quinta-feira, 28 de março de 2024

André Ventura e a recordação do "Portugal Amordaçado" de Mário Soares

Este é o país de André Ventura mas também de Montenegro e de Pedro Nuno Santos, só que mais para o interior, onde é mais difícil chamar a GNR para fazer cumprir a lei, e é possível ver porcos a andar de bicicleta, elefantes a tomar banho no Tejo, golfinhos no rio Almonda, sereias no rio Nabão e marcianos a 200 à hora dentro de aeronaves com quatro rodas numa auto-estrada que liga Lisboa ao Porto.

Quem trabalha como jornalista e leva a sério a sua profissão tem que moderar a sua revolta para conseguir trabalhar segundo o código ético e deontológico que está obrigado a cumprir. Mas não faltam razões para os jornalistas portugueses afiarem a caneta e baterem nos políticos de carreira que governam de olhos fechados e cabeça fria. A história da falta de creches pelo país fora é um drama que está longe de merecer a repercussão pública que deveria ter na comunicação social. Num país onde à baixa de natalidade se pode acrescentar que um em cada quatro (24,0%) nascimentos em Portugal foi de bebés de mães estrangeiras, a falta de creches públicas ou a falta do apoio do Estado às creches privadas, é uma boa razão para nos revoltarmos com estes políticos mentirosos do PS e do PSD; e neste momento só há uma forma de os combater que é votar em André Ventura porque ele promete levar o país ao caos e como todos sabemos é das cinzas que se renasce.

Um país que não tem médicos de família para metade dos seus habitantes, não trata bem os seus imigrantes e não tem creches para as suas crianças, para que os pais possam trabalhar e ganhar a sua vida, é um país amordaçado fazendo lembrar o livro de Mário Soares, escrito no exílio entre 1968 e 1972, onde o antigo político “mostra uma agilidade literária, uma exigência moral, uma lucidez ideológica, uma vontade incessante e uma vitalidade política que o futuro viria a confirmar e engrandecer. Portugal amordaçado é um retrato esmagador, em tom de denúncia e manifesto, contra o regime do Estado Novo, que só viria a ser publicado, em Portugal, meses após a Revolução dos Cravos, em 1974”.

Está na hora de confrontar os democratas do PS e do PSD, enquanto se extinguem como dinossauros os democratas do CDS e do PCP, partidos fundadores da nossa democracia, como é que vamos sobreviver “sem uma exigência moral, uma lucidez ideológica, uma vontade incessante e uma vitalidade política “à Mário Soares do tempo do exílio, sem um verdadeiro ataque à corrupção, às políticas seguidas na gestão da TAP, às privatizações lesa majestade da ANA, da EDP e dos CTT, à falta de capacidade para gerir as empresas públicas que ainda existem e, acima de tudo, à falta de capacidade democrática para fazerem funcionar a Justiça e castigar os criminosos que traficam droga e seres humanos e fazem voar a riqueza nacional para paraísos fiscais com a mesma impunidade que um homem mata uma mulher por ciúmes e leva 25 anos de cadeia, mas sai em liberdade ao fim de 10 anos com um doutoramento e a possibilidade de agradecer a Deus por lhe ter dado uma nova vida já que a anterior era uma miséria franciscana.

Na passada semana fiz férias em Tomar durante metade da semana e na outra fui de água acima até chegar ao Porto e cumprir a missão de comprar livros para um estudo que ando a escrever sobre a velhice. Estreei o novo Vila Galé e a classificação é nota máxima. Na quarta-feira, já depois de ter classificado o hotel onde dormi quatro noites, dei um saltinho a Torres Novas para participar numa assembleia de uma associação de que sou sócio, com as quotas em dia, há 28 anos. Para meu espanto soube que tinha sido expulso e assim regressei mais cedo a Tomar onde ainda aproveitei o resto da tarde para me dedicar ao estudo que me há-de consagrar como o melhor estudioso da minha rua. A experiência vivida em Torres Novas serviu para alimentar os sonhos da última noite no Vila Galé: sonhei que vivia num país governado por André Ventura, mas também por Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, mas cujos efeitos de governação não passavam as pontes sobre o Tejo, onde é impossível encontrar policiais para fazer cumprir as leis da República, e é normal ver porcos a andar de bicicleta, elefantes a tomar banho no Tejo, golfinhos no Rio Almonda, sereias no Rio Nabão e marcianos a 200 à hora dentro de aeronaves com quatro rodas numa auto-estrada que liga Lisboa ao Porto). JAE.

quinta-feira, 14 de março de 2024

1 em cada 5 eleitores votou no Chega no 50 anos do 25 de Abril

É muito provável que o dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária tenha contribuído para o descrédito do Partido Socialista e dos seus dirigentes. Ninguém diria que no melhor pano ia cair esta nódoa. António Costa não merecia, mas a verdade é que ninguém tem um chefe de gabinete enviado num pacote sem endereço.  


Um em cada cinco eleitores votou no Chega. Ninguém esperava. É muito provável que o dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária tenha contribuído para o descrédito do Partido Socialista e dos seus dirigentes. Ninguém diria que no melhor pano ia cair esta nódoa. António Costa não merecia, mas a verdade é que ninguém tem um chefe de gabinete enviado num pacote sem endereço. António Costa tinha obrigação de vigiar quem escolheu para o apoiar nas decisões sobre os destinos do país.

Com as eleições recordam-se números estranhos para quem confia no sistema político que vivemos desde o 25 de Abril. O Chega com esta votação vai receber cerca de quatro milhões de euros por ano de subvenção do Estado, mais 1,4 milhões que lhe calharam dos 8,1 milhões que vão ser distribuídos pelos partidos que concorreram, no mínimo, a 51% dos lugares sujeitos a sufrágio para a Assembleia da República. O sucesso do Chega trouxe a lume ainda o facto de um em cada nove votos não ter servido para nada, ou seja, em alguns distritos somaram-se mais de seiscentos mil votos que não serviram para eleger deputados devido ao facto do país estar dividido em círculos eleitorais em que uns valem mais que outros. Dando como exemplo as eleições de 2015 no distrito de Portalegre, mais de 20% dos votos em vários partidos não elegeram qualquer deputado (apenas o PS e o PSD elegeram). Já em Lisboa, só cerca de 7% dos votos é que não resultaram na eleição de um deputado para um partido. Todos os votos são iguais e têm o mesmo valor, mas, tal como na ficção de George Orwell em "O Triunfo dos Porcos", todos os eleitores são iguais, mas uns são mais iguais que outros.

Assim como no Brasil os taxistas perguntam uns aos outros como é que é possível que a grande maioria vote Bolsonaro, em Lisboa acontece exactamente a mesma coisa: é muito raro entrar num táxi onde o condutor não seja apoiante do Chega. Nos livros O Mundo de Ontem e O Mundo que eu Vi, Stefan Zweig conta episódios da sua vida em que se lembra de ver Hitler a discursar para meia centena de pessoas e outras tantas a verem e a desvalorizarem o seu discurso e a sua importância política. Muitos anos depois Stefan Zweig estava a fugir da Áustria para França tentando escapar à primeira guerra mundial, depois de França para os EUA e depois para o Brasil escapando da segunda guerra mundial. A sua Obra é talvez o maior testemunho dos intelectuais do seu tempo, já que entre o seu círculo de amizades incluíam-se Rimbaud, Romain Rolland, Rainer Maria Rilke, Thomas Mann, Émile Verhaeren e Sigmund Freud, com o qual se correspondeu entre 1908 e 1939. A família de Stefan tinha uma biblioteca onde havia livros com os cabelos de Mozart. O célebre compositor tem um diário digitalizado na Internet escrito entre Fevereiro de 1784 e Dezembro de 1791, que foi retirado de um manuscrito que se chama Verzeichnüss aller meiner Werke (Catálogo de todos os meus trabalhos) doado à Biblioteca Britânica pela família do escritor austríaco em 1986. Nada desta importância impediu que Stefan Zweig se considerasse o único homem no mundo que teve que construir três casas de família em partes diferentes do mundo e que resolvesse suicidar-se por já não acreditar no futuro da Europa.

Misturei aqui resultados eleitorais com leituras e saberes enciclopédicos mas foi com intenção. Não me interessa desvalorizar o trabalho de André Ventura porque ele merece este resultado eleitoral tendo em conta o demérito dos seus adversários. Todos lhe fizeram a caminha como se diz na gíria. A começar em António Costa e Vítor Escária e a acabar em José Sócrates que vive um pesadelo na vida real como alguns actores vivem diariamente em palco do génio criativo de alguns escritores que escrevem ficção para ser encenada.

A minha esperança é que ainda viva o tempo suficiente para ver um primeiro-ministro português a governar a partir do Porto, uma dúzia de ministros em carro próprio a visitar as obras pelo país, a demitirem-se assim que um pássaro lhes cague em cima da cabeça e quem sabe, uma administração central onde já não habitem os velhos lobos que estão ao serviço dos DDT com o beneplácito dos socialistas, social-democratas e outras aves raras. Pode ser pedir muito, mas nestes tempos de pobreza de espírito aposto em não baixar as minhas expectativas. JAE.

quinta-feira, 7 de março de 2024

A região do Ribatejo e a sorte grande chamada José Saramago

Metade do mundo sabe que muito do vinho alentejano engarrafado é feito de uvas de vinhas ribatejanas. O Ribatejo acabou como marca e o Alentejo é cada vez mais uma marca internacionalizada e famosa. Oportunidade para voltarmos a José Saramago e à sorte grande de termos um escritor que é mais comemorado em Lanzarote, Mafra e Lisboa que na terra onde nasceu.


Quem ler as Pequenas Memórias de José Saramago fica a saber que a história de vida do autor de Memorial do Convento passa também pela Chamusca quando ele atravessava o rio e ia ao encontro de um familiar que guardava gado nos campos da Chamusca. O que me leva a falar do assunto é o facto de receber durante o ano vários convites para acompanhar visitas a vários caminhos de Saramago, de Lisboa a Lanzarote, de Mafra ao grande Alentejo. Foi neste último território, hoje cada vez mais desertificado, que Saramago se escondeu do mundo para escrever Levantado do Chão que o catapultou para o êxito e a conquista de milhões de leitores. O génio do escritor da Azinhaga levantou voo e poucos anos depois surgiram as obras que deixaram de ser só novidade no trato da escrita e da composição dos textos, para serem também literatura de génio, prosa de um grande espírito criador.

Falo do assunto porque a Chamusca e a Golegã podiam juntar-se para organizarem os caminhos de Saramago na terra onde o escritor nasceu e conheceu o mundo. Do lado da Chamusca governa um político, Paulo Queimado, que é uma ave rara que provavelmente nunca leu um livro depois de ter acabado a escola; do outro lado está um novo presidente, António Camilo, ainda a apalpar terreno e pelo que sei a estudar o assunto, mas sem coragem de dar o passo em frente.

 A região do Ribatejo está quase a deixar de ter campinos, toiros e qualquer dia só tem a memória das tradições. Aliás, a região do Ribatejo já nem se chama Ribatejo para alguns produtos, como, por exemplo, os vinhos que passaram a denominar-se como marca "Vinhos do Tejo", considerado pelos seus autores “uma evolução”, porque “os vinhos ribatejanos tinham fama de baixa qualidade”. Enfim, quando se tem tudo, como uma marca famosa chamada Ribatejo, os vinhos escolhem a marca Tejo e mandam o Ribatejo às urtigas porque os vinhos de antigamente tinham má fama (embora metade do mundo saiba que metade dos vinhos engarrafados alentejanos são desde há séculos feitos com uvas compradas no Ribatejo, onde sempre houve mais fartura e variedade. E eles mantiveram a marca porque os alentejanos são tudo menos parvos). Para ser verdadeiro acho que o autor desta ideia tem os fusíveis queimados e quem foi na cantiga para lá caminha.

A Chamusca é cada vez mais uma terrinha que vive das festas da Ascensão e dos cantores pimbas e do romance, sem ficção, entre dois políticos que devem dormir mais do que governam. O resto é charneca, terra do campo e casas em ruínas. A Golegã sempre tem o museu do grande Martins Correia, mal divulgado, diga-se de passagem, a Casa Estúdio Carlos Relvas, um centro cívico ganho à custa de uma feira secular, e é sobretudo morada do grande José Saramago, que tem um Nobel na Obra que vai ficar para sempre.


Como estamos em tempo de eleições lembrei-me de desafiar os leitores a procurarem nos tempos de antena dos partidos políticos o testemunho de figuras públicas ligadas à cultura, à economia e à sociedade civil. Já agora tentem ver se aparece algum militar de Abril a fazer campanha eleitoral em nome dos partidos do arco do poder. Népia. Agora o Álvaro Cunhal é um tipo que parece que saiu ontem do colégio; Mário Soares é um rapaz barbudo que diz como José Sócrates que as dívidas do Estado não são para pagar; o PSD tem um advogado como líder a quem António Costa pregou a partida de obrigar a disputar eleições em tempo recorde, sem lhe dar tempo de arrumar a casa laranja, o que lhe pode custar muito caro. JAE .