quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O Armando Alves, a Maria Viana e os “fraca roupas”

Voltei à cidade do Porto e à livraria de sempre. Quando entrei na loja, na manhã da última sexta-feira, reparei num homem alto e robusto de olhos pregados nas estantes da vasta colecção de livros de poesia. Mais de meia hora depois ainda lá estava observando, espreitando, remexendo. Reconheci-me nele. Às vezes também fico tempos infinitos a revisitar as lombadas dos livros à procura de um que, eventualmente, me tenha escapado e mereça fazer parte da minha vida. O facto de estar na livraria do editor e amigo José da Cruz Santos levou-me, cerca de uma hora depois, à conversa com o homem gigante e de sorriso aberto que tinha observado na primeira meia hora. Afinal era o Armando Alves, um dos mais conceituados artistas plásticos portugueses com uma vasta  e importante Obra, em parte ligada a três editoras: Inova (1968); Limiar (1975) e Oiro do Dia (1980). 
José da Cruz Santos ia falando comigo nos intervalos dos telefonemas e do atendimento do lado de fora do balcão. Sempre pedindo permissão para interromper a conversa. “Desculpe”; “Dá-me licença”. Foi assim até à última partilha e enquanto me foi apresentando ao Armando Alves que, entretanto, me convidou para visitar a sua casa e conhecer melhor a sua Obra.
Era meio-dia quando saí da livraria. Duas horas depois estava na Zona Industrial de Condeixa a comer um prego e a beber uma cerveja depois de uma visita à senhora da asneira. Ainda o sol cantava bem alto e já apanhava abrunhos e ameixas junto ao rio Tejo na Chamusca. Cerca das nove e meia da noite estava em Cascais, no espaço da Maria Viana, para a ouvir em mais um concerto, acompanhada pelo Nanã Sousa Dias. Muito curiosa a forma como ela me recebeu, já depois de ter falado ao João Almeida, da Antena 2, que transmitia o concerto em directo. “Há tanto tempo que não apareces”, como se eu fosse íntimo. De verdade ela é a cantora de serviço, a dona do espaço, a porteira e a principal empregada de mesa. Até enquanto cantava, de olhos fechados, uma canção de Ella Fitzgerald,  Maria Viana tomava conta do negócio. E como ela é magistral a cantar e interpretar!!!!
Eram 11h30 quando saí à rua para dar de caras com o José Carlos de Vasconcelos que andava por ali a passear três livros debaixo do braço. Conversamos sobre livros, jornais e jornalistas durante meia hora até cada um ir à sua vida. O mais curioso da história deste dia de sexta-feira é o que fica por contar. Nas três horas de viagem entre Porto e Lisboa escrevi, de memória, uma crónica sobre o “fraca roupa” do vice-presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, que ainda não teve coragem de falar a O MIRANTE sobre os erros cometidos no Orçamento Participativo levando muitos dos seus eleitores à indignação. O outro “fraca roupa” que me atazanou o pensamento é presidente da junta de freguesia da cidade. Chama-se Mário Calado e surpreendeu-me pela negativa ao comprar espaço publicitário em cartazes gigantes dentro da cidade para fazer propaganda à sua Obra como político. Em vez de limpar a cidade dos cartazes que fazem do concelho de Vila Franca de Xira um concelho do terceiro mundo ainda contribui para a poluição. Este é um assunto que me interessa por isso numa próxima voltarei à “vaca fria”. JAE

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Os sírios, os moçambicanos e os ribatejanos

Há cerca de dez anos fiz uma viagem a Moçambique para visitar a cidade de Nampula. Dormi uma noite no melhor hotel da cidade que tinha lençóis da cor do carvão, um velho e ferrugento regador como chuveiro instalado num cubículo onde mal cabia um homem. Era ainda um hotel que passava factura mas sem número de contribuinte. Em oito dias comi mais lagosta que em toda a minha vida. Tive uma boa recompensa: sofri uma diarreia que se manifestou em início de viagem numa carrinha 4X4, em estrada de mato, numa distância de mais de 300 quilómetros. Posso dizer, com certeza, que foram as 24 horas mais difíceis da minha vida de viajante.
No último dia da nossa estadia em Nampula fomos almoçar à mata, no meio de uma pequena aldeia, e comemos da panela dos nativos. Éramos cerca de uma dúzia de pessoas e do que me lembro ninguém ficou chocado com a triste realidade que ainda hoje me azeda o espírito. Duas mulheres jovens passeavam entre nós com dois filhos presos à cintura com mais moscas no rosto que abelhas à volta de um cortiço. Das duas ou três vezes que fiz das mãos abanos as moscas nem abriram as asas. Estavam literalmente em cima de rostos quase cadáveres e em vez de moscas pareciam carraças. Não guardei as feições das crianças mas guardei as imagens do sono profundo em que pareciam mergulhadas como se o colo das mães fosse o lugar mais seguro do mundo. De verdade era apenas uma cintura onde as passeavam, já insensíveis à dor e à proximidade da morte.
Lembrei-me deste triste episódio quando alguém muito recentemente sugeriu que perguntássemos aos presidentes das nossas freguesias rurais como é que eles se estão a preparar para o acolhimento de refugiados da Síria. “Era interessante saber como é que o presidente da Junta da Azinhaga, da Moçarria, de Envendos ou do Chouto, lugares onde até as moscas têm melhor vida que as cigarras, se preparam para a ajuda humanitária.” 
A minha convicção é que não se preparam nem têm como se preparar. Alguns até são responsáveis por centros de apoio a crianças e a velhos mas nenhum tem orçamento ou instalações para acolher refugiados. E não vale a pena dourar a pílula; se os refugiados sírios precisarem dos ribatejanos para se livrarem da miséria e da guerra vão ter que aprender rápido a cavar terra para batatas. 
Não sou retornado mas vivi na época o drama de alguns retornados das antigas colónias. De boa vontade e de coração aberto não me importaria de ajudar a acolher crianças moçambicanas, ou sírias, que morrem de fome e de doenças de que já ninguém se lembra em Portugal. JAE

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

As cebolas de Rio Maior

A inauguração da Feira Nacional da Cebola que acompanhei um pouco à distância da comitiva oficial, de forma propositada, originou que acabasse a visita sem cumprimentar a maioria dos convidados. A comitiva era pequena mas os corredores por onde circulamos afastaram-me com facilidade e sem perder de vista os principais convidados do executivo de Rio Maior.
A presença discreta, que fiz questão de manter enquanto durou a maior parte da visita, deu para perceber que a maioria dos políticos, em maior número nesta cerimónia, só se aproximam para confraternizar e eventualmente cumprimentar aqueles que os procuram na cabeça do pelotão. Vão todos de fato e gravata, a cabeça entre os ombros, e quando não estão sozinhos a olhar para o chão ou para o membro do Governo convidado, procuram um camarada de partido a quem podem sempre roubar uma conversa ou apoiar as mãos nos ombros.
O facto de caminhar na cauda do pelotão permitiu-me ouvir algumas conversas de deputados e candidatos a deputados nas próximas eleições a espalharem charme junto de alguns expositores. Uma delas, a doutora Idália Serrão, uma das cebolas da política, estava tão embevecida na conversa com três expositores que a julguei a mais feliz dos mortais. No momento de passar por ela, e já depois de ter observado os cumprimentos e a aparente familiaridade, ouvi a apresentação formal. “Sou deputada da Assembleia da República. Estou aqui como convidada”. Nem queria acreditar que a doutora deputada tinha arriscado meter-se com três produtores de cebola de mãos calejadas e aparência simples contrastando com o seu habitual porte altivo e a sua figura muito conhecida da televisão como emplastro atrás dos lideres do PS, ao jeito de um homem do norte que é mais conhecido que o Pinto da Costa. Vi ainda alguns políticos aos pares a tirarem ‘selfies’ e a fotografarem a cerimónia com o telemóvel, provavelmente, para alimentarem a sua página do facebook.
Puxei por este texto para contar finalmente, e para rematar, que o convidado que mais me despertou a atenção foi o filho de Silvino Sequeira, antigo presidente da Câmara de Rio Maior, pai de um igualmente ilustre político da terra, João Sequeira, que é pessoa de confiança de António Costa e que já tem lugar garantido na Assembleia da República na próxima legislatura.  É um dos mais jovens e promissores políticos da região. Para além de ser figura de relevo no Largo do Rato, onde é cumprimentado por senhor doutor por todos os funcionários do PS, é adorado em Rio Maior pelas pessoas mais velhas que o viram nascer e crescer e acham que, por ser filho de Silvino Sequeira, ainda vai alcançar um lugar honroso num qualquer governo do PS. Que se saiba, em toda a sua vida, nunca fez mais nada que política e jogos políticos. Tem um curso universitário, goza da boa fama de ser bom filho, usa roupa e óculos de marca e, segundo se diz, é tão vaidoso e convencido que um dia que chegue à idade do pai vai apagá-lo da História sem ele próprio dar por isso
Como toda a gente sabe a Feira da Cebola de Rio Maior deve o seu êxito aos produtores que vêm das Caldas da Rainha e arredores. Quem sabe os riomaiorenses não tenham em João Sequeira um mágico que transforme as salinas em campos de boa terra para plantar cebolas. Na política, e com esta notável geração de políticos, tudo é possível para bem das terras do interior. JAE