quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A história do Café Central


É muito raro encontrar uma pessoa que fale bem de Santarém. Pior do que isso: é raríssimo falar com uma pessoa de Santarém que goste da cidade, que manifeste amor e admiração pela sua cidade. Não estou a falar do que se vai escrevendo nos jornais e que é pretexto para certas opiniões. Estou a falar da voz do povo, do testemunho do cidadão que encontramos ao balcão do café, na banca de jornais, no restaurante ou no meio da rua.
O problema de Santarém é que a fama de cidade hostil, deserta e pouco hospitaleira já vem de longe.
O meu gosto pela cidade nasceu do hábito de frequentar espaços culturais e de participar em iniciativas ligadas à cultura e ao desporto. Estou a falar de há 25 anos atrás. Já nessa altura se anunciava que a cidade morria todos os dias nos braços do fim da tarde, na caliça de um centro histórico abandonado, no colo de uma população envelhecida que, já nessa altura, não contava para o totobola.
A história do Café Central é o melhor exemplo para caracterizar o estado a que isto chegou. Depois de muitas vicissitudes a autarquia gastou uma fortuna para ficar com o espaço em nome dos interesses históricos e das tradições. E o que é que aconteceu ao Café Central ? Está fechado. A montra parece a de um espaço abandonado. Não há empresário que arrisque uma renda para devolver o café ou o restaurante à cidade.
Santarém nunca esteve debaixo de armas de fogo. Não passou por aqui uma guerra mundial que fizesse do centro histórico um monte de entulho e deixasse os escalabitanos sem tecto e, assim, provocasse a debandada da população.
Foram outras as guerras que pararam Santarém no tempo. Por outras razões não há criatividade, vida artística, investimento cultural, lojas modernas, espaços de lazer, transportes públicos, livrarias, alfarrabistas, museus, bairros e ruas com vida própria; em resumo: foram outras as guerras perdidas que esvaziaram a urbe e fizeram de Santarém uma das capitais de distrito mais pobres do país.
Quantos Carlos Abreus e Ruis Barreiros é que podemos somar para explicar a falência dos Cnemas, das obras no campo Emílio Infante da Câmara, das ruínas na Ribeira de Santarém, da falta de um grande pólo universitário, da falta de ligação ao rio Tejo ? Quantos políticos e agentes do concelho e que estão por detrás de décadas de política caseira, de negócios mal explicados, como é o caso do Festival de Gastronomia, de opções políticas que sempre tiveram mais em conta os interesses instalados que os verdadeiros interesses da cidade de Santarém ?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A revolta dos comerciantes de Alverca


Não sou contra a abertura das grandes superfícies comerciais mas acho um exagero o licenciamento de mais espaços do género sem as cautelas devidas. Em Alverca, como em Santarém, cada vez que as autarquias cedem aos poderes dos grandes empresários da distribuição estão a cavar ainda mais fundo a morte do pequeno comércio. Pior ainda: estão a criar condições para que as cidades percam vida, fiquem ainda mais desertas ao final da tarde e ao fim de semana, e deixem de ser local de encontro e de progresso.
Não sou contra a abertura de lojas de chineses ou de indianos mas sou contra a abertura indiscriminada destas lojas em qualquer rua ou avenida. Se a Câmara de Santarém deixar abrir no centro histórico, de forma indiscriminada, lojas de quinquilharias lá se vai a oportunidade de ganhar, com as obras e os investimentos que estão a ser feitos no centro da cidade, a oportunidade de dar vida nova ao centro histórico.
A revolta dos comerciantes de Alverca por causa da abertura de uma grande superfície comercial tem todo o sentido. Por essa Europa fora há muitos anos que os governos locais perceberam que o pequeno comércio é imprescindível à vida dos cidadãos. Por isso apoiam a abertura de pequenos negócios, dão incentivos aos artistas locais para abrirem ateliers de arte, apoiam a abertura de lojas ligadas às novas tecnologias, à restauração, incentivam artistas plásticos e associações locais de cultura e desporto a promoverem o desenvolvimento em áreas que as grandes superfícies comerciais desvalorizam e desprezam por não gerarem grandes lucros.
Sem comércio de qualidade não há cidade que ofereça vida de qualidade aos cidadãos.


Por dar corda a mais aos assuntos abordados nas últimas crónicas fui obrigado a barbear alguns textos. Recupero esta semana uma dedicatória que deveria ter acompanhado uma das últimas crónicas. Nunca é tarde para sermos gratos. Nunca é demais falar daqueles que de uma forma ou de outra marcaram a nossa forma de estar e de ver o mundo.
Dedico esta crónica a Joaquim Rodrigues Bicho, de Torres Novas, e à memória de António Bento, da Chamusca, e Júlio Rodrigues, de Vila Franca de Xira, pessoas muito diferentes na sua forma de trabalharem como jornalistas mas que ainda hoje nos servem de referência.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Não é normal os jornalistas da nossa terra serem reconhecidos


Há dias especiais na nossa vida que podem acontecer a uma qualquer terça-feira em que o mundo não tremeu e a nossa vida ficou apenas mais curta. A responder perante um juiz, na qualidade de arguido, acusado do abuso de liberdade de imprensa, tive que me explicar sobre o facto de estar a usar o plural quando o arguido era eu e não a redacção do jornal onde escrevo. À noite, à mesa, o meu filho fez-me um desafio: um dia o pai tem que me explicar melhor que desafio é esse, o da literatura na sua vida.
Não é nada fácil explicar a um juiz, quanto mais a um filho, o que nos leva a fazer determinadas opções na vida e a seguir caminhos que muitas vezes não levam a lugar nenhum a não ser a uma sensação de realização pessoal que nos faz adormecer todos os dias com um sorriso no rosto.
O MIRANTE vai entregar no próximo dia 12 os prémios Personalidade do Ano a 11 figuras da nossa região que se destacaram em várias áreas de actividade. Foi com o prestígio do nosso trabalho que conquistámos o direito de premiar aqueles que entendemos merecerem o prémio Personalidade do Ano. Premiando alguns queremos dizer a todos que, mais do que jornalistas, somos também gente solidária. Para nós escrever e editar um jornal não é apenas cumprir as regras de uma profissão e, à hora marcada, fechar o computador e regressar a casa para calçar as pantufas. Queremos fazer parte da história da nossa região editando notícias mas dando também o exemplo ao nível da prática da cidadania.
Não é normal em Portugal os jornalistas da nossa terra serem reconhecidos pelo seu trabalho e pela sua dedicação a uma causa. Não é normal em Portugal existir fora de Lisboa ou do Porto um grupo de jornalistas empenhados em valorizarem uma das profissões mais nobres e valorizadas entre todas as classes profissionais. Quem conhece bem a vida dos grandes jornalistas sabe que esta profissão não compensa. Não dá medalhas; não dá nome de rua; não dá dinheiro e muito menos permite ter uma vida de padre ou de poeta. Por isso é que os jornalistas morrem quase todos pobres e cansados. E morrem anónimos como quase todos os médicos, os advogados, os enfermeiros, os policias, os bombeiros, entre tantos outros profissionais que abraçam causas públicas, recebendo em troca, na grande maioria dos casos, apenas a satisfação do dever cumprido logo que chega a hora da reforma.
Escrevo esta crónica a uma terça-feira, um dia especial para mim, a meio da noite, com os óculos sem uma haste, no meio de uma nuvem de fumo do meu cachimbo, num espaço sem condições para vencer o frio. Amanhã é dia de fechar a edição. Amanhã é dia de acabar mais uma missão e começar logo, logo, a pensar noutra missão impossível.
Não é normal em Portugal os jornalistas da nossa terra serem reconhecidos pelo seu trabalho e pela sua dedicação a uma causa sem se meterem na política ou na vidinha cheia de gosma
que entusiasma tanta boa gente.