quarta-feira, 26 de junho de 2019

Ourém e o seu mundo que não é só Fátima

Crónica para falar de empresários e do mundo sacana e injusto em que vivemos que premeia mais os audazes e os bonitos que os fortes e mal encarados.

O mundo em que vivemos é cada vez mais interessante e inovador mas repete até quase ao ridículo os defeitos dos tempos mais antigos. Dou um exemplo; em Ourém foi inaugurado um novo espaço de excelência para incubação de novas empresas. Muitas delas serão virtuais como já acontece em Santarém, mas não vou discutir aqui e agora a importância da presença de empresas virtuais em espaços considerados de grande importância para renovação do tecido empresarial da região.
Quem organizou a cerimónia de inauguração escolheu para sentar na primeira fila, e para subir ao palco, um jovem de 23 anos que criou um negócio de venda de smartphones em segunda mão e que nesta altura já tem loja em Lisboa e Madrid. Tudo começou aos 16 anos na casa de jantar dos pais mas depois foi para Lisboa e foi lá que começou o seu negócio. Não me interessa se vai ser o novo Belmiro de Azevedo dos empresários portugueses. O jovem parece uma excelente pessoa e deve ser um ouriense do coração. O que acho é que um empresário de Ourém, a viver e a trabalhar em Ourém, com dois ou mais colaboradores, com uma oficina de electricista ou de mecânica, ou serralharia, etc, etc, tinha muito mais direito a palco que este jovem candidato a milionário.
Quem é que liga ao empresário da nossa terra que ainda mantém uma actividade quase em extinção que tanta falta nos faz e nos obriga a mandar os electrodomésticos avariados para as lixeiras? E quem é que promove os donos das oficinas, das muitas oficinas que nos fazem falta para termos uma vida de qualidade longe dos grandes centros? O que é que interessa para as pessoas de Ourém, que não querem sair de lá por amor à terra e que desenvolvem lá a sua actividade empresarial, o exemplo do jovem empresário de 23 anos que abriu lojas de venda de telemóveis em Lisboa e Madrid? Não sabemos todos que o dinheiro para estes investimentos não tem fronteiras e que não aparece debaixo das pedras da calçada?
O poder político e empresarial, regra geral, vive e promove-se de vaidades e exemplos de pedantismo que não são deste tempo e do mundo em que vivemos. Um grupo internacional empresarial de sucesso pede para abrir o centro das nossas cidades um estabelecimento de fastfood e os autarcas abrem as pernas e só não lhes dão o dinheiro de mão beijada, mais o terreno e a isenção de impostos. Um empresário local tem a mesma ou outra actividade, sustenta os mesmos postos de trabalho, exactamente no centro da mesma cidade, e é literalmente ignorado porque só está a fazer aquilo que lhe compete. E no caso de querer fazer obras, ou de vedar um simples terreno, ou partir uma parede, não há arquitecto ou engenheiro na autarquia que não prometa fazer-lhe a folha.
Ourém é o concelho mais importante do distrito de Santarém e um dos mais importantes do país. Tem seis milhões de turistas por ano. É um território único atravessado por três auto-estradas embora ainda tenha muitos caminhos de cabras e o saneamento básico chegue apenas a metade do território. A cerimónia do dia da cidade de Ourém, que se comemorou no feriado de 20 de Junho, foi uma festa bonita com a presença da grande maioria das forças vivas do concelho. Mas há muita coisa para fazer pelo concelho, e pela região, que Ourém tem a obrigação de liderar. Com autarcas destemidos e empreendedores mas também com os empresários locais que são o espelho em que nos olhamos todos os dias e, regra geral, gostamos do que vemos. JAE

quinta-feira, 13 de junho de 2019

A Feira da Agricultura podia ser um exemplo mas não é

Está aí outra Feira do Ribatejo e a única diferença dos anos anteriores é o aumento dos parques de estacionamento à volta do CNEMA.

Todos os bocadinhos do dia que consigo guardar para mim depois de largar o trabalho são para ir apanhar ameixas, nêsperas e laranjas, e regar as árvores de fruto e olhar o Tejo depois de atravessar uma pequena seara de milho.
Neste último fim-de-semana não fiz quase nada e os dias passaram a correr. Quase que não li jornais e mais uma vez não fui à Feira da Agricultura; nem à festa do Bodo à Azinhaga; nem à FICOR, em Coruche, uma feira a que não deveria faltar por ser das mais importantes para o mundo rural em que ainda vivo e gostava de continuar a viver mais uns tempos.
Em Coruche ninguém paga para entrar na festa; nem na Azinhaga; a Feira da Agricultura em Santarém é nacional mas eu preferia que fosse local, a exemplo da feira de S. Martinho que faz da Golegã a capital do país durante meia dúzia de dias e deixa a vila num sobressalto desgraçado para bem de quase todos.
É por causa dos cavalos que a Golegã não tem casas a cair e as que existem para venda são poucas e caras. A meia dúzia de quilómetros, para norte, sul, este e oeste, as casas à venda são às centenas, e o número de habitações degradadas e abandonadas é um espelho dos maus tempos que se vivem no interior do Ribatejo a exemplo do que já acontece há muitos anos no norte do país e no Alentejo profundo.
Até há poucos anos Abrantes era a referência a norte de um território em perigo de desertificação e massa crítica. Agora fala-se abertamente em Santarém do que dantes se murmurava de Abrantes. As casas senhoriais na Chamusca, que fica a meio caminho, estão à venda e ninguém as quer comprar. Por isso é que a Feira de S. Martinho é um exemplo para a dinamização de uma terra e de um território. A Feira da Agricultura, da forma que é organizada, não passa de uma feira de espectáculos e de artesanato, única no país, mas que passa ao lado da economia da cidade e da região e dos seus interesses mais prementes.
Há um novo presidente no CNEMA mas os que mandam são os mesmos dos últimos 20 anos. Estão ali para ganharem dinheiro em nome da CAP, uma associação que já foi de agricultores mas hoje é uma rede de negócios. A Feira da Agricultura é uma das suas fontes de receita com o que pagam os expositores, os patrocinadores e os visitantes. Tudo em nome de uma associação de agricultores que se está marimbando para o tecido económico do concelho e da região.
É verdade que a CAP não é uma Santa Casa nem uma associação de benfeitores. Mas há limites para a exploração de uma Feira que já foi a cara da cidade e o orgulho dos escalabitanos. Nesta altura, pelo que é do conhecimento público, os escalabitanos são os primeiros a ignorarem a Feira e a criticarem a organização por não trazer nada de novo e significativo à cidade e à sua vida cultural e económica (com excepção do aumento significativo de parques de estacionamento para serem usados uma vez por ano). JAE

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Tancos e os roubos das nossas armas

O roubo das armas da Base Militar de Tancos é o espelho do país em que vivemos e dos dirigentes políticos que se esquecem do interior.

O roubo das armas da Base Militar de Tancos fez da Chamusca uma terra de referência no mapa de Portugal. Pelas piores razões. Ainda dura uma das histórias mais tristes das nossas instituições militares e políticas a braços com velhos hábitos e costumes herdados de um regime caduco como era o de Salazar, e depois de um outro, democrata mas nem sempre, que nasceu com o 25 de Abril de 1974.
Tenho a certeza que António Costa ou Marcelo Rebelo de Sousa, só para falar das duas maiores figuras da política nacional, se envergonham desta situação caricata do roubo das armas e do circo que se montou para que, daqui a uns anos, ninguém seja responsabilizado e toda a gente lave as mãos como Pilatos. Mas não nos devemos conformar com a vergonha nacional de termos umas Forças Armadas que custam milhões de euros ao Estado e servem apenas para compor o ramalhete de um regime democrático que tem dificuldade em reformar-se.
Na passada semana publicámos neste jornal uma reportagem que prova à saciedade que estamos entregues à bicharada em termos de polícias e guardas. Não há efectivos da GNR nem da PSP para acudirem a acidentes, para fazerem patrulha à noite, para imporem respeito numa região onde se assaltam bancos e lojas com a facilidade com que se roubam melões nos campos da Lezíria.
O assalto à Caixa Agrícola da Chamusca é um exemplo que não pode ser esquecido. Outros assaltos praticados na mesma data já foram arquivados pelas autoridades por falta de novos elementos e porque o trabalho aperta e há coisas mais importantes para resolver e investigar.
Os bandos que organizam estes assaltos continuam por aí. Um dia destes voltam à carga e fazem nova razia aos estabelecimentos comerciais, liquidando a actividade e empobrecendo o meio já que nada se recupera como antigamente. No interior morre um velho e com ele a memória de um tempo. O mesmo se passa com determinadas actividades comerciais; se os gatunos a levam à falência dificilmente voltam a ser úteis na comunidade onde tinham a sua actividade.
Volto à segurança e à falta de meios das forças policiais que vivem em quartéis miseráveis, têm como principal função a caça à multa, são escassos para um território tão grande, e não servem para aquilo que deveriam servir, acima de tudo, garantir segurança, prevenir e proteger.
Enquanto isso nos quartéis militares vivem muitos milhares de homens à custa do orçamento sem qualquer utilidade para a sociedade. Gente que se prepara todos os dias, em tempo de paz, para defenderem com armas a Pátria portuguesa, que não inclui a defesa das populações e do território no que mais interessa, nomeadamente os fogos, os roubos, os crimes relacionados com a poluição, o vandalismo e o terrorismo nas suas mais diversas facetas.
Na Chamusca, em Abrantes e no Sardoal, em Coruche e em Alcanena não há autoridades policiais que possam defender o território daquilo que também o leva à falência. Entretanto os soldados do exército, e uma boa parte dos efectivos da GNR e da PSP, servem os clubes de futebol e os governantes em geral como se Portugal fosse um Principado e os homens que o governam se sentissem todos da mesma família de sangue. JAE