quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Rumar ao Sul

Uma boa parte dos meus amigos são pessoas mais velhas do que eu. Na minha adolescência e início de idade adulta já era assim. Os meus adversários no bilhar, no ping-pong, nas damas e jogo das cartas eram sempre pessoas mais velhas e mais experientes. E eu tinha orgulho nisso; e aprendi muito com eles nomeadamente a perder que é o exercício mais difícil que os Homens enfrentam ao longo de toda a sua vida.
Hoje, como ontem, mantenho essa tendência de que continuo a orgulhar-me. O jogo agora é outro; as emoções também são bem diferentes; o espírito é que é o mesmo; aproveitar as amizades para tentar dar sempre mais do que aquilo que recebo. Quando sou capaz sinto-me realmente feliz. Mas também há situações em que sou surpreendido. E esta semana tive uma boa surpresa ao conseguir voltar ao contacto com uma pessoa com quem já não falava há duas décadas e reencontrei graças a um desses amigos mais velhos e sábios. Fica aqui o registo porque a edição dos 25 anos de O MIRANTE, a 16 de Novembro, vai registar alguns desses afectos de longa data e também mais recentes.

Para mim viajar é rumar até ao Sul. Mesmo que os caminhos sejam para Norte. Descobri recentemente que vou para Sul sempre que parto de Santarém, ou da Chamusca, para Lisboa ou Benavente. Mas quando saio de Vila Franca de Xira a caminho da Chamusca, ou de Santarém, também me sinto igualmente a caminho do Sul que é onde construí a minha casa.

O Tribunal de Almeirim é o exemplo da miséria do país em que vivemos. Dez mil processos na gaveta, num tribunal a funcionar em instalações provisórias, que entretanto se tornaram definitivas, é próprio de um país do Terceiro Mundo em que a justiça se faz à catanada. Se cada processo envolver dez pessoas há, pelo menos, 100 mil pessoas da região revoltadas com os governantes e os “filhos da mãe” que controlam o Sistema. O que se passa no Tribunal de Almeirim devia ser suficiente para uma insurreição popular. Só quem não sentiu já na pele o efeito dos atrasos da Justiça é que pode julgar que brinco com as palavras. Se pudesse dava o exemplo.

“Quanto mais um homem prova a sua incapacidade tanto mais apto se torna para governar o seu país”. “Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado: doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder...O Poder não sai de uns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma casa, atiram umas às outras, pelo ar, num rumor de risos” (Eça de Queiroz, Junho de 1871).

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Os burgueses morrem de fome e de sede; o povo morre revoltado


Os relatórios diários dos telefonemas que chegam à redacção davam para escrever um outro jornal. Esta semana foi pesada em alguns assuntos que nos preocupam. Gente mais idosa a desistir da assinatura por falta de dinheiro; dois leitores a desabafarem que não renovam porque temos o jornal cheio de publicidade; meia dúzia de leitores fartos de receberem o jornal oito dias depois dele já ter sido distribuído; um leitor descontente com uma notícia dizendo que nós somos terroristas a escrever. Pelo meio, e como sempre, muitos telefonemas a denunciarem situações que enchem a nossa agenda e que, infelizmente, nem sempre conseguimos dar a atenção que gostaríamos.

Na passada semana assisti a uma cerimónia que durou toda a tarde e onde estava um batalhão de jornalistas. Nesse dia à noite, e no outro dia, só consegui ouvir as declarações de Mário Soares a afirmar que este Governo não pode chegar ao fim da legislatura. Do acontecimento onde esteve Mário Soares e do que ele disse, que é bem mais importante que a declaração usada para abrir noticiário, não se escreveu ou publicou uma linha.
O jornalismo de secretária continua a imperar nas redacções. Os jornalistas passam horas a fazer a cobertura de um acontecimento e depois publicam meia dúzia de frases arrancadas no final do dia de trabalho quase sempre à margem daquilo que foi o verdadeiro acontecimento. Não vejo a classe jornalística preocupada com os interesses imediatos dos partidos que fazem o jogo político à custa da comunicação social. A coisa é demasiado vergonhosa para ser contada. As mudanças na rotunda do Marquês de Pombal são o retrato mais fiel do país em que vivemos. Nada justifica aquelas obras e a comunicação social acompanha o assunto como se o país estivesse permanentemente com os olhos postos nos problemas do trânsito naquela rotunda. O país parou por falta de dinheiro para que as autarquias e as pequenas e médias empresas mantenham sinais de vida nas classes mais pobres. A Câmara de Lisboa e a comunicação social de Lisboa têm uma grande margem de manobra para continuarem a fingir que o mundo gira à volta do Marquês de Pombal.

Senti as emoções das manifestações do passado sábado. Assisti ao corrupio para a praça José Fontana, em Lisboa, e observei alguns comportamentos que me fizeram lembrar tempos antigos em que a revolução estava na rua e as pessoas tinham os dentes e os punhos cerrados.
Sou visceralmente contra o Sistema que domina e corrompe a democracia. O Governo está a cortar nos vencimentos dos mais pobres e não corta nos altos funcionários que minam os serviços públicos. Há milhares de ex-secretários de Estado, ministros e directores disto e daquilo que, depois de terem passado por lugares dourados, nunca mais trabalharam. Estão em “prateleiras” a viverem à custa do orçamento. A maioria tem avenças com empresas privadas como consultores e, à boa maneira fascista, ganham o que querem e o que podem.
Os advogados/deputados da Assembleia da República continuam com escritórios abertos nas principais avenidas da capital. Ninguém sabe quantas empresas amigas dos políticos no Governo é que o Estado vai salvando com entradas de dinheiro fresco no capital social. É um fartar vilanagem.

Num país onde a justiça não funciona, ou funciona com dez anos de atraso, não há democracia que valha estes sacrifícios; num país onde os políticos se protegem desta forma vergonhosa não nos resta outra alternativa que as manifestações de rua. Ninguém faz milagres e o Governo parece estar a fazer o que pode. Mas do discurso à prática vai uma grande distância. Quem não sabe comunicar não sabe governar. E toda a gente também sabe que de boas intenções está o mundo cheio; e que quando começa a faltar o pão para a boca ou morremos de vergonha ou com a boca cheia de espuma. Em tempos de crise os burgueses, regra geral, morrem de fome e de sede; o povo morre revoltado.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

As touradas e a política


O vinho tinto devia vender-se nas farmácias. Tomei nota desta frase que foi proferida num desses almoços que de vez em quando faço por aí com amigos ou conhecidos. Não bebo vinho ao almoço; só se for por um dedal e uma única vez. Quem trabalha não bebe. Ou então bebe e não trabalha o que devia. Aprendi muito cedo a abrir o jogo. E depressa notei que as pessoas, mesmo as mais velhas e experientes, não gostam de fazer má figura e sugerem o vinho ao almoço por uma questão de educação e simpatia. Quando assumo a água como a minha bebida preferida, ou a cerveja sem álcool, percebo que a maioria gosta da minha atitude sem cerimónia. Neste caso o meu amigo mandou vir um jarro de vinho da casa. Mas bebeu menos de meio jarro. Eu sabia que ele ia trabalhar a seguir ao almoço e tive a prova de que não há homens que possam mais do que o vinho no sangue.

Tenho um dos hábitos considerados mais feios para quem frequenta lugares públicos. Assim que me sento na cadeira de um restaurante, ou de um teatro, ou de um qualquer auditório, a primeira coisa que faço é descalçar-me. Por causa disso já passei por situações caricatas mas não conto aqui para não ficarem a rir-se de mim. Tomo notas para esta crónica no meio de uma cidade de África onde ando descalço todo o dia como quase todo o mundo. Aliás os residentes andam de chinelos. Eu ando descalço de dia e de noite com os sapatos pendurados aos ombros pelos atilhos. Quando era criança pensava no que me está a acontecer agora. Será que um dia vou ter coragem para assumir que o que gosto é de andar descalço, pensava, na altura já com a certeza que nada me faria mudar naquilo que eu já era, no essencial, como pessoa.

Um amigo recebeu-me no seu gabinete de trabalho. Para fazer conversa contou-me que o sofá onde eu estava enterrado tinha como objectivo pôr-me a olhar para ele de baixo para cima. Era uma técnica que ele tinha aprendido para se valorizar na sua cadeira de empresário e gestor. A partir desse dia, e já lá vão muitos anos, acabei com os sofás no meu gabinete e comprei quatro cadeiras de pau que é onde faço todas as minhas reuniões de trabalho e recebo as pessoas que me procuram.

O PSD e o CDS não se entenderam mais uma vez para alterarem a lei autárquica. Mesmo a questão da limitação de mandatos vai ser uma confusão. Passos Coelho e Miguel Relvas têm culpas no cartório; claro que têm. Mas o mal vem de trás; dos governos de Sócrates que andou estes últimos anos a fingir que governava. E os autarcas são cada vez mais figuras de um museu de cera; só mandam nos seus redutos e têm uma associação nacional que parece uma secretaria de Estado do Governo em funções. Volto à vaca fria; o poder local precisa de se regenerar; e era muito importante que não precisasse dos políticos profissionais, ou dos oportunistas, como parece ser cada vez mais o caso de Moita Flores que veio para Santarém a meio tempo organizar touradas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Políticos que já foram polícias e parteiros


O Poder Local era o maior orgulho das conquistas do 25 de Abril de 1974. A Lei dos Compromissos veio pôr a nu uma realidade completamente oposta àquela que vivemos nos anos a seguir à revolução. O Poder Local perdeu prestígio e influência. Nalguns casos, ou em muitos casos, perdeu o respeito do povo e do Governo da nação. Caso para dizer, generalizando, que os autarcas na sua grande maioria passaram de bestiais a bestas; de gente ilustre a calhamaços.
Ninguém os ouve; eles próprios não se falam nem se ouvem uns aos outros. As autarquias não têm responsabilidade na situação crítica que o país atravessa. Há autarcas irresponsáveis, manhosos, lunáticos, analfabetos e corruptos. Mas muito poucos fizeram mal ao país. Os bons são uma grande maioria. Sabem defender os interesses das suas populações e, melhor do que isso, sabem investir o dinheiro do orçamento no crescimento das suas terras. Um negócio de um Governo, ou de um ministro, como é o caso do Freeport ou dos submarinos, é mais grave que noventa e nove por cento dos maus negócios dos maus autarcas.
Como é que é possível os autarcas, que na sua grande maioria fazem parte dos partidos do poder, se tenham deixado entalar por este Governo ao ponto de, no meio de todo o esplendor que são os grandes ministérios, onde há milhares de funcionários a ganhar brutos vencimentos sem porem os pés no emprego, as autarquias passarem a instituições miseráveis?
Voltamos ao país envergonhado, com as unhas sujas e com a barba por fazer; ao país que precisa de fechar-se por dentro e correr as cortinas; voltamos à época de servir não quem se respeita mas quem se vê no Poder, como escreveu o Eça.
O país está cheio de políticos que já foram polícias e parteiros, investigadores e contrabandistas. Chega de miséria franciscana.

Estou a chegar a casa depois de uma tarde de praia no areal do Tejo e não vejo a minha rua tão suja como o Largo do Rossio em Lisboa; nem o cheiro a mijo junto ao Pelourinho da minha aldeia se compara com o cheiro a esgoto na Praça do Comércio que depois sobe a Rua do Ouro e ainda se cheira no Chiado.

Se o presidente da Câmara de Ourém tem tantos turistas no Santuário de Fátima como aqueles que se espalham por toda a cidade de Lisboa durante um ano, faz sentido que os lisboetas e os políticos de Lisboa possam mijar pró Tejo e nós aqui nem possamos mijar fora do penico quanto mais para o ribeiro que nasce no meio do mato?