem os editores portugueses quando discutem o novo acordo ortográfico. E pelo que eu me rio imagino o quanto os espanhóis se divertem à nossa custa. Neste capítulo sou tão pessimista como José Saramago. E agora compreendo melhor por que é que os nossos vizinhos se empenharam tanto para que o português da Azinhaga do Ribatejo ganhasse o prémio Nobel.


Passei os últimos dois dias a passear por uma rua de S. Sebastian a namorar uma edição ilustrada de Afrodite de Pierre Louys, datada de 1917, um dos meus autores de culto. Já estou noutra cidade. O livro ficou na estante do alfarrabista. Tenho cinco ou seis edições diferentes deste livro e perdi a oportunidade de comprar a mais antiga, a mais completa e a mais bonita de todas as que já vi até hoje. Definitivamente sou muito mais leitor que coleccionador.


“Um dia destes Santarém vai estar na moda”. Tomei nota da frase a meio de um telefonema com alguém influente no Governo de Sócrates que reconhece o trabalho importante do actual Presidente da Câmara, Francisco Moita Flores.
Não sei se a moda vai pegar. O que eu sei é o que vejo quando salto de Burgos para Bilbao, depois para S. Sebastian, Vitória, Pamplona e Saragoza, que são apenas cidades médias de Espanha que estão organizadas e oferecem condições de vida de fazer inveja a qualquer portuga.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um político sinistro


Meu caro Amigo. Agradeço a sua carta e as críticas ao nosso jornal. Não lhe agradeço os elogios pelas razões que compreenderá. Aproveito esta coluna para responder a algumas das suas críticas com questões que, segundo me parece, você nunca percebeu no nosso projecto.
O MIRANTE é um jornal condenado ao sucesso porque aqui trabalha-se e só depois é que se reivindica. Na redacção de O MIRANTE não existe a paz dos altares. Se o tempo é de paz gozamos a paz. Se o tempo é de guerra vamos todos à guerra já que entre mortos e feridos alguém há-de escapar.
Diz o meu Amigo na sua missiva que não percebe porque somos distribuídos por toda a região dentro do saco do jornal EXPRESSO e mantemos o jornal na banca e a política de assinaturas. Claro que não percebe! Como poderia perceber se o seu “ofício “ é ler e criticar os jornais e não escrevê-los e distribuí-los ?!.
Não tem sentido o que me escreve relativamente ao socialista Joaquim Rosa do Céu.
Se houve pessoas ao longo destes últimos anos que foram beneficiadas politicamente pela linha editorial de O MIRANTE foi o actual presidente da Câmara de Alpiarça. Enquanto o PCP foi poder em Alpiarça O MIRANTE sempre fez jornalismo de contra-poder. Verdade seja dita: Raul Figueiredo e seus companheiros adoravam dar pau e costas. E daí até fazerem dos jornalistas de O MIRANTE os maus da fita foi um passo. Enquanto nós fazíamos o nosso trabalho os comunistas adiavam o deles. E o povo da terra, quando chegou a altura, votou na alternativa. Não tenho nada contra o socialista Rosa do Céu , mas que ele secou tudo à sua volta, isso é indesmentível; e que o homem tem a mania de perseguição, disso também não tenho dúvidas.
Se há coisas de que tenho a certeza é de que ele “odeia” o povo da sua terra. Aliás , ele odeia tudo o que é relacionado com o povo. Mas finge bem. E isso é que é importante em política.
NOTA : Quem ler esta crónica vai pensar que eu não gosto nem um bocadinho do socialista Rosa do Céu. Engana-se! Acho graça ao senhor. Aquele ar sério e pacóvio faz-me pena. Nomeadamente porque já convivi de muito perto com ele e convenci-me (ou ele convenceu-me) que não era lunático pelo poder. E não é. É só um político sinistro. Até prova em contrário.
NOTA 2: Esta crónica é parte de uma resposta a uma carta de um amigo de Alpiarça que vive em Lisboa. O socialista Rosa do Céu não tem culpa no cartório. Eu é que entendi “dedicar-lhe” o Prémio Imprensa Regional que vamos receber esta semana, atribuído pelo Clube de Jornalistas. Há por aí muita avestruz na política mas como o Joaquim Rosa do Céu não conheço outra. Daí a dedicatória que leva apenas o meu nome.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O meu nome é Joaquim


Foi uma semana de muito trabalho cá para o rapaz. Ficaram por editar, para sempre, duas belas crónicas escritas na areia para que sobrasse espaço para este rascunho. Suei as estopinhas para endireitar alguns textos que estão algures paginados nesta edição. Perdi a paciência com um daqueles jovens kamaradas de trabalho que tinha a voz sempre mais alta que a minha e achava que não havia limites para a falta de respeito. Outro kamarada mais cá da idade do rapaz escreveu-me cheio de boas intenções e eu senti-me a aprender a somar dois e dois como quando entrei para a escola do Manuel Barroso. Estou a ficar velho e azedo para perceber a linguagem dos mais novos e para esperar pelos da minha idade que ficaram pelo caminho. Mais uns anitos e serei o perfeito relógio de repetição. Vou ter que cuidar da máquina. Ou eu não me chame Joaquim.
Esta semana recebi resposta a uma crónica publicada há uns meses. Alguém do outro lado do Atlântico andava a pesquisar na net e deu conta da minha vontade de ler o Toiro Azul e O Menino da Mata e o seu Cão Piloto. Os textos já chegaram em PDF. Já os li e reli. É tudo um pouco diferente daquilo que o meu avô me contou. Mas está lá em letra de forma toda a fantasia dos contos para crianças.
E até a criança que eu fui renasceu por breves instantes.
Daqui por umas semanas há-de sair nestas páginas uma entrevista com um dos homens que eu sempre quis entrevistar e nunca tinha conseguido. Fui para o nosso encontro com a sensação que ia ser a entrevista mais difícil da minha vida de jornalista. Afinal foi muito mais fácil que um dia de trabalho normal numa redacção com uma dúzia de gatos. A vida é uma caixinha de surpresas. O problema é resolver as questões da vidinha. A maldita vidinha que nos obriga, a seguir a uma agressão a murro, a dar-mos ainda a outra face à bofetada.
Agora vou de férias. Hei-de regressar pois vou viajar na TAP e o destino é já ali do outro lado da fronteira. Nunca viajei para tão perto com um programa para tanto tempo. Deixei um recado no telemóvel e na caixa de email para os meus amigos. Se precisarem de mim e quiserem ir à minha procura ainda é mais fácil encontrarem-me numa cave a ouvir jazz do que num bordel ou num convento a tratar do juízo com os olhos pregados no tecto (ou na cruz).

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Um crime no Tejo


No passado domingo, ao final da manhã, percorri de moto durante cerca de duas horas, o campo e a charneca da minha terra. Como viajo numa moto de todo-o-terreno, apesar dos 6oocc, ligo mais ao perigo que encontro na areia, nas curvas apertadas, nas pedras soltas dos caminhos, do que aos números do conta-quilómetros. O prazer é ultrapassar os obstáculos e não o limite de velocidade.
Na hora em que morria um pescador num areeiro do Porto do Carvão, na Chamusca, andava ali por perto a gozar o prazer de poder usufruir de um rio que corre quase à porta da minha casa. Perto do local onde morreu o pescador também eu ando muito a pé procurando pedras do rio matando o tempo e puxando pelo físico.
Não sei verdadeiramente o que esteve na origem da morte do infeliz pescador que veio de Ourém morrer à porta da minha casa. Mas sei que aquela exploração de areia devia estar vedada de forma a não causar acidentes. Aquele lago artificial criado pela exploração de areia é um atentado, uma armadilha para o cidadão, um crime no meio do leito de um rio que corre lento e encostado à outra margem quase a meio quilómetro de distância.
O grande lago do Porto do Carvão, onde morreu o pescador, devia estar protegido com uma vedação e com sinalização adequada a proibir a pesca e a aproximação de pessoas. As empresas de extracção de areia não podem usar o leito do rio como se fosse propriedade particular. Os cidadãos precisam que as autarquias cumpram o seu dever de fiscalização e obriguem os areeiros a implementarem regras de segurança em todo o perímetro das explorações. Quem procura o rio para os seus momentos de lazer não pode ser vítima de acidentes deste género.
Daqui por alguns dias já ninguém se lembra da morte deste homem. Os areeiros instalados no leito do rio vão continuar o seu negócio milionário fugindo ao investimento a que deveriam estar obrigados para protegerem os cidadãos e a própria natureza do espaço.
Este caso podia ser evitado. Há muito tempo que olho para aquele lago artificial e pergunto como é possível fechar os olhos àquela realidade.
Guardo tristes recordações de amigos de escola que morreram afogados nas águas do Tejo. Hoje, quando dou um mergulho, sei que o leito do Tejo mudou muito nos últimos anos e é muito mais seguro do que no meu tempo de criança. Sei exactamente onde a água corria de forma perigosa e os meus amigos perderam a vida. Como o Tejo ficou menos perigoso vieram os empresários de extracção de areia armadilhar o melhor lugar do mundo para passar uma tarde à pesca ou a apanhar gambozinos. Provavelmente os donos desta empresa passam os dias de verão à beira de piscinas privadas, em iates no meio do mar ou nas suas quintas com muros mais altos que muralhas. É o país que temos e estes são os empresários que merecemos.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

É difícil ser prior de freguesia


Viver num meio pequeno obriga-nos a conhecer de perto a vida de muita gente. Muitas vezes são coisas que não nos interessam mas que mexem com os nossos sentimentos. A pequena comunidade que nos rodeia, por estar tão próxima da nossa porta de casa, acaba por ser a nossa segunda família. Sem querermos estamos a ser informados quase diariamente do estado de saúde de uma pessoa que começou a bater mal da cabeça, ou de alguém que apareceu com uma doença da moda, ou ainda de um conhecido que ainda ontem passou por nós e acenou com a mão e, no dia seguinte, já está a fazer tijolo. Muitas vezes sem querermos estamos a viver o drama da vida dos outros retirando sossego ao ambiente que existe na nossa casa. Aquilo que parece uma conversa banal acaba a incomodar-nos por ser tão triste e imprevisível. Ultimamente, por razões que não interessa explicar, tive conhecimento de zangas entre algumas famílias que me deixam perplexo. Falo de famílias da classe média alta, gente com estatuto na comunidade, que ainda há poucos anos formavam clãs verdadeiramente influentes e que até serviam de exemplo na missa de domingo.
A morte repentina de um membro forte da família ou, em muitos casos, dos dois membros mais importantes da família, deita por terra um amor e uma amizade entre irmãos, primos e parentes, de tal forma que a seguir ao amor vem o ódio mais indesejado.
Quase sempre a origem destas guerras entre familiares, que perdem as suas referências em termos de líderes, derivam das questões à volta da partilha dos bens. O ouro, as terras, as acções, e os prédios valem sempre muito mais do que a memória da infância, as recordações das ceias de natal, as férias na praia, as solidariedades nas alturas da vida mais difícil quando faltava a saúde ou o dinheiro. E o sangue, que dantes corria nas veias, e parecia suficiente para cada um dar a vida pelo outro, transforma-se em veneno. Já não há um médico de família mas um juiz de família. Já não há uma casa de família mas um tribunal de família. Aquilo que foi comprado com tanto sacrifício ao longo de anos, e que devia ser sagrado, de repente transforma-se no mais amaldiçoado dos patrimónios. Há quem prefira ver o castelo da família no chão que um seu irmão feliz entre as muralhas. Há quem prefira morrer pela conquista de mais um hectare de terra que gozar o resto da vida a cuidar dos dez hectares que já comprou ou lhe deixaram em herança.
É difícil ser prior na minha freguesia. Se eu estivesse no lugar do prior juro que lhes dava um sermão em todas as missas de domingo. Se não resultasse fechava-lhes a porta da igreja nas trombas que é o que eles todos merecem.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

“Tudo é simples diante de um copo de água”


“Tudo é simples diante de um copo de água”. A frase é do poeta Carlos Drummond de Andrade, vem citada num jornal desta terça feira e parece escolhida a dedo para justificar a troca da foto do autor por uma outra que não consegui reconhecer. Para o poeta tudo é simples diante de um copo de água mas para o jornalista que escolheu a frase a troca da foto deve estar a dar-lhe água pela barba junto do editor.
Conheço bem a obra poética de Drummond e as suas mil crónicas para saber que ele nunca fez contratos com a NOVIS para ser enganado como eu fui por uma letras miudinhas que a operadora mandou imprimir num contrato leonino, que assinamos em Fevereiro de 2007, e que agora vamos ter que cumprir até Fevereiro de 2009, embora a fidelização dos serviços tenha sido combinada para doze meses.
Conheci bem o poeta Drummond para saber que ele nunca precisou da VODAFONE nem dos descontos empresariais para tornar mais baratas as chamadas telefónicas nos jornais onde escrevia. No O MIRANTE a guerra tem vários anos. A sensação que guardo é que sempre fizemos maus negócios. A fidelização durante os últimos anos tem-nos custado os olhos da cara. Se Drummond tinha carro de certeza que nunca passou por Almeirim, e nunca levou com uma carrinha Mercedes em cima, e o seu carro nunca teve que ir para a sucata como foi um dos nossos. Escrever que tudo é simples diante de um copo de água só lembrava a um poeta que não tem que negociar uma indemnização com a companhia de Vitória Seguros.
Tudo é simples diante de um copo de água para quem não tem que gerir as contas da via verde e dos cartão galp frota, as contas das oficinas, da publicidade facturada a empresas que desaparecem do mapa de um dia para o outro; tudo é simples diante de um copo de água para quem não paga juros à banca; para quem não tem que negociar empréstimos, e juros para a conta caucionada, e para a conta dos cheques pré-datados, e para o factoring, e o confirming, e condições para as contas bancárias para descontos de letras, entre outras, entre muitas outras negociações que não são exactamente como aquelas que nos encham a boca de palavras quando falamos à gato fedorento .
PS 1: Acabo de deixar no computador, para alimento das estrelas, mil palavras sobre a vitória do Sporting sobre o Porto e o medo que tenho de encontrar nas bancadas do estádio José Alvalade o vereador da câmara de Santarém, Rui Barreiro, ou o ex-presidente da ex-região de Turismo do Ribatejo, Carlos Abreu, e perder de forma irremediável o grande amor pelo meu clube de sempre.
PS 2: Apesar do avanço da idade ainda não perdi a esperança de iniciar uma carreira na banca, nos seguros, nas telecomunicações ou na política, que deve ser o ofício onde tudo é ainda mais simples diante de um copo de água.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

“Este fanático das nuvens”


Uma noite da passada semana, antes de adormecer, saltei da cama para o sofá da sala. Desci ao rés-do-chão poucos minutos depois de ter subido ao primeiro andar e fui cumprir um ritual que era preciso cumprir nessa noite. Incluído no ritual estava a leitura do livro que trazia debaixo do braço nessa altura,“Este fanático das nuvens”, de René Char, com tradução de Ivete Centeno.
Cerca de duas horas depois, quando voltei a subir ao quarto, com uma vontade enorme de fechar os olhos e dormir, senti um cheiro a fumo no corredor que me fez andar a farejar por toda a casa. Depois de sossegar em relação ao que mais me preocupava, dirigi-me ao meu quarto e percebi que o cheiro a fumo vinha da rua. Espreitei pela janela, que estava aberta, e vi como o fumo saía da janela do meu vizinho que distancia cerca de dois metros da minha.
Vesti-me a correr e saí para a rua. A fumarada tinha aumentado. A casa do vizinho parecia deserta. Corri para chamar os bombeiros, que têm quartel a cem metros da minha casa e, depois de dar o alerta, voltei ao local do fogo. O fumo tinha dado lugar às chamas. No meio da casa parecia que alguém tinha acendido uma fogueira. A fogueira parecia querer furar a madeira do tecto e beijar as telhas de canudo. Voltei aos bombeiros e dei o alarme pela segunda vez. Pensei: enquanto corro e grito por socorro não fico nas mãos da cruel sensação de ver começar a arder a minha própria casa.
Dez minutos depois o assunto estava resolvido. O meu vizinho acordou, com o insistente bater na porta da sua casa, a tempo de evitar o pior. Os bombeiros chegaram logo a seguir e fizeram o rescaldo.
Adormeci muito depois das quatro da manhã mas ainda voltei ao René Char e à memória de há 15 anos atrás, quando li “Furor e Mistério” pela primeira vez numa cidade do mundo, precisamente numa noite mal dormida pela ansiedade e cansaço de uma longa viagem. “Este fanático das nuvens” tem alguns poemas desse volume. Acabei por reconhecer alguns deles e por isso me entusiasmei com a leitura. Fiquei a dever a um grande poeta e aos segredos da sua poesia, que redescobri pela noite dentro, o milagre de não ter a minha casa sem telhado e um, dois ou três tanques de água a correrem do soalho para a rua depois de deixarem um rasto de destruição. Quanto ao meu vizinho nunca mais falei com ele. Um dia destes vou oferecer-lhe um livro de poesia para ver se ele, em troca, me dá um melão daqueles que vende à beira da estrada.
“Recomendo-te a prudência, a distância. Desconfia das formigas satisfeitas. Cuidado com os que se dizem seguros porque pactuam. Nem sempre é fácil ser inteligente e ficar calado, contido e revoltado”. “Não compreendo e se compreendo aquilo que descubro é aterrador. Só se pede de empréstimo o que se pode devolver aumentado. Ninguém acredita na boa fé do vencedor. Na minha terra agradece-se”. (excertos de alguns poemas de René Char).

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Uma pega com dedicatória


Da festa dos toiros o momento que mais gosto é o da pega de caras. Ou da pega de cernelha que é ainda mais uma arte maior. Lamento por isso que numa boa parte das corridas a que assisto os forcados façam figuras cada vez mais tristes antes da concretização da pega.
Guardo de memória a dedicatória de algumas pegas que foram um verdadeiro espectáculo dentro do próprio espectáculo. Foi noutros tempos quando os forcados enchiam a praça com o barrete na mão, dirigiam-se às bancadas e, da arena, com uma voz que se ouvia por toda a praça, dedicavam a pega à mulher mais bonita da assistência que, na maioria dos casos, era a mulher da sua vida, a namorada ou a jovem a quem procuravam conquistar o coração.
Ou sou eu que ando com azar ou não consigo assistir a uma corrida com um forcado a escolher, entre o público, uma mulher bonita para oferecer a pega. Ultimamente nem às suas namoradas. O que eu vejo hoje, cada vez com mais regularidade, é os forcados cumprirem pobres rituais estabelecidos, oferecendo pegas a amigos dos copos ou, num ou noutro caso, a figuras oficiais. Na maior parte das vezes oferecem as pegas a si próprios que o mesmo é dizer a elementos do seu próprio grupo ou dos grupos que actuam na mesma corrida.
Não percebo como a forcadagem encara com tanto desportivismo e falta de seriedade tudo o que antecede uma pega. Sinto-me envergonhado quando vejo os forcados entre tábuas a abraçarem-se uns aos outros fazendo dedicatórias sem qualquer sentido para o público presente. Dedicar uma pega deve ser um acto poético que deve marcar o momento mágico que antecede a pega. O forcado deve passar para as bancadas o simbolismo da dedicatória, a força da expressão de quem dedica um acto de coragem que pode custar-lhe a vida, a si e aos seus camaradas. A festa da pega do toiro deve começar logo que o forcado salta a trincheira como, aliás, dá bom exemplo, o melhor que vi até hoje, o forcado Gonçalo Veloso dos Amadores de Santarém.
Pegar um toiro não é um acto suicida. Quando os forcados entram na praça sem cumprirem os rituais estabelecidos, e o elemento da cara corre para o boi como a querer ganhar tempo para não se mijar de medo, a pega de um toiro passa a ser uma violência. Ter medo é uma coisa. Ir borrado de medo para a frente de um toiro é outra coisa bem diferente. E devia ser motivo de crítica.
Não digo que uma coisa tenha a ver com a outra. O forcado até pode dedicar a pega à mulher mais bonita que está sentada nas bancadas e, logo a seguir, correr para a cara do toiro contrariando tudo o que deve ser a sua postura em praça. Mas que isto anda tudo cada vez mais ligado. Ah!!, disso não tenho dúvidas.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Voluntário…mas pouco


Fui a Moçambique há cerca de quatro anos e quando regressei jurei que haveria de voltar para cumprir um sonho e uma missão: voltar ao território onde descobri pela primeira vez a África profunda e oferecer durante algum tempo o meu trabalho como voluntário numa das muitas organizações que trabalham no território.
Já vi muita miséria e muita fome. Como em Moçambique nunca tinha visto igual. Passei alguns dos melhores momentos de férias naquelas praias paradisíacas. Viajei com pessoas que nasceram lá e que regressavam aos mesmos lugares muitos anos depois. Assisti a encontros com o passado e, com a memória que tinha dos retornados das ex-colónias, quase que senti na pele o drama dos milhões de portugueses que viveram na pele a época da descolonização.
Fui incentivado por um médico, que fazia parte da minha comitiva, a cumprir a promessa de voltar como voluntário para ajudar a minorar o sofrimento daquele povo. Sei que ele voltou pouco tempo depois e foi cumprir o prometido.
Guardo na memória a visita a algumas escolas onde não havia sequer cadeiras para as crianças se sentarem. Sentavam-se ou deitavam-se no chão e escreviam em cadernos que pareciam recuperados do lixo. E, num almoço que nos serviram no meio do mato, vi crianças ao colo das mães que eram literalmente comidas em vida pelas moscas. Não conto mais porque as imagens da televisão e do cinema mostram todos os dias o que eu jamais conseguiria descrever com palavras. Foi nessa altura que me lembro de ter tremido só de pensar como seria viver ali dois ou três meses naquele convívio com o sofrimento e com a mais cruel de todas as realidades que é o desprezo pela vida.
Durante alguns meses troquei ideias sobre o assunto com alguns amigos que me acompanharam e fui revendo os contactos que tinha na minha agenda. No meio do vendaval que é a vida, de repente, dois familiares muito próximos ficaram sozinhos e a precisarem da minha ajuda. Assoberbado com o trabalho comecei a sentir dificuldades em sair a meio da tarde para lhes prestar a ajuda que eles precisavam e ainda precisam nos dias de hoje.
Quando tenho que roubar um dia ao trabalho para uma consulta médica, para comprar medicamentos ou,  até, para uma simples visita de conforto, parece que o tempo nunca chega e o trabalho fica todo por fazer.
Certos dias, quando regresso dessa pequenina missão de dar uma hora, ou uma parte do dia, ao meu dever de filho e sobrinho, lembro-me das promessas de me oferecer como voluntário para acções de solidariedade em Moçambique e penso no tamanho do meu egoísmo. Nada que eu não vença com espírito de missão e com a certeza de que não nasci para cruzar os mares. E ainda com a firme convicção e desgosto de que o meu grãozinho de loucura, com o passar dos anos, ficou muito mais pequeno do que eu verdadeiramente sempre desejei.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Bater no ceguinho


Fui amigo do ex-presidente da Câmara de Santarém, Miguel Noras e, na altura em que ele mais precisou de solidariedade estive do seu lado contra tudo e contra todos. Cheguei a dizer-lhe que se fosse necessário empenhava as minhas barbas para o defender. Noras não se fez rogado e, nestas páginas, mandou cacetada que até ferveu contra Rui Barreiro e quem na altura procurou descredibilizá-lo. Já não tenho o mesmo relacionamento com Miguel Noras, por razões que se perceberá (eu sou jornalista a tempo inteiro e ele é político profissional) mas procurarei manter até ao fim da vida o espírito da solidariedade que na altura resolvi dar-lhe.
Um dia, se alguém escrever a história da nossa região com o que se publicou nos jornais, aproveitando a voz dos jornalistas, ninguém nos poderá acusar de termos sido jornalistas sem causas, sem amigos e sem músculo para mostrar. Não sou nem nunca fui capacho de ninguém. Quem mexer com a minha honra vai conhecer-me até a boca lhe saber a veneno que é exactamente assim que fica o meu sangue.
Se o nosso trabalho contribuiu ou não para que Rui Barreiro perdesse as eleições isso só a História o dirá. E, neste caso, também os tribunais uma vez que o ex-presidente resolveu fazer dos jornalistas de O MIRANTE o bode expiatório das suas derrotas.
O assunto vem a propósito porque na última sessão do julgamento, que decorre no tribunal de Santarém, Miguel Noras esteve à altura e repetiu tudo aquilo que é a nossa maior defesa e que prova o quanto fomos uns inocentes a escrever sobre Barreiro. Realmente, o político (zinho) que Rui Barreiro foi, e ainda é, podia ter sido um saco de porrada e nós todos apenas lhe demos umas palmatoadas.
Não é este o lugar para citar as palavras de Noras mas quero deixar um exemplo que ilustra bem algumas das canalhices que os seus camaradas lhe fizeram e até onde podia ter ido o enxovalho se, na altura, ele não tivesse uma tribuna para se defender.
Rui Barreiro trouxe de Lisboa uma funcionária que requisitou ao Ministério da Agricultura de quem fez o seu braço direito. Conheci-a bem porque ela ouviu de mim aquilo que os cães não gostam de ouvir quando, também ela, tentou intimidar-me.
Noras recordou agora em tribunal que essa senhora tinha um “espírito fabuloso” já que chegou a falar dele, que tinha acabado de exercer o cargo de presidente da câmara durante dez anos, e era presidente da assembleia municipal, como “um tal Noras que teria sido desenhador da autarquia”.
Isto é o texto de uma crónica não é um ajuste de contas. Mas passados sete anos destes acontecimentos continuo a vivê-los como se se tivessem passado ontem. E sinto cá dentro um grande orgulho por não fazer parte da carneirada que escreve de encomenda e que está sempre do lado dos mais fortes desde que estes tenham o dinheiro e o Poder.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Um dia vou deixar de fumar (2)


A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Salvaterra de Magos entrou numa pobre casa de família à uma e trinta da madrugada para levar para um orfanato três crianças de 3, 7 e 12 anos a pretexto das más condições de habitabilidade do casal e dos seus três filhos.
Tenho amigos que me dizem que a comissão é composta por gente boa e muito responsável. Fico ainda mais surpreendido como é possível alguém, humano e bondoso, reunir-se a um aparato policial enorme e levantar da cama, quase às duas da manhã, três crianças que já dormiam desde as nove da noite. Imagino a cena e não posso deixar de ver a Marília e o Joaquim Manuel, gente pobre mas honrada, a perguntarem a Deus mas afinal que gente é esta que por bondade leva os filhos dos outros às horas em que os lobos atacam sabendo que o que os espera são cordeirinhos indefesos.


Num breve poema de meia dúzia de versos Mário Quintana escreveu que “Deus é muito mais simples que as várias religiões”. Eis como um verso nos diz quase tudo sobre os que usam e abusam da palavra de Deus. Como a Obra Poética de Mário Quintana é a minha leitura de cabeceira, e é rica em versos sobre as coisas mais simples roubadas à palavra de Deus, fiquei a pensar como é possível alguns filhos da mãe acharem que o uso do preservativo é contra a vontade do Senhor, ou outros filhos da mãe, por causa de uma suposta vontade de Deus, preferirem ver um filho morto do que salvo por uma transfusão de sangue, ou ainda outros filhos da mãe, como eu também sou, só se lembrarem de Santa Bárbara quando faz trovões.


Recentemente um Juiz olhou-me nos olhos durante um julgamento e, em jeito de provocação, perguntou-me se não era já tempo de mandar imprimir as páginas do jornal à medida dos processos judiciais de forma a facilitar o manuseamento e a respectiva consulta. Respondi com um sorriso mas tomei boa nota. Um dia conto mais. Estamos a falar de um processo, que o Ministério Público acompanhou, onde não existe mais do que o mais livre e inocente exercício do direito à informação e à critica. O problema é que o Ministério Público tem vários rostos e nem sempre se interessa pelos valores mais altos da democracia, pela defesa dos valores consignados à sociedade civil antes de os escrutinar em nome de políticos inábeis e ignorantes, oportunistas e irresponsáveis, que são a vergonha do poder democrático.


Como sei que os leitores desta coluna são fiéis aqui vai o parágrafo que não saiu no final do texto da passada semana e que dava título à crónica.
Há pessoas para quem o vício de fumar é uma tragédia. Para mim não; fumo pouco mas com muito prazer e cada cachimbada sabe-me que nem ginjas. Tenho a certeza que vou deixar de fumar muito antes de chegar à idade da minha amiga Maria Teresa Gama.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Um dia vou deixar de fumar


Coruche é a minha segunda terra. Sempre que me vejo perdido algures no mundo lembro-me de Coruche por ser uma vila tão cheia de luz e ao mesmo tempo tão secreta. Dizem que Cachoeiro, no Brasil, é a cidade mais secreta do mundo. Para mim ainda é Coruche.
Passei os últimos vinte anos a atravessar a vila a caminho do Alentejo e em visitas pontuais de trabalho ou de lazer. Mas, sempre que penso num lugar para descansar, passear de mão dada ou reencontrar-me com as memórias da infância, lembro-me de Coruche e invento uma história.
Há 22 anos que foi morar para Coruche a minha amiga Maria Teresa. Reformou-se com 62 anos do emprego de escriturária da Casa Amaral Netto e fixou residência em Coruche onde vivia e ainda vive a sua filha e genro.
Há mais ou menos vinte anos que sei onde ela mora e vigio a sua casa à distância. O tempo passou e bater-lhe à porta foi sempre um projecto adiado. Na passada sexta-feira cumpri o prometido. Seria hipócrita se dissesse que me lembrei dela todos os dias durante mais de duas décadas. Há certos dias que até me esqueço de mim próprio. Mas durante todos estes anos não só vigiei a sua porta à distância como fui sabendo regularmente como a Maria Teresa andava a fazer as curvas da vida que nada têm a ver com as curvas da estrada que nos levam até às terras de Nossa Senhora do Castelo.
Foi por ser seu amigo e admirador, e por querer prestar-lhe uma homenagem com um pequeno texto, que tomei consciência que tinha capacidades para fundar um jornal na minha terra, que fosse uma alternativa ao jornal local.
Há mais de vinte anos que visitava Coruche, ou passava por Coruche, e não tirava os olhos da porta da minha amiga Maria Teresa. Desta vez bati à porta e entrei. E estive com ela de mão dada conversando sobre o que é possível as mãos dizerem umas às outras.
Não foi um reencontro emocionante confesso. No meu coração ainda vive a Maria Teresa de outros tempos. A Maria Teresa sempre foi uma mulher discreta, tão ou mais discreta que um malmequer do campo. Com ela, que sempre me fazia lembrar a fragilidade dos malmequeres, aprendi também que andar em bicos dos pés é coisa para bailarinos e não para gente comum como eu e ela sempre fomos.
Na passada sexta-feira, depois de almoçar com um amigo no melhor restaurante de Coruche, que por acaso foi inaugurado recentemente, sentei-me à camilha com a minha amiga Maria Teresa Gama e conversei com ela sobre personagens de romances que é disso que a nossa cabeça se enche quando já não aguenta mais esta vida de ficção em que a maioria de nós anda metido uma vida inteira para nada.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

A terra e as suas gentes


Gosto da cidade de Vila Franca de Xira por ser a mais cosmopolita das cidades ribatejanas. Um dia da passada semana almocei, sozinho, no restaurante do senhor Pedro Miguel Gil e esqueci-me durante quase duas horas que vivia um dia normal de trabalho. Comi que nem um lorde e associei-me, em espírito, a um grupo de franceses que comiam e bebiam perto de mim como se estivessem sentados à mesa do rei. No final da refeição ainda roubei alguns desabafos de vida ao senhor Pedro Miguel Gil que, goste-se ou não da sua personalidade, é uma figura que com o seu trabalho e dedicação à Residencial Flora vale por muitos coletes encarnados.
Há muito tempo que não comia gamboa assada à sobremesa. Se bem me lembro foi na outra reencarnação. Gosto de gozar comigo próprio nestas alturas em que percebo que há mais mundo que os habituais dez metros quadrados da minha sala de trabalho onde passo as melhores horas do dia.
Meia hora depois de perceber como estamos todos guardados para o mesmo, nas palavras com setenta e cinco anos de idade do chefe Pedro Miguel Gil, estava a falar com o senhor Bernardes, da Predial – Xira, outra figura da cidade que tem sempre uma história para contar, um conselho para dar, uma sugestão para uma reportagem, um elogio para os jornalistas da redacção de O MIRANTE. Mais meia hora de conversa a ouvir a voz da experiência e do trabalho e estava tudo explicado: estes homens pertencem a outro mundo; quando morrerem também vão para debaixo dos torrões os usos e os bons costumes de uma geração que vai deixar saudades.
A cidade, às quatro e meia da tarde de um dia de Junho, não dorme a sesta nem se esconde à sombra dos toldos das lojas. Fervilha de gente e, para mim, que deixo sempre o carro estacionado à entrada da cidade, nem as filas de automóveis me prejudicam a visão de uma terra que marca a diferença a poucos quilómetros de Lisboa com uma qualidade de vida que eu gosto.
Desta vez fui acabar a digestão do almoço sentando-me numa esplanada na Praça Afonso de Albuquerque, também para ver cair a tarde à sombra do pelourinho. Mas a cidade tem muitos cafés e esplanadas onde marca a diferença em relação a outras cidades da região.
Esta semana a cidade de Vila Franca vive a festa do Colete Encarnado. Vou passar por lá como faço todos os anos para respirar o ambiente e sentir-me mais perto das raízes. Sei que a festa divide muita gente e cria rivalidades. Tenho a grande vantagem de não morar no concelho e de poder sentir sem ponta de ciúme o orgulho de ser ribatejano, na Chamusca, Azambuja, Benavente ou Vila Franca de Xira.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Todos somos escravos dos banqueiros


Em toda a minha vida de trabalho posso dizer com propriedade que nunca juntei dinheiro. Nos últimos dois anos resolvi começar a fazer um mealheiro. Passados trinta anos, depois das humilhações que sofri ao balcão da instituição bancária da minha terra para conseguir pequenos empréstimos, sinto-me outra vez nas mãos dos banqueiros que me pagam os juros que eles muito bem entendem e querem.
Escrevo sobre este assunto mas confesso que já me habituei a serenar a alma na relação com a banca. Graças aos governos socialistas e social democratas todos somos escravos dos banqueiros que, por sua vez, são donos dos escravos, dos amos dos escravos, dos traficantes dos escravos e por aí adiante até ao topo da hierarquia que ninguém sabe onde termina.
Há milhares de portugueses como eu, e milhões de pessoas em todo o mundo, com histórias iguais ou parecidas com a minha, que trabalham uma vida inteira e conseguem juntar uns patacos, mesmo continuando a vida de escravos do trabalho. A diferença fazem-na alguns que, depois do dinheiro amealhado ao fim de muitos anos de trabalho, não resistem à tentação das ofertas fáceis dos bancos, que incentivam a compra de acções na bolsa, que é um dos negócios mais duvidosos que conheço logo a seguir à droga.
Não falo assim por estar escaldado mas por conhecer quem investiu tanto em acções, julgando que estava a fazer o investimento da sua vida, e perdeu uma boa parte do que amealhou ao longo de anos de trabalho.
Se não perder o juízo nunca ganharei um cêntimo especulando com a compra e venda de acções. Até posso perder tudo o que ganhei a trabalhar com a compra errada de um palmo de terra, ou gastando euro a euro até ao ultimo cêntimo se me faltarem as forças para trabalhar. Mas procurarei nunca ir atrás da cantiga do mercado de capitais que faz criar a ilusão que quem souber investir pode ficar em pouco tempo tão rico como Belmiro de Azevedo ou a família Espírito Santo.
Nenhum pobre enriquece a trabalhar ou jogar na bolsa. Não tenho vergonha de continuar a trabalhar doze horas por dia mas tinha vergonha de ficar um dia todo a fazer contas aos valores das empresas dos outros, para gerir a minha carteira de acções, e assim alimentar a ideia de que mais tarde ou mais cedo me sairia a sorte grande.
Não vejo muita diferença entre o negócio dos casinos e o negócio da bolsa. Todos acabamos por perder tudo o que investimos. No casino pode ser numa noite de loucura. No mercado de acções será com certeza quando as nossas ilusões estiveram mais ao rubro. São duas formas superiores da sociedade capitalista controlar e explorar os cidadãos mais fracos e desprotegidos, os incautos e os pobres de espírito.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Espírito de equipa


No último fim-de-semana participei em mais uma edição do Challenger que a NERSANT organiza todos os anos. Esta edição teve uma vantagem em relação às anteriores: houve menos competição e mais confraternização e espírito de grupo. Pelo que sei, a organização, ao tentar mudar a filosofia do Challenger, encontrou mais dificuldade em mobilizar as empresas para constituírem as suas equipas. Mesmo assim estiveram envolvidas na iniciativa cerca de 200 pessoas.
Retenho desta aventura de três dias, em que para além de muitas outras actividades desci os rios Zêzere e Tejo de canoa, que sem espírito de equipa não há milagre que nos valha. Na descida do Tejo fiz parceria com o meu filho, de 17 anos, que já tem mais força do que eu. Juntos, a descer o Tejo, sem experiência na prática da canoagem, parecíamos dois galos arrufados a discutir as nossas azelhices. Em casa lá nos vamos entendendo a jogar snooker ou pingue-pongue. No rio, se tivéssemos que disputar alguma coisa, perdíamos ambos. Nascemos os dois com o Tejo ao pé da porta e ambos não sabemos navegar. Boa lição de vida que não esquecerei.
Quanto à falta de participação das empresas só podemos tirar uma conclusão: a maioria dos empresários ainda não percebeu que o espírito de equipa faz-se fora das quatro linhas; quero dizer: fora do ambiente de trabalho. Como passo a vida a estudar Recursos Humanos, e ainda não pesco nada do assunto, no final do passado domingo cheguei a outra conclusão importante para o meu futuro: já tenho uma boa idade para me dedicar à pesca, com o espírito do pescador que, depois de apanhar o peixe o devolve ao rio, sabendo que tem em casa comida suficiente para o dia seguinte.


Recebemos esta semana a notícia de que o Clube de Jornalistas resolveu dar a O MIRANTE o prémio de Gazeta de Imprensa Regional. Vamos recebê-lo com todo o gosto. Curiosamente deixamos de concorrer a este prémio há mais de dez anos. Agora alguém se lembrou de nós e resolveu premiar-nos. Nem foi preciso concorrer.
Este é o país que temos. Os jornalistas que estiveram por detrás destes prémios não conhecem o país em que vivem nem sabem nada das dificuldades da profissão fora dos grandes centros de Poder onde se movimentam.
A atitude mais inteligente seria recusar o Prémio. A mais sensata é ir recebê-lo e provar que não são os prémios que nos fazem trabalhar mais e melhor em nome de uma imprensa regional de qualidade e de prestígio.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O caciquismo em Santarém em tempo de Feira


No dia da inauguração da Feira da Agricultura, que acompanhei de perto durante cerca de quatro horas fazendo trabalho de repórter, assisti à mais caricata de todas as cerimónias de inauguração da Feira.
As declarações de Moita Flores, que são reproduzidas nesta edição, espelham um pouco do ambiente que se vive na administração do Cnema, que foi muito mal disfarçado nas quatro horas de apertos de mão e cumprimentos aos expositores.
Nunca vi tanta arrogância e tão desmedida certeza de que os interesses do Cnema são os superiores interesses da autarquia de Santarém e do seu concelho. Moita Flores tem razão. Aquela gente sabe pisar até que do cacho das uvas fique apenas o engaço.
À luz da administração do Cnema, a Câmara de Santarém é gerida por um forasteiro que está por aqui de passagem; que não entende nada do que são os superiores interesses da cidade e do concelho. Nunca vi tanta arrogância, tanto caciquismo e tão desmedida certeza de que a autarquia escalabitana é um parceiro sem importância na organização e no prestígio da Feira do Ribatejo.
Francisco Moira Flores chegou à presidência da Câmara de Santarém e virou uma página na política local e regional. Falta virar todas as páginas para cumprir o seu trabalho. É por isso que tenho um especial prazer em observar no terreno a sua luta contra os poderes instituídos, e contra aqueles que sempre acharam que Santarém é uma cidade condenada ao fracasso e aos interesses inconfessáveis de meia dúzia de patos bravos com licenciatura, alguns com muito poder nos gabinetes de Lisboa, que alimentam a ilusão de que mais tarde ou mais cedo deixaremos cair por terra todas as ilusões de que é possível mudar o estado miserável da nossa política.
Se o meu trabalho não fosse ir para o terreno, fazer aquilo que já faço há vinte anos, não acreditaria que a instituição Câmara de Santarém pudesse ser tratada a tão baixo nível pelo facto de o actual executivo se recusar a dar cobertura aos interesses instalados no Cnema, em prejuízo da câmara e do concelho de Santarém.
Moita Flores precisa de mostrar obra para voltar a ganhar a Câmara de Santarém se resolver recandidatar-se. Coragem e um grande coração não lhe faltam. Resta saber se tem uma equipa forte para o ajudar numa missão (quase) impossível.
Na política ganham quase sempre os que têm mais poder de influência. É dos livros que os grandes exércitos podem perder muitas batalhas mas acabam quase sempre por ganhar a guerra.
Santarém tem as suas muralhas frágeis demais. Reconstruí-las é trabalho para gigantes. Há demasiados lilliputinianos nesta cidade para acreditarmos que a inteligência e a grande capacidade de trabalho, que Moita Flores já demonstrou, seja suficiente para sair vencedor da luta política em que os homens fortes da CAP são mestres e gostam de dar lições.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O que a gente vive nunca esquece


O meu avô materno, que morreu há mais de 30 anos, ficou no imaginário do povo da terra onde nasci. Com os copos dizia umas chalaças que pareciam inventadas no momento. E como tinha um estilo de vida à poeta, passava muito mais tempo na taberna do que a trabalhar, as suas piadas ainda hoje andam de boca em boca. “O Negrinha já dizia…”, “o Negrinha também dizia…”, “essa faz lembrar o Negrinha…”, são expressões que é comum ouvir antes de alguém filosofar sobre as desgraças ou as alegrias da vida.
Confesso que guardo dele boas lembranças. Mas não me entusiasmam as recordações dos seus ditos e chalaças já que alguns deles são inventados e atribuídos à sua personagem naquela lógica de quem conta um conto acrescenta-lhe sempre um ponto. As piadas mais picantes e menos conhecidas ouvi-as ainda há pouco tempo à minha mãe que, no entanto, confirma o que eu sempre também achei: o povo diz muita coisa que não é verdade.
Era ele que me aquecia os pés na cama nas longas noites de inverno. Mas também era ele que obrigava a minha avó a trabalhar para sustentar sozinha todas as bocas lá de casa. E guardo na memória as vezes, e foram dezenas, em que acompanhei a minha avó ao início da travessa do Porto do Carvão para carregar o meu avô ás costas, já que ele ficava pelo caminho perdido de bêbado, embora a distância entre a taberna do Pedro ou do António Cruz fosse de menos de duas centenas de metros da nossa casa.
Tão ou mais bêbado do que ele era o António Parguento. Embora não fosse da minha família, e vivesse numa barraca de tábuas junto ao cemitério, com uma mulher que era o único elemento do seu agregado familiar, guardo dele uma memória que jamais se apagará, e me é tão cara como a memória que guardo do meu avô. Com o António Parguento, tinha eu nove anos, estiquei arame no quintal da fábrica da cortiça do José Prior, na avenida Jesuino Magano, e na fábrica do José Martins, na rua Marques de Carvalho, também conhecida como Rua do Vale.
Levantava-me às seis e meia da manhã, no pico do inverno, e o meu trabalho era desenrolar o arame dos fardos da cortiça para depois ele os colocar no esticador e endireitar à força de braços.
Naquele tempo ainda se ganhava para o pão no rabisco da cortiça. E o arame usado valia o suficiente para pagar dois ordenados aos dois braços de trabalho mais baratos de todos os tempos: o da criança e o do homem que vive dos biscates.