quarta-feira, 23 de abril de 2014

Recordações da Laura

A jovem que na passada quinta-feira morreu debaixo de um comboio na Estação de Santarém foi colega da minha filha no liceu de Santarém. Recentemente estivemos aos beijinhos e abraços no centro da cidade num daqueles encontros casuais que servem para matar saudades. A Laura era linda. Achei-a mais linda ainda depois de saber que ela tinha abandonado o Convento e a ideia de viver para sempre com o vestido de freira. Ainda guardo a memória do seu sorriso e do seu belo rosto de freira sem Convento. Não sei quantas pessoas a namoraram nem quantas lhe roubaram beijos. Não sei quantas pessoas a desiludiram. Nem toda a gente se suicida por amor ou por falta de amor. Certamente que ninguém se deixa “apanhar”por um comboio por excesso de amor no coração.
“Haja vertigem, um ranger de dentes e um grãozinho de loucura e a obra é boa” (Mário Saa). Acho que foi esta frase que faltou partilhar com a Laura naquela inesquecível tarde de sol em que os comboios passavam na estação cheios de pessoas felizes a caminho de casa. JAE

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Homenagear palavras

Faço minhas as frases fortes dos depoimentos que enchem o suplemento sobre os 40 anos do 25 de Abril incluído nesta edição de O MIRANTE. Não conseguiria dizer mais sobre a data e o que ela representa para mim. Tirei as aspas para que a minha liberdade de usar as palavras ficasse quase perfeita. Fui vizinha de Salgueiro Maia e ouvi da sua boca relatos do 25 de Abril. Tenho memória de um país cinzento que existia antes do 25 de Abril. O Estado é um monstro que vive à custa do povo em vez de o servir. As gerações anteriores à minha cresceram com a angústia de irem para a guerra. Apesar de todos os defeitos o nosso sistema político é o adequado ao nosso país. Muitos portugueses ainda não perceberam que o Estado somos todos nós. Alguns atropelos à democracia afastam-nos dos valores de Abril. Temos o desafio de nos superarmos para fazermos todos os dias um novo Abril. Sem o 25 de Abril eu não teria sido eleito para o cargo que ocupo hoje. O 25 de Abril não é uma foto mas sim um filme em movimento.... Não concebo a democracia sem mais igualdade e mais justiça social. Com tristeza vejo centros de saúde encerrados e pessoas sem médico. Celebrar Abril é denunciar o que põe em causa a liberdade. Tirando a liberdade o resto foi uma desilusão. A diabolização dos políticos não ajuda em nada a preservar a democracia. As ingerências do Governo nas autarquias são contrárias aos ideais de Abril. Acredito que vamos retomar o Portugal solidário de Abril. Vivemos em democracia embora haja quem nos queira convencer do contrário. O poder local tem vindo a ser atacado e tenta-se diminuir a sua capacidade de intervenção. Só valorizamos o que conhecemos, o que respeitamos… Não podemos ser um país que maltrata os idosos e incentiva os jovens a emigrar. Eu e a minha irmã nascemos em França por o meu pai estar envolvido na luta contra a ditadura. Foi o 25 de Abril que me deu a oportunidade de tirar um curso superior. Como autarca tenho obrigação de defender uma das grandes conquistas de Abril. A justiça é fraca perante os fortes e forte perante os fracos. Precisamos de uma revolução mas com recurso às armas da participação cívica. JAE

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Navegar é preciso

Na tarde de apresentação do livro de José Fidalgo Gonçalves comentei, entre apresentações e em jeito de moderador que gosta de molhar o bico, que a intervenção de Maria da Luz Rosinha sobre o livro de José Fidalgo tinha excedido as expectativas e que não tinha notado qualquer divergência entre eles, pelo que, a existir alguma divergência no plano do pensamento ou da acção política, ninguém diria pela forma como a oradora falou do autor.
A plateia sorriu e fez-se um burburinho que durou três segundos. Depois tudo voltou ao normal. No fim da sessão, que durou cerca de duas horas, chegaram as reacções mais estranhas para quem, como eu, leva o trabalho a sério.
“Não gostei nada daquela observação. Bem podia ter-se evitado. “É pá, você queria incendiar a sala logo no início da sessão”. “Boa, Joaquim Emídio, gostei, dou-lhe os parabéns em nome da sociedade civil de Vila Franca de Xira”. Com um sorriso amarelo e, nalguns casos, com respostas de circunstância, esperei pela hora de desmobilizar e fazer-me à estrada que nesse dia tinha jantar de aniversário.
No outro dia, já refeito do meu primeiro êxito assinalável como moderador e editor, fez-se luz: José Fidalgo foi presidente da Junta de Vila Franca de Xira nos últimos três mandatos e saiu a meio do último. Quem o substituiu fez quase tudo para desvalorizar o seu trabalho. No dia do lançamento do livro, que foi anunciado quase um mês antes da data, estava a realizar-se uma assembleia municipal convocada para duas horas antes desta sessão. Por último: nas últimas eleições autárquicas o Partido Socialista perdeu a junta de freguesia para a CDU.
É difícil fazer opinião no espaço de um comentário, como é o caso, mas apetece-me deixar aqui expresso que dou tudo o que tenho e não tenho para navegar nestas águas onde posso ajudar a fazer o contraponto. JAE

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Serviço público e exemplo de cidadania

 O Poder Local é uma das maiores conquistas do 25 de Abril. A conclusão é velha e tem sido repetida até à exaustão pelos políticos e pelos agentes ligados a instituições locais e regionais que precisam das autarquias como de pão para a boca. Todos sabemos, no entanto, que nem sempre os políticos locais privilegiam as parcerias e a governação democrática. Há autarquias e autarcas que nos seus ministérios comportam-se ainda pior que os governos de Lisboa. Das últimas eleições autárquicas saíram executivos que estão a trabalhar com fôlego renovado; políticos que estão a tentar reorganizar o Poder Local numa direcção que não seja só a do compadrio e a do salve-se quem puder. A realidade económica a isso obriga. As mudanças no tecido económico e social, e a necessidade de aproveitamento de sinergias, não deixam outras alternativas. Mas do querer ao fazer vai um grande passo. Nomeadamente se tivermos em conta que para se ter êxito na gestão política de um território é preciso somar qualidades humanas e boas experiências de vida e de trabalho.
A edição recente do livro de José Fidalgo, “Autarquia Inclusiva & Participada”, é um bom exemplo de um autarca que, depois do trabalho feito, que é modelar nalguns capítulos, soube tirar proveito da sua passagem pelo Poder Local. O livro não é só trabalho de autor e realização pessoal; é serviço público e exemplo de cidadania. JAE